Uma voz por todas
07.março.2002
Tania Menai
Certa vez, um ginecologista carioca disse que se os homens homossexuais, que sonham dia e noite em ser mulheres, experimentassem um único dia de menstruação, mudariam de idéia imediatamente. O médico sabe do que fala. Mas, ainda assim, nunca passou por uma. As lágrimas, glórias, pesadêlos e desejos do mundo feminino nunca foram tão bem resumidos e explícitos do que nos monólogos de uma mulher: a americana Eve Ensler, de 48 anos. Autora da peça “The Vagina Monologues”, ela sabe que as dores femininas são mais agudas do que qualquer cólica mensal. São dores de parto, estupro, violência doméstica, descriminação social, sexual e cultural – sem falar da dor que ataca uma das partes mais íntimas do corpo: o coração.
A peça, que estreou na Broadway em Nova York em 1996, e se espalhou por palcos do mundo inteiro – no Brasil, sob o título “Os Monólgos da Vagina”, dirigida por Miguel Falabella – é o resultado de uma pesquisa que contou com entrevistas feitas com 200 mulheres de todas as idades, credos, cores e passados. Da patricinha da Avenida Madison, em Manhattan, à sobrevivente de mutilação genital na África. Mas Eve não pára por aí. Esta semana, a escritora – que cria peças há 25 anos no competitivo, e muitas vezes cruel, cenário nova-iorquino – presenteou mulheres (e homens) com mais uma obra teatral; desta vez, off-Broadway. Trata-se de “Necessary Targets”, também publicada em forma de roteiro, que estreiou na noite do dia 28 de fevereiro.
A história é baseada na experiência da própria Eve, que esteve na Bósnia nos anos 90 entrevistando mulheres em campos de refugiados, e em outros países onde mulher é sinônimo de opressão. Durante 90 minutos, a autora coloca em cena histórias que só podem ser contadas por quem encara a diária luta pela vida ou por quem está prestes a desistir de viver. No palco, sete atrizes sob a direção de Michael Wilson. Uma no papel de J.S., uma psicóloga nova-iorquina, e Melissa, uma escritora que acredita que pode melhorar a vida das mulheres fazendo com que elas despejem suas perdas e angústias no gravador portátil que carrega. O objetivo de ambas é fazer com que as mulheres refugidas – interpretadas pelas outras cinco atrizes nos papéis de Jelena, Zlata, Seada, Azra e Nuna – tenham uma vida mais digna.
As críticas da imprensa local à peça não tem sido nenhuma maravilha, mas Eve tem vôos bem mais altos do que agradar intelectuais. Para ela, violência não tem pátria. As mulheres americanas que apanham feio de seus maridos nos EUA são tão vítimas quanto as que são cobertas por burkas no Afeganistão. Por isso, ela tem o objetivo um tanto quanto audacioso: terminar com a violência contra às mulheres no mundo até o ano 2005. Se depender delas, chegaremos lá.
Apesar de se considerar uma escritora e não uma ativista, Eve desfila em rodas de Washigton divulgando suas idéias e prepara um encontro com mulheres afegãs do grupo RAWA em Cabul no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Isso não quer dizer que ela não pense no lado de cá: depois dos ataques do dia 11 de setembro, Eve criou a campanha “New Yