Todas as reportagens
Outras reportagens de: Veja
- Correr conforme a música
- Crença de outra galáxia
- Na Cadeira de Calvin
- Retratos de família
- Feras para Vestir
- A catedral invisível da arte
- O Mundo Sombrio dos Astecas
- A beleza e a força dos latinos
- Olhar não engorda
- Tragada zero
- Arquitetura de grife
- Para ver e sonhar
- Sexo implícito
- Medo de voar
- Ditadura predial
- Questão de química
- Corpo em evidência
- O Eldorado brilha menos
- Lágrimas dos deuses
- Dos que se foram aos que ficam
- Ataque ao bispo
- Em Nova York, mas com dinheiro
- Templo de excesso
- Um nicho alegre
|
Noites de brilhantes e caviar
05.novembro.1997
Enquanto o real dançava, os ricos dançavam o baile da Ilha Fiscal-Manhattan
Eduardo Junqueira e Marcelo Camacho
Não, não foi um baile da Ilha Fiscal. Foram vários. Na semana passada, enquanto o real ameaçava naufragar ao sabor da montanha-russa das bolsas, um alegre cordão de ricos brasileiros flanava em Nova York, numa ciranda pantagruélica de caviar, champanhe e brilhantes. O pretexto para a revoada foi a festa de Homem do Ano, promovida pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos na última quinta-feira, que homenageou dessa vez o embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima e o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger, um lobista de altíssimo coturno. "Deus é mesmo brasileiro. Eu só estou aqui hoje porque um compromisso que tinha na China foi desmarcado", disse o amável Kissinger. Contratado pelo império Disney para aparar arestas em empreendimentos comerciais na China, sua permanência em Nova York foi amaciada, segundo os fofoqueiros do salão, por um cachezinho de 30.000 dólares para prestigiar o evento.
A noite de gala dos brasileiros em Nova York foi precedida por nove grandes rega-bofes ao longo da semana, que atraíram o banqueiro Lázaro Brandão, presidente do Bradesco, o empresário Antonio Ermírio de Moraes, velhas raposas como Antonio Carlos Magalhães, José Sarney e Paulo Maluf, além dos governadores de Minas, Eduardo Azeredo, da Bahia, Paulo Souto, e Amazonino Mendes, auto-explicável. "A cidade foi invadida por uma boa parcela do PIB nacional", constatou Marcus de Vincenzi, cônsul em Nova York. A maratona começou com um jantar na casa de Carlos Alberto Vieira, presidente do banco Safra, em homenagem ao deputado Delfim Netto. Alguns convivas, mais enjoados, reclamaram do caviar, de acordo com eles de segunda. O paladar recebeu mais atenção na terça-feira, quando Omar Fontana (Transbrasil e Sadia) ofereceu um coquetel na suíte presidencial do hotel The Plaza (6.000 dólares de aluguel), com direito a cascatas de camarões servidas sobre o dorso de leões esculpidos em barras de gelo. Para compensar as várias recepções só para homens, Heloisa de Vincenzi, mulher do cônsul, reuniu quarenta seletas convidadas num almoço. "Estávamos todas muito contentes e conversamos sobre a alegria de Nova York com os lugares todos cheios", diz a socialite Lucila Gomes Borges.
O décor mais impressionante da semana se descortinou no jantar oferecido a 400 convidados pela família Safra no Metropolitan Club, fundado pelo legendário J.P. Morgan, este sim um capitalista à moda antiga. No clube, um serviço de bufê sai por 500 dólares a cabeça. Nesse rega-bofe mesmo os convivas mais azedos não puderam reclamar: não faltou champanhe nem caviar de primeira. "Uma multidão ficou parada na frente, sem se mover. Parecia que as pessoas nunca haviam visto caviar na vida", anotou a colunista social Danuza Leão. Exagerado, talvez, só o número de velas espalhadas pelo salão. Para reforçar o ambiente outonal, as lareiras foram acesas mesmo com a temperatura na casa dos 17 graus Celsius. No salão abarrotado, assim, instalou-se um calor baiano. Com quatro flores de brilhantes enfeitando o colo, Chella Safra, mulher de Moise Safra, um dos donos do banco, esbravejou com Carlos Alberto Vieira porque queria fugir de um convidado alojado em sua mesa. O infeliz acabou devidamente descadeirado. Na hora da sobremesa, os pagers apitaram, informando as cotações de abertura da Bolsa de Hong Kong. A festa, naturalmente, continuou. O jantar em homenagem ao embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, no hotel Plaza, foi burocrático como de hábito. O cardápio resumiu-se a uma entrada de caviar americano com abacate e filé de salmão, regados a vinho californiano. Nada digno de entrar para a História. "Foi só um prato, sem direito a champanhe. Pelo preço que pagamos, deveria ter tudo", reclamou o deputado tucano Roberto Brant. O preço, para quem não recebeu convite de cortesia, era realmente de lascar: 500 dólares, por um custo real de 85. (O lucro é embolsado pela Câmara de Comércio, que alguma coisa aprendeu, com tantos membros banqueiros.) Com a lotação do salão estourada em mais de 100 convidados, os garçons deixaram a classe de lado e empilharam as porções de salmão na bandeja, desabando os pratos sobre as mesas. "Eu nunca vi isso nem em churrascaria de beira de estrada", indignou-se o deputado Ronaldo Cezar Coelho.
Música baiana Para lembrar as raízes de uma boa parcela dos 720 presentes, rolou uma música baiana. A atriz Kristel Rique, mulher do deputado Ricardo Rique, mostrou o seu lado Daniela Mercury, ao rodopiar faceira em seu vestido longo, branco, transparente e com cauda de sereia, arrematado por um generoso laço de cetim na região dorsal. A chiquérrima Lúcia Moreira Salles, mulher do ex-chanceler Walther Moreira Salles, dono do Unibanco, deixou no cofre o anel de brilhantes que estava matando a concorrência de inveja e usou jóias mais discretas: duas fileiras de pérolas capazes de desequilibrar alguém com menos aplomb, pulseira dupla de esmeraldas e brincos combinando. Algumas senhoras chegaram de luvas e assim permaneceram ao longo do jantar. Marisa Cozer, mulher do exportador de café Jair Cozer, desfilou um casaco de visom tão comprido que tocava o mármore do chão. Até Fernando Opitz, presidente da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, marcou presença. Curiosamente, ele não parecia nada preocupado com a derrocada das bolsas. Avalanche mesmo, comentavam as fofoqueiras, sofreu a silhueta da atriz Sônia Braga, desvendada pelo decote do vestido do costureiro Ocimar Versolato. O deputado Heráclito Fortes nem ligou para a intriga. "Ela estava aprumada", declarou. "Todo mundo queria passar perto."
Diante da esqualidez do cardápio, depois do jantar o deputado foi comer um hambúrguer na esquina. Àquela altura, os convidados já embarcavam na frota de carros alugados, preferencialmente limusines, daquelas enormes, as prediletas dos traficantes de drogas. Piada de um motorista: "Nós cobramos 45 dólares a hora, mas com a queda da bolsa é bem provável que os clientes dêem uma choradinha para pagar 40".
Com reportagem de Daniela Pinheiro, em Brasília, e Tania Menai, em Nova York.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
---
voltar |



|