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O medo dá as cartas
16.outubro.2001
Tania Menai
Uma droga que até poucos dias atrás era desconhecida da população ultrapassou o número de vendas do Viagra pela Internet: o Cipro. Sem nenhum efeito afrodisíaco, este é o antibiótico usado para combater o antraz, bactéria que, nas últimas semanas, já infectou 13 pessoas de quatro estados americanos – uma morreu, três estão doentes e nove ainda não apresentaram sintomas. A bactéria chega pelo correio e parece ter destino certo: até hoje, o alvo tem sido empresas de mídia e governo dos EUA. No Senado, 31 gabinetes foram fechados hoje depois que uma carta chegou para o senador Tom Daschle. A letra do envelope é similar a do envelope recebido pelo âncora da rede NBC, Brokaw. Os envelopes chegam sem remetente, são geralmente escritos à mão e contém pó branco – alguns são talco de bebê, espalhando nada além de susto. Mesmo quando se revelou inofensivo, o terrorismo postal deixou ao menos parte do país em alerta.
“Só abro cartas com luvas de lavar louça e máscara”, diz o alemão Chris Gerlacht, que mora em Nova York com a esposa carioca e a filha de 11 meses. O mesmo acontece no escritório da Editora Abril de Nova York, que recebe centenas de cartas por dia. Os funcionários usam luvas cirúrgicas e só abrem cartas que vem com remetente e pagas via máquinas registradoras, em vez de selos. Luvas como essas são vendidas nas farmácias em caixas de 50 unidades por menos de 5 dólares. Uma das lojas da rede de drogarias CVS já teve de repôr seu estoque.
Os Estados Unidos não estão preparados para uma guerra biológica – no momento não há vacina nem para antraz, nem para varíola, outra arma biológica potencial e cuja previsão para vacina é de três anos. Leva-se hoje dois dias para detectar o antraz em seres humanos, enquanto em gado o teste leva algumas horas – ou seja, há necessidade de testes mais rápidos. Há ainda quem sugira a contratação de cientistas russos especializados em antraz – existem cerca de 7 mil naquele país - para a criação de uma iniciativa global de defesa na busca por vacinas contra ambas doenças. No caso do antraz, a vacina promete total imunidade e não tem efeitos colaterais, a não ser irritação no local da injeção. Mas cientistas, jornalistas, o FBI e o governo estão fazendo o que podem para orientar a população sobre a doença. Uma pesquisa do jornal Washington Post em parceria com o canal de televisão ABC, revela que 43% da população questionada está muito satisfeita com a ação do governo, 41% está razoavelmente satisfeita e apenas 12% está descontente. Outra pesquisa do Post divulga que 26% dos entrevistados estão morrendo de medo, 29% estão apreensivos e a grande maioria de 45% não está nem um pouco assustado com a onda do antraz.
Apesar da ansiedade nacional e do aparente despreparo, o país não parou. Funcionários na NBC, onde uma das cartas infectou uma funcionária, continuam indo para o trabalho normalmente. Um deles chega a acreditar que esta pode ser uma brincadeira de algum “americano maluco” que esteja se aproveitando da situação para se divertir. Segundo o governador Donald T. DiFrancesco, de New Jersey, estado de onde uma das cartas foi postada, “o medo é contraprodutivo – as pessoas devem estar alertas, porém calmas”. Já o prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, não cansa de repetir que a doença não é contagiosa e orienta seus súditos sobre o que fazer caso alguém receba uma carta com pó: “Deixe a carta onde está, lave as mãos com sabão e ligue para 911 – o telefone de emeregência”. E, para variar, faz gracinha nas coletivas de imprensa: “estou indo para o escritório abrir minhas cartas. Alguém quer me ajudar?”, perguntou ele aos jornalistas.
Antraz, uma doença que não era registrada nos EUA desde 1976, é mais um episódio da guerra que começou no dia 11 de setembro, quando o World Trade Center foi atacado por terroristas. A doença fica incubada de um a seis dias e tem sintomas muito similares à gripe – o que confunde muita gente numa época do ano em que ondas de gripe atacam milhares de pessoas. Os sintomas aparecem em 24 ou 48 horas. Para detectar o antraz. é necessário um exame laboratorial. Nem todos os casos de contágio são sinônimo de doença - se a exposição fôr somente na pele, há possibilidades de cura. O problema é quando a bactéria é inalada e chega aos pulmões.
O antibiótico Cipro, fabricado pela Bayer, só é vendido mediante preescrição médica. Mas ele tem sido receitado aos montes nas últimas semanas – o aumento em setembro foi de 8,6% -, principalmente para funcionários de empresas que receberam cartas com o pó. Cientistas tem alertado para o perigo do uso do Cipro sem necessidade, o que poderia fazer com que a bactéria se adaptasse ao antibiótico, resultando na perda de poder de ação da droga, regra básica da medicina. O governo fez um apelo à população para que ninguém compre o remédio para fins de estoque. A razão é simples: a Bayer já anunciou a falta do produto em várias prateleiras e divulgou que vai triplicar a produção, prometendo chegar a 200 milhões de embalagens nos próximos três meses.
Desde o dia 11 de setembro, 2 bilhões de cartas foram entregues nos EUA pelo United States Postal Service, o serviços de correios do país. Na última segunda-feira, os carteiros passaram a usar luvas de plástico para trabalhar e o website da empresa colocou instruções para lidar com a nova ameaça. Nenhuma agência dos correios fechou e todas parecem seguir trabalhando normalmente. Uma delas fica a uma quadra da sede da ABC, no Upper West Side em Manhattan, onde um bebê de sete meses foi infectado depois de ir a uma festa de aniversário de um funcionário no fim de setembro. Do outro lado da rua, na tarde de terça-feira, um funcionário da Barnes & Noble empilhava a nova remessa com dezenas de cópias do livro “Germs” (Germes), co-escrito por Judith Miller, a jornalista do New York Times que recebeu uma das cartas com pó branco, que posteriormente se revelou inofensivo. “Tivemos de pedir remessas extras deste livro”, disse ele.
“Não estamos vendendo nenhum guia de turismo para cidades européias”, disse um vendedor. “Oriente Médio e Ásia, nem pensar”, acrescenta. Os mais vendidos nas últimas semanas tem sido os guias para a região da Nova Inglaterra – destino popular no outono americano e próximo o suficiente para dispensar aviões –, e para a América do Sul e Caribe – regiões onde os turistas acreditam estar menos expostos a esta nova guerra. Na sessão de destaques, a livraria oferece títulos como “Morte no ar”, “BioHazard”, “101 Maneiras de combater o preconceito”, “Guerras Não-Sagradas”, “A batalha por Deus” ou “Espelhos Persas”. Alguns deles, com Osama bin Laden na capa – figura que parece assustar mais do que os livros de Halloween na prateleira ao lado. Ainda em destaque, estão os livros que oferecem ajudas espirituais, como “Uma xícara de conforto”, “Um atlas da depressão” ou “Rezo todos os dias”. São estes os bestsellers numa sociedade amendrontada.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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