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Fábrica de idéias
07.dezembro.2000
Tania Menai
ITÁLIA – Na semana passada, o filme "Bicho de 7 cabeças" de Laís Bodanzky foi a produção mais premiada no Festival de Cinema de Brasília. Premiação é uma palavra que circula com freqüência pelos corredores da Fabrica, o centro multimídia de pesquisa em comunicação da Benetton, em Catena di Villorba, nos arredores de Treviso, norte da Itália. Foi lá que o filme brasileiro foi editado, assim como os iranianos "O círculo", de Jafar Panahi, vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza deste ano e como "O quadro negro", de Samira Makhmalbaf, vencedor do prêmio de júri de Cannes. Ou de "Jornada para o Sol", do diretor turco Yesim Ustaoglu, premiado em Berlim no ano passado. Apenas para citar alguns. Laís conheceu Marco Müller, o diretor do departamento de multimídia da Fabrica, durante o Festival Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 99, onde ele foi jurado. Além de investir US$ 150 mil no projeto, Müller levou o filme para ser finalizado no centro multimídia. Posteriormente, Bicho de 7 Cabeças seguiu para o estúdio Cinecittà, em Roma, onde foi feita a montagem de música e som.
Criada em 1994 pelo fotógrafo Oliviero Toscanni em parceria com Luciano Benetton, dono do império de roupas, a Fabrica é regida hoje sob a batuta do CEO Paolo Landi. Trata-se de um laboratório de mentes criativas escondida numa villa do século 17. Uma espécie de centro de excelência de doidões. Cercada pelo verde, a entrada do local não conta com placas indicativas na estrada. Mas quem tem boca vai a Villorba. Em setembro deste ano, a Fabrica inaugurou sua nova arquitetura, assinada pelo japonês Tadao Ando. Ele projetou e ampliou espaços que misturam o novo e o antigo, o concreto e a luz natural, o ocidental e o oriental, por fora, por dentro e por baixo da villa. Na parte subterrânea, uma escada aspiral chega a lembrar o museu Solomon Guggenheim de Nova York. É nesta atmosfera exótica, onde se escuta os mais diversos idiomas, que nascem as audaciosas campanhas da Benetton, vídeos para a MTV que levantam temas sociais, moda, fotografia, música, websites, exposições e anúncios publicitários para clientes internacionais. Sem falar na celebrada revista "Colors".
Com o slogan "a revista do resto do mundo" e filosofia multi-étnica, a Colors tem uma circulação bimestral e bilíngüe (inglês é sempre um dos idiomas) de 400 mil exemplares que circulam em sete edições – italiano, alemão, francês, espanhol, búlgaro, croata e sueco – em 80 países. A revista nasceu da genialidade do americano Tibor Kalman, o "bad boy" do desing, que faleceu de câncer em maio deste ano. Em 1991, ele trocou Nova York pela Itália durante cinco anos para conceber o projeto junto com Toscani. A equipe é pequena, mas tem colaboração de jornalistas espalhados pelo mundo. Já foram feitas 40 edições. Cada uma sobre temas que vão de morte à gordura, passando por coração e água. Uma das mais memoráveis foi sobre a AIDS, publicada em 1996. Nenhuma outra publicação conseguiu tratar o assunto com tanta transparência. "Ainda recebemos pedidos deste exemplar, mas não sobrou nenhum", conta uma das editoras. Todas as fotos de estúdio publicadas na revista são feitas na Fabrica. Tanto que uma equipe montou uma exposição, que atualmente circula pela Europa, reunindo todos os objetos já fotografados pela revista. As paredes da mostra são pilhas de rolos de papéis higiênicos que, vistas de cima, formam o nome Colors. Por que papel higiênio? "Porque é um objeto que todo mundo usa", explica uma das responsáveis pela exposição.
Não fosse o estilo casual, uma reunião entre os profissionais da Fabrica poderia ser confundida com um encontro entre membros das Nações Unidas: designers japoseses, fotógrafos franceses, webdesigners espanhóis e por aí vai. Todo mundo fala inglês. A Fabrica é templo de qualquer pessoa que lida com criatividade – e para atrair essa gente, Toscani, que deixou a empresa recentemente, criou um programa que seleciona profissionais do mundo todo. Porém, a regra é severa: os candidatos não podem ter mais de 25 anos. Até essa idade, diz ele, o jovem ainda não foi influenciado pela sociedade, então está mais aberto para despejar sua criatividade e audácia neste caldeirão de idéias.
Três brasileiros já participaram do programa: Marcelo Zavares, na área de design gráfico, Nina Gaul em novas mídias e Roberto Moreira, no departamento de filmes. Os jovens enviam seus trabalhos e após uma operação pente-fino são convocados para duas semanas de teste, com refeições e estadia paga. A reportagem de no. acompanhou a chegada de dois jovens canadenses e um romeno. Caso aprovados nas duas semanas experimentais, eles entram para o hall dos privilegiados que farão parte da equipe durante um ano. Aí as passagens também serão pagas pela Fabrica. Não existe data comum para saída e chegada, mas há sempre uma média de 13 jovens com a mão na massa. A experiência não equivale a uma faculdade, mas, sem dúvida, pode pesar tanto ou mais no currículo. Além de dar a eles a chance de se envolver nos projetos, a Fabrica ainda promove palestras com os ícones das área de design, foto, moda e arquitetura. Quem tiver um desempenho excepcional acaba ficando por mais um ano. Mas é raro.
A Fabrica é sustentada pela Benetton e pelos diversos clientes. Luciano Benetton, dono do império – na Itália, as lojas continuam pipocando em todas as cidades – recorda um velho ditado italiano que diz que "entre falar sobre uma idéia e realizá-la, há um grande oceano". Conta que quando a idéia de montar a Fabrica brotou, tanto ele quanto Toscani procuraram fazer deste oceano o menor riacho possível. E por que a Fabrica existe? "Fazer négocios não é apenas dirigir uma empresa, mas estar aberto para experiências novas e aprender a interagir com o mundo", diz Benetton. Para ele, a Fabrica é um lugar onde diferentes culturas se encontram – e procuram um diálogo.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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