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O avesso da notícia
04.maio.2001

Tania Menai

Notícias de guerras, conflitos, acidentes e explosões sempre vêm acompanhadas de estatísticas de mortos e feridos. Pouquíssimas, porém, falam de uma seqüela muito comum em todas estas situações: o “Transtorno de Estresse Pós-Traumático”, ou PTDS, sigla em inglês para Post-Traumatic Stress Disorder. Vasculhando a imprensa americana dos últimos anos, encontra-se a menção da doença em casos de veteranos do Vietnã, sobreviventes do recente terremoto na Índia, soldados do exército israelense ou alunos que testemunharam os trágicos assassinatos na escola americana Columbine. Agora, os sintomas da doença estão sendo diagnosticados entre os jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas que acompanharam esses acontecimentos de perto.

De uma maneira geral, os jornalistas se transformam cada vez mais em notícia. O número de repórteres assassinados em áreas de conflito não pára de crescer. Só no ano passado, 62 deles foram mortos. Centenas foram presos e torturados. A maior parte pertencia à imprensa local, mas o obituário inclui diversos nomes internacionais. Há pouco tempo, a morte de dois profissionais em Serra Leoa chocou a mídia americana. Ambos eram especialistas, famosos e experientes – e ficou provado que nenhuma destas características garante a sobrevivência. Mas o que fica também evidente é que é difícil encontrar repórteres que voltam imunes da convivência com famílias devastadas, pessoas mutiladas, crianças órfãs ou mães de luto. Soma-se à essa rotina de tensões o perfil dos profissionais que se lançam a desafios do gênero.
“Correspondentes já têm a natureza de pessoas solitárias, que não querem um chefe lhes controlando a centímetros de distância. Mas os de guerra chegam ao extremo”, diz Bruce Shapiro, professor de jornalismo na Universidade Yale. Como se vê, é um terreno fértil para o surgimento de sintomas da PDTS.

O médico Anthony Feinstein, do departamento de psiquiatria da Universidade de Toronto, juntou essas pontas em uma pesquisa sobre PDTS em jornalistas que vivem nas linhas de fogo do planeta. Patrocinada pelo Freedom Forum, de Nova York, Guggenheim Foundation e Canadian Health Foundation, a pesquisa envolveu jornalistas da CNN, BBC, Reuters , CBC, Associated Press, ITN (Independent Television News) e a Rory Peck Trust, uma organização que representa jornalistas freelancers. Todos os nomes foram mantidos em sigilo. Cento e setenta jornalistas de guerra receberam questionários para expressar seus sintomas de PTSD, depressão e angústia. Na tentativa de diferenciar esses indicativos.

Para comparar estes sintomas ao estresse comum à profissão de jornalistas, 86 profissionais que nunca foram para a guerra receberam o mesmo questionário para medir o nível de estresse na profissão. A segunda fase do estudo envolveu entrevistas com um em cada cinco jornalistas de ambos os grupos. Resultado: jornalistas de guerra tendem a ficar solteiros, consomem uma maior quantidade de álcool, têm maiores chances de usar drogas pesadas e mais dificuldades psiquiátricas do que os que ficam nas redações. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), em Atlanta, os sintomas podem começar a aparecer logo nos seis primeiros meses – ao voltar para casa, muitos não conseguem pegar no sono ou adaptar-se à vida cotidiana, seja no trabalho ou nos relacionamentos com a família e amigos. Eles sentem culpa, ansiedade, um imenso vazio e mudam de humor da água para o vinho. Dr. Feinstein ressalta, porém, que quanto mais cedo a doença for diagnosticada, melhor. Primeiro porque jornalistas mais jovens tendem a lidar melhor com o problema. Segundo porque, depois deste período, ela além de se tornar crônica, piora.

A média de tempo que o PTDS ocupa na vida destes jornalistas é de 28.5%, enquanto depressões profundas ocupam 21% e abuso de substâncias 14.3%. Estes números mostram que PTDS se iguala em alguns casos aos veteranos de guerra e o índice de depressão supera brutalmente a média que ataca a população em geral. “Mesmo assim, jornalistas de guerra não recebem tratamentos especiais para cuidar deste distúrbio”, diz Dr. Feinstein. “O grande problema é que a maior parte deles não sabe que têm a doença. E quando sabem, sentem vergonha ou temem em contar para seus editores”. Ele alerta que quanto menos se falar no assunto, piores serão as conseqüências. Numa recente palestra em Nova York, ele mostrou diversos livros que tratam do assunto indiretamente. Todos eles são livros de guerras escritos por jornalistas ou fotógrafos que viveram sangrentos pedaços da história mundial. Entre eles, “In Conflict”, The Bang-Bang Club, “Courage” ou “War of Nerves”. “Até os quadrinhos Tin-Tin, da França, já trataram do assunto”, disse ele. Na platéia, ouviu-se comentários de um veterano do Vietnã - estilo “Matei e fui baleado”- , que sofre da doença há anos e se trata sem remédios, mas com um grupo de terapia. Ainda uma jornalista freelancer da Turquia que cobre guerras disse que em países de terceiro mundo, o tratamento dispensado pelas redações aos correspondente é ainda mais precário – não há uma preparação, como ocorre em algumas empresas americanas ou européias, e a assistência é zero. Seguro saúde, nem pensar. Transborda ideologia e falta salário. Em meio à palestra, um jornalista do New York Post confessou ter a doença. “Cobrir violência urbana também não é um mar de rosas”, disse ele.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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