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Em Nova York, mas com dinheiro
12.janeiro.2000

Profissionais qualificados começam a mudar o perfil dos brasileiros nos Estados Unidos

Tania Menai

Os Estados Unidos estão recebendo um novo tipo de imigrante brasileiro, que nada tem de clandestino. Ele tem boa qualificação profissional e entrou no país pela porta da frente. A nova safra pode ser conferida em recente pesquisa encomendada pela prefeitura da cidade, segundo a qual aumentou o número de brasileiros morando nos bairros mais nobres de Manhattan. Entre 1995 e 1996, 2 761 imigrantes oriundos do Brasil obtiveram o green card (visto de permanência ilimitada nos Estados Unidos) e vivem em Nova York. O estudo da prefeitura mostra que, nessa última leva dos que receberam visto permanente, a maior concentração na ilha (27%) está no Upper East Side, onde se pagam cerca de 4.000 a 6.000 dólares de aluguel por um apartamento de dois quartos num prédio com porteiro. Esse número de green cards é um terço maior que o dos quatro anos anteriores. Outro bom indicativo do novo perfil está nas estatísticas do Departamento de Imigração e Naturalização, em Washington. Elas mostram que, diferentemente do que ocorre com a maioria dos latino-americanos, os brasileiros estão cada vez mais obtendo o visto por motivos profissionais. Em 1997, de cada grupo de dez brasileiros com visto de permanência ilimitada, sete o receberam por causa de seu trabalho.

Os novos imigrantes chegam com o inglês afiado, alguns já estudaram ou moraram fora e muitos têm mestrado ou mesmo doutorado. Essa turma é apaixonada pelo que faz, trabalha de dez a doze horas por dia e, sobretudo, não vive em um gueto étnico. Opta por gastar mais para morar em Manhattan, em vez de viver em espaços mais amplos e baratos no Queens, onde se concentram os imigrantes brasileiros de classe média. Um bom exemplo é o carioca José Lavaquial, 35 anos, que chegou à cidade há cinco anos juntamente com sua mulher, Ana Cláudia, quando o Bozano, Simonsen resolveu abrir uma corretora em Manhattan. Transferido do Rio de Janeiro, ele assumiu a direção dos negócios internacionais da corretora, passou um ano em Hong Kong e voltou para Nova York. "Muitos brasileiros almejam morar aqui, mas não têm um projeto sólido", diz.

O consulado em Nova York, que cobre também os Estados da Pensilvânia, Delaware, Nova Jersey e Connecticut, estima que 300.000 brasileiros residam nessas áreas. Tereza Costa, responsável pela área de atendimento do consulado, informa que o grosso da imigração continua a ser dos chamados "não documentados", maneira politicamente correta de descrever quem entra nos Estados Unidos com uma mão na frente e outra atrás. Continua a ser maioria aquele imigrante que aceita lavar pratos, engraxar sapatos ou realizar outro bico qualquer na esperança de juntar dinheiro e comprar uma casinha para a família quando voltar ao Brasil. Esse é o brasileiro típico que se muda para Nova York. Entre os que chegam aos Estados Unidos com dificuldade, só alguns poucos obtêm um lugar ao sol. Estima-se que, para cada imigrante que se integrou à sociedade local ou conseguiu firmar-se financeiramente, há entre 300 e 400 outros lutando para guardar alguns dólares no final do mês.

A grande maioria acaba padecendo diante da concorrência. Os sérvios e croatas, recém-saídos de uma guerra e dispostos a tudo, aprendem inglês com facilidade e estão tomando o lugar de garçons brasileiros. Na área de construção civil, os operários brasileiros perdem espaço para engenheiros russos. Babás agora competem com as filipinas e as russas. No comércio, também são grandes as adversidades. Quem nunca ouviu falar da famosa Rua 46, conhecida como Little Brazil? Lá, as lojas que dependiam do turista brasileiro estão fechando as portas após a desvalorização do real, eliminando assim diversas vagas. Na semana passada, foi a vez da Brasil Som, que funcionava ali fazia quarenta anos. Um dos pioneiros da rua, o proprietário Jaime Felzen faturava 3 milhões de dólares por ano. Nos últimos três meses, atendeu apenas dezesseis clientes.

Poucos conseguem refazer a trajetória do empresário Fábio Machado, que foi para Nova York em 1973. Ele já fez um pouco de tudo antes de se casar com uma americana e receber seu green card. Vendeu produtos eletrônicos e roupas até se estabelecer em Long Island no ramo de restaurantes. Nas últimas semanas, trabalhava freneticamente para inaugurar a Saci Club, casa noturna que montou com três sócios em Manhattan, onde emprega quarenta pessoas, a maior parte brasileiros. "É tão grande a concorrência para quem chega aqui lavando pratos e permanecendo como trabalhador ilegal que hoje é quase impossível ser bem-sucedido começando dessa forma", diz.

