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Ficou difícil
23.janeiro.2002
Entre na cozinha de um restaurante nova-iorquino e peça aos funcionários que lavam as panelas e o chão, e que sejam legalmente documentados, que levantem as mãos. A probabilidade de alguém se identificar é nenhuma: primeiro, porque eles estarão atarefados demais para desocupar as mãos. Segundo, porque eles estão ilegais no país e terceiro, porque não vão entender o pedido, caso tenha sido feito em inglês. O governo norte-americano calcula que hoje algo entre 6 e 12 milhões de imigrantes ilegais vivam no país. Só do México são 3,5 milhões. Os demais são asiáticos, africanos e sul-americanos. Entre eles, milhares de brasileiros que suam a camisa na construção civil, pintando parede, fazendo faxina ou engraxando sapatos. Mesmo com essa turma toda vivendo e trabalhando em solo americano sem pagar impostos, mal ou bem, a economia do país depende desta mão-de-obra barata. Quanto, não se sabe.
A maior parte dos ilegais, ou "não-documentados", como o consulado brasileiro costuma se referir, entra com vistos de turista, o B-2, ignora a data de vencimento da autorização de permanência e instala-se no país. De todas as pessoas que entram nos EUA, calcula-se que 40% – ou 3 milhões – acabam ficando. Mas esta mamata está com dias contados. Depois dos ataques do dia 11 de setembro, o governo americano começou um mega-arrastão para encontrar terroristas no meio dos ilegais. O que o pobre dominicano que descasca cenouras até às 3 da manhã na deli da Oitava Avenida com a rua 55 tem a ver com as barbas do Osama? Nada. Mas três homens do grupo terrorista que pilotaram os aviões no fatídico dia estavam no país com vistos vencidos e tão ilegais quanto o latino. Só no ano 2000, 7 milhões de vistos foram concedidos à estrangeiros, mas a entrada e saída de gente por ano no país são estimadas em 500 milhões, incluindo turistas. Os americanos querem, mais do que nunca, proteger suas 301 portas de entrada, contando portos, aeroportos e estradas. Como? Espremendo e contorcendo as leis de imigração.
A novidade é que o Departamento de Imigração (INS) passou a trabalhar corpo-a-corpo com a polícia, colocando 2.000 agentes nas ruas a paisana para vasculhar áreas de drogas, prostituição e contrabando, além de atacar pequenos delitos. Eles acreditam que uma coisa leva a outra e pode acabar em terrorismo. E mais: pouca gente sabe, mas adultério e violência doméstica também são motivo de deportação. Sem falar na nova lei anunciada pelo promotor geral da República no dia 9 de novembro, que incentiva, por meio de recompensa em dinheiro, as pessoas a dedurarem-se umas às outras. Tudo isso para o governo americano chegar mais rápido às células de terroristas.
"A lei americana não vai acomodar mais nenhum erro que o imigrante cometer", afirma Sônia Cól, advogada de imigração que atende diversas empresas que empregam estrangeiros. Há algumas semanas, ela fez uma conferência para executivos na Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, em Nova York, a fim de explicar as principais mudanças na legislação. Por exemplo, o sujeito que entrar nos EUA com a intenção de ficar seis meses e acabar ficando mais, sem estender a validade do carimbo de permanência, vai ter problemas ao deixar o país: não poderá entrar de novo nos EUA por três anos. No caso dos que excederem o carimbo de permanência de um ano, não poderão nem sonhar em voltar ao país nos próximos 10 anos.
Depois do 11 de setembro, o Departamento de Imigração, que hoje conta com 2.200 funcionários só na área de vistos, passou a usar uma tecnologia nas fronteiras chamada Visa Outlook, "que cruza informação de dados do FBI e do Departamento de Estado – só este tem 4 milhões de nomes na lista de pessoas não gratas. Uma vez pego nesta malha, o sujeito é obrigado a dar um meia-volta-volver, é colocado no avião, tem o visto cancelado e fica barrado de entrar nos EUA por cinco anos sob qualquer tipo de visto. Os consulados mundo afora também estão equipados com esta tecnologia. Se a resposta de um pedido de visto for negativa, o nome do indivíduo vai para todos os consulados do mundo e, a cada vez que ele pedir um visto, será interrogado. Além disso, a administração de Bush estuda medidas de controle de vistos usando biometria (impressão digital, foto digital, e escaneamento de olhos) para a documentação de imigração e de visitantes.
Só na Califórnia, estudandes estrangeiros despejam 1,6 bilhão de dólares por ano. Isso não significa que portadores de visto de estudante estão salvos – muito pelo contrário. Vários dos terroristas estavam com este tipo de visto, pois vieram fazer cursos de pilotagem. "Os estudantes devem sair do Brasil já com o visto concedido pelo consulado americano – é melhor não deixar para fazer isso nos EUA", aconselha Sônia. "Este visto proíbe o trabalho e isso está sendo cada vez mais monitorado", lembra ela. Sim, o governo está de olho em 565.000 deles. Além disso, as escolas agora são obrigadas a dedurar ao Departamento de Imigração os alunos estrangeiros que estiverem matando aulas. Isso porque muitos se matriculam somente para obter o visto e depois somem. Os que ingressam nos EUA com visto de trabalho também são aconselhados a já saírem de seu país de origem com toda a papelada em mãos. "Os que vêm contratados por empresas americanas devem sair do Brasil com a petição já aprovada", diz Sônia. "Essa petição é feita pelo advogado de imigração, solicitada pelo empregador, e enviada para o Departamento de Imigração nos EUA", acrescenta. Quando aprovada, a petição é enviada ao funcionário, ainda no Brasil, que deverá ir ao consulado americano, onde obterá o visto de trabalho (o qual é atrelado somente à empresa empregadora). "Uma vez que há término do trabalho, acaba a validade do visto", lembra ela. A advogada diz ainda que o fato de a petição estar aprovada, não garante nada. O cônsul americano no Brasil sempre pode recusar o visto caso o sujeito tenha antecedentes criminais nos EUA. Isso acontece muito, pois várias empresas contratam funcionários sem saber de seu passado.
A notícia da rigidez nas leis de imigração também não é boa para os espertinhos que iam e voltavam incessantemente do Canadá e México para renovar o carimbo de entrada em seus vistos de turista dos EUA: consulados americanos em ambos países só estão aceitando visitas de seus cidadãos – no caso, canadenses e mexicanos. Mas a situação fica ainda mais feia para homens que têm entre 16 e 45 anos, e vem de um dos 20 países listados pelo governo americano: Afeganistão, Algéria, Arábia Saudita Bahrain, Dijbouti, Egito, Emirados Árabes, Eritréia, Indonésia, Irã , Iraque, Iêmen, Jordânia, Quait, Líbano, Líbia, Malásia, Marrocos, Omã, Paquistão, Quatar, Somália, Sudão, Síria e Tunísia. Ao pedirem vistos para os EUA, todos eles são colocados numa lista de espera de 20 dias antes de o visto ser concedido. Neste período, a vida destas pessoas é colocada sob o microscópio, como diz a expressão americana. Não há como evitar este procedimento. Neste caso, nem Alá resolve.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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