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MBA com Shakespeare
26.julho.2000

Tania Menai, de Nova York

Competitividade, sistemas, gestão de pessoas, capital intelectual, inovação... Há muita coisa para ensinar nas escolas de negócios. Mas o melhor professor da Universidade de Colúmbia e um dos dez mais procurados mestres de educação executiva dos Estados Unidos, segundo o ranking da revista Business Week, dá aula de... Shakespeare.

William Shakespeare é um dos maiores escritores de todos os tempos, senão o maior. Sua obra é tão extensa e de qualidade tão elevada que muita gente duvida que ele tenha sido uma pessoa só, ou que fosse alguém sem educação universitária. Outros, como o crítico e escritor Harold Bloom, no livro Shakespeare: a Invenção do Humano, defendem a tese de que o bardo inglês é o maior responsável pelo modo como nós hoje lidamos com nossos sentimentos. Uma única fonte ultrapassa as peças de Shakespeare em riqueza de personagens inspiradores: a Bíblia.

Dito isso tudo, quanto tempo você acha que iria levar para que começassem a adaptar Shakespeare para o mundo dos negócios?

É isso que faz o professor John Whitney, de 72 anos. Sua turma de 85 alunos tem como dever de casa estudar trechos de Hamlet, Rei Lear, Otelo e outras peças. Em sua aula no curso de verão, com 3 horas de duração, ele mostra vídeos de peças gravadas pela BBC. Na aula do dia 10, ele comparava o príncipe Hamlet com Jeff Bezos, o presidente da Amazon.com.

O curso de Whitney, intitulado "Em busca do príncipe perfeito", existe há três anos. A lista de espera para assisti-lo passa dos 400 nomes. Por meio das peças e dos contos do bardo, Whitney trata de assuntos como poder, comunicação, confiança, decisão, ação, hierarquia e mulheres na liderança.

Com a atriz Tina Packer, escreveu o livro Power Plays - Shakespeare’s Lessons in Leadership and Management (Peças de poder: as lições de Shakespeare sobre liderança e gestão). Em suas 30 palestras anuais para altos executivos americanos, o professor compara o universo de Shakespeare com o mundo corporativo atual. "Muitos executivos dizem que aprendem mais com esse método comparativo do que com as teorias tradicionais", diz. "Os personagens os fazem refletir."

Whitney não fica apenas nas salas de aula. Ele é creditado como um dos gurus da reestruturação de empresas e dirige o Centro para Qualidade de Gestão W. Edwards Deming. Já foi diretor e executivo-chefe de empresas e presta consultoria para grandes companhias, como a General Electric. Ex-acadêmico da Harvard Business School, Whitney é professor da Colúmbia há 15 anos. Eis algumas lições que ele dá aos alunos de MBA:

Examinando um discurso de Jack Welch, feito em 1991, os alunos identificam que a técnica de persuasão mais eficiente do presidente da GE - a repetição - é a mesma dos líderes na peça Júlio César.

Os piores líderes, segundo Whitney, são Ricardo II, que não colocava suas idéias em prática, e Ricardo III, que demorou 23 anos para conquistar a coroa e apenas dois para perdê-la. Assim como Macbeth, Ricardo III era capaz de matar para alcançar o poder. Esses dois personagens são comparados aos executivos que se preocupam mais com os acionistas que com o bem-estar da empresa e da sociedade. Os alunos são aconselhados a fugir do modelo.

O personagem mais inspirador para os executivos é o rei Henrique V, que construiu um império. "Ele não é o príncipe perfeito, mas está muito perto do ideal", diz. Whitney afirma que os executivos podem aprender muito com o discurso na véspera da batalha de Agincourt, em que um punhado de ingleses exaustos e famintos derrota o exército francês. (Ante o temor generalizado pela morte iminente, o rei afirma que não perseguiria nenhum desertor e que prefere mesmo lutar com poucos homens, quanto menos melhor, porque a glória, dividida por menos gente, é maior. "Nós poucos, nós os felizes poucos, nós bando de irmãos... Porque aquele que hoje derramar seu sangue comigo será meu irmão", diz o rei, na peça).

Pode até ser que Shakespeare não tenha muitas contribuições sobre tecnologia da informação ou produção por processos. Mas sobre gente, que ainda é quem movimenta o mundo do trabalho, os textos ensinam bastante. Também, se não ensinarem nada que faça ganhar muito dinheiro, pelo menos são alguns dos melhores textos que você jamais vai ler.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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