Competitiva e agressiva – O perfil do imigrante sofreu uma alteração porque a economia americana vive um momento esplêndido. O índice de desemprego no país, de 4,1%, é o mais baixo desde 1970. Nunca se precisou tanto de especialistas nas mais diversas áreas. E o jeito foi importá-los. O paulista Fernando Cotait Maluf, 28 anos, cursou medicina na Santa Casa e já fez residência em clínica médica no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Mas, quando foi aprovado nos testes requeridos para uma residência nos Estados Unidos, seus direitos e deveres se equipararam aos dos americanos. Desde julho de 1998, Maluf é residente de oncologia clínica e hematologia do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, um dos principais centros de pesquisa e tratamento de câncer do mundo. O programa tem três anos de duração. "O Memorial possui uma equipe multidisciplinar muito bem treinada e sólida pesquisa laboratorial de novas drogas, que, se promissoras, são estudadas em seres humanos", observa ele, que mora num estúdio perto do hospital. "Esta é uma cidade extremamente competitiva e agressiva, talvez porque as pessoas que vêm para cá sejam bastante motivadas."

Em comum, os novos imigrantes mudaram-se para Nova York como uma etapa da carreira profissional. Ou foram transferidos pela empresa ou escolheram a cidade para fazer um curso. É o caso da brasiliense Ana Abdul, 30 anos, que junto com Luís Felipe Medeiros, o "Lipe", de 31, é dona de uma loja badalada, a Language, na Rua Mulberry, no bairro de NoLIta. Ana e Lipe se conheceram em Nova York e pagam 6.000 dólares por mês para morar num loft no SoHo. Lipe deixou São Paulo seis anos atrás para estudar artes plásticas. Ana saiu de Brasília há cinco para cursar mestrado na School of Visual Arts e chegou a estagiar com Annie Leibovitz, uma das fotógrafas mais renomadas do mundo, e no Museu de Arte Moderna, o MoMA. A loja, que une os móveis desenhados por Lipe com a experiência em moda de Ana, aberta em 1997, já fatura 1,5 milhão de dólares anuais. Seus 2.500 metros quadrados são ocupados por móveis, antiguidades, moda, acessórios, e ainda é uma galeria de arte. Nada mais new yorker. "Investimos alto, mas a burocracia é muito simples e funciona a nosso favor", conta Ana. "No Brasil, você nunca sabe o que vai acontecer no mês seguinte. Todos ficam dependendo das medidas econômicas."

Uma característica do empreendimento bem-sucedido de Ana e Lipe é justamente não depender da colônia brasileira. Sua loja até pode ter clientes brasileiros. Mas não é feita para eles nem tem aquela nostalgia dos trópicos. "O que une o caldeirão cultural da cidade é o idioma", diz o compositor e pianista Marcelo Zarvos, 30 anos, que desembarcou em Nova York há cinco anos e já tem o green card. "Quem chega aqui sem falar inglês está condenado a viver em um gueto de brasileiros. Sendo assim, é melhor ficar no Brasil." O paulista Zarvos já gravou três CDs, tem a agenda lotada de concertos e compõe músicas para cinema. Seu estúdio ocupa um dos dois quartos do apartamento que acaba de comprar no Upper East Side. Apesar de sempre trabalhar com projetos no Brasil, ele não pensa em voltar ao país.

Menos mineiros

Nos anos 80, nove entre dez imigrantes brasileiros residentes no Estado americano de Massachusetts tinham saído de Governador Valadares, cidade mineira de 250 000 habitantes. Agora, o fenômeno migratório alastrou-se pelo Brasil todo. Minas Gerais continua sendo a origem de quase metade dos brasileiros da região – que concentra o maior número de imigrantes do Brasil depois da área metropolitana de Nova York. Mas a soma dos cariocas, paulistas, capixabas e goianos já chega a 45%, segundo pesquisa feita pela socióloga Ana Cristina Braga Martes, que morou dois anos em Boston e escreveu o livro Brasileiros nos Estados Unidos – Um Estudo sobre Imigrantes em Massachusetts. Em 1990, uma reportagem de VEJA mostrava que o imigrante típico era do sexo masculino, jovem e solteiro. Quando casado, deixava a família no Brasil. Na virada do século, o número de mulheres praticamente se equipara ao de homens. Os casados, que agora são 6% mais que os solteiros, começaram a viajar com a família.

Outra novidade é que 15% desses brasileiros já não querem retornar ao Brasil. "É um índice relevante, pois até pouco tempo atrás eles iam juntar dinheiro para, depois, voltar para cá", ressalta a socióloga. Entre os que regressam, há quem se aproveite da falta de referências do recém-chegado para ganhar um dinheiro extra. Como já têm mais contatos na cidade, muitos desses imigrantes "vendem" seus postos de trabalho em funções subalternas, como de faxineira. O preço da "venda" é, em média, três vezes o rendimento mensal que o novato irá receber.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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