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O quê, meu rei?
23.maio.2001

Tania Menai

Ao tentar comprar um suco de laranja em uma dessas ‘delis’ nova-iorquinas, um grupo de quatro ou cinco jovens baianos se contorcia para se entender com o coreano do balcão. “It is missing one dollar”, dizia o oriental, com um sotaque macarrônico. “O quê, meu rei?” respondia um dos garotos. Em mais uma cena típica de Nova York, Brasil e Coréia chegaram a um acordo diplomático. Afinal, de contorcionismo os garotos entendem. Todos fazem parte do Dance Brazil, a companhia de dança e capoeira que até 27 de maio está lotando o Joyce Theatre, o templo da dança moderna americana e mundial na cidade.

Além das filas na bilheteria, o sucesso do grupo pode ser medido pela reação da platéia. Os 99% de americanos uivam. Isso é quase um milagre. Com a raríssima exceção das apresentações do cubano Buena Vista Social Club, os americanos costumam reagir a batucadas como se estivesse escutando Bethooven: sentadinhos silenciosamente em suas cadeiras. O grupo, de 14 a 18 bailarinos capoeiristas, incluindo quatro mulheres, moram na Bahia e anualmente se apresentam no Joyce, teatro que só coloca no palco nomes como David Parsons, Momix ou Pilobolus. Apesar da ginga inata e da capoeira no pé, eles ainda fazem aula de ballet e jazz. É esta a diferença. A mistura das três técnicas e uma trilha sonora que inclui Milton Nascimento e o grupo do compositor Marcelo Zarvos (que toca ao vivo uma composição exclusiva para o Dance Brazil) dá um resultado delicioso. O responsável por essa salada de frutas é o diretor artístico Jelon Vieira. Foi ele quem trouxe a capoeira para os Estados Unidos, junto com o mestre Loremil Machado.

Jelon chegou nos Estados Unidos em 1975. Na mala, um berimbau e talento. Nascido em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, ele estudou capoeira com grandes mestres, dança afro no Teatro Castro Alves, em Salvador, além de ballet clássico e dança moderna com os mais renomados coreógrafos da dança mundial. Um deles é o já falecido Alvin Ailey , fundador de uma das mais famosas companhias de dança moderna dos Estado Unidos. Ailey marcou o cenário da dança americana a ponto de ganhar nome de rua, nas proximidades do Lincoln Center, em Manhattan. “A capoeira está se proliferando em todos os cantos do mundo. Ela mistura filosofia, com arte, luta e dança”, diz ele. Radicado nos EUA, Jelon treina os bailarinos pessoalmente na Bahia. “Faço com que todos tenham aulas de ballet clássico. Quem não sabe, aprende”.

A Dance Brazil foi criada em 1977, e desde então, já rodou os Estados Unidos e o mundo incluindo Japão, Hong Kong e Londres. Com críticas elogiosas nas páginas do New York Times, New York Post e revistas de dança, Jelon também dirige a Fundação Dance Brazil, que sustenta a companhia. Ele ainda tem seguidores que dão aulas de capoeira em academias de Nova York, além de um belo projeto de vida: tirar crianças carentes das ruas da Bahia ensinando esta inigualável arte macial que o Brasil herdou dos escravos arrancados de Angola.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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