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Morte ronda o MIT
27.novembro.2000

Tania Menai

Na última semana, a imprensa de Boston, nos Estados Unidos, mergulhou em uma maré de debates. Os jornais e televisões locais entrevistam especialistas e dissecam teses psicológicas em torno da atmosfera de competitividade e pressão sofrida pelos alunos do Massachusetts Institute of Technology (MIT), uma das mais prestigiadas universidades americanas. A polêmica foi deflagrada pelo suicídio da estudante brasileira Lucy Crespo da Silva. Aos 22 anos, ela estava prestes a ser diplomada em ciências terrestres, atmosféricas e planetárias. Mas às 21h15 de 19 de novembro, um domingo, ela se jogou da janela de seu dormitório, no 14º andar de um dos prédios da faculdade. Foi o quarto caso de suicídio no MIT desde março de 1998. Ao todo, 38 alunos da instituição se mataram nos últimos 37 anos.

O suicídio de Lucy provocou uma reação discreta da polícia local – que não revelou o conteúdo do bilhete que ela escreveu pouco antes de se matar e sequer avisou o consulado brasileiro em Boston. Mas os corredores da instituição ficaram em polvorosa. Ainda na manhã da segunda-feira, o MIT colocou serviço psicológico à disposição dos alunos que vivem no mesmo dormitório de Lucy, no complexo Westgate. Na terça-feira seguinte, emitiu uma nota oficial comunicando a morte. Na próxima semana, a universidade promove um serviço religioso em memória da estudante. "Estamos colocando velas e flores em frente ao seu armário no vestiário", conta Katia Pashkevitc, técnica do time de hóquei no gelo da faculdade. Lucy era a camisa 9 da equipe. Em sua homenagem, todas as colegas do time colocaram o número em seus uniformes.

Na semana passada, os colegas de Lucy se reuniram no dormitório Westgate para discutir a perda. Todos expressaram surpresa. Segundo contam, ela parecia estar bem. Vários amigos dizem que ela costumava confortá-los quando tinham problemas. A estudante é descrita como uma aluna ágil e comunicativa, que gostava de desenhos animados e até pouco tempo era a líder de um grupo social da faculdade. Já havia terminado o curso, mas estava concluindo um trabalho pendente. Planejava iniciar seus estudos de pós-gradução em janeiro.

Lucy era filha única. Seus pais, Marcelo e Linda Crespo da Silva, vivem em Albany, no Estado de Nova York. Foram comunicados da morte quando o corpo da filha ainda estava no Massachusetts General Hospital. Marcelo é dono de um respeitável currículo, que inclui doutorado na Universidade de Stanford e pós-doutorado na NASA. É professor de engenharia aeronáutica e mecânica da Rensselaer Polythecnic Institute (RIP). Pelo telefone, Linda disse ao no. que o casal mudou para os Estados Unidos na década de 70, quando Marcelo era professor na Universidade de Cincinnati, em Ohio. Lucy nasceu nos Estados Unidos, mas falava português fluentemente. "Agora não tenho palavras para falar sobre minha filha. Talvez no futuro", disse Linda.

A morte de Lucy provocou reações da associação de estudantes do MIT. "Ela tinha um grande potencial. Estava envolvida em vários projetos", diz o diretor da associação, Robert Randolph. No início do semestre, ele enviou para os conselheiros de calouros uma carta escrita por pais de estudantes que cometeram suicídio. No documento, afirmava que a saúde mental dos alunos deve ser um tema cada vez mais discutido na universidade.

O MIT reage à polêmica afirmando que dispõe de um departamento de assistência psicológica com um time de profissionais de primeira. Ali, trata-se de problemas que vão da depressão ao stress, do isolamento à gravidez. O serviço fica disponível 24 horas por dia. A reportagem de no. telefonou para o serviço durante o feriado de Ação de Graças. Um especialista, de fato, atendeu o telefone e forneceu informações sobre o seu trabalho na faculdade.

A morte de Lucy contou com extensa cobertura dos jornais locais e atiçou a pressão feita por organizações de alunos para que as faculdades de elite melhorem os serviços de saúde mental. Expostos a um ambiente de extrema competitividade, os estudantes tendem a mergulhar em ondas de ansiedade e depressão. Considerado um dos maiores especialistas em suicídios em universidades, o professor Morton Silverman - hoje no departamento de aconselhamento a estudantes da faculdade de Chicago – passou 10 anos estudando o fenômeno em 35 milhões de estudantes nas 10 melhores
universidades dos EUA. Segundo ele, cada faculdade deve esperar um suicídio por ano para cada 10 mil alunos. O MIT tem 10 mil estudantes inscritos. E uma média de um suicídio por ano. A associação dos estudantes da faculdade, no entanto, discorda dos números. Nas contas de Robert Randolph, foram 49 suicídios - e não 38 nos últimos 37 anos, como admite oficialmente a universidade. Nas contas de Randolph entram suicídios de estudantes recem-formados no MIT.

A editora do jornal do MIT, chamado "The Tech", Katharyn Jefferey, endossa as críticas à universidade. Segundo ela, as causas dos suicídios não são apenas acadêmicas. Têm relação com problemas familiares e devem ser tratadas como tal. Do outro lado do debate, estão os especialistas que apoiam os serviços de acompanhamento psicológico, mas enxergam o número de suicídios como um mal difícil de ser contornado. "Os números do MIT não ultrapassam o que é de se esperar. Temos a impressão de que pessoas inteligentes são imunes a problemas mentais. Não é verdade", disse ele ao Boston Herald. Pressionado pelo debate, que ressurge a cada nova morte no campus, o MIT começou este ano a dar palestras sobre suicídio para calouros. Neste semestre, 85% deles compareceram ao evento.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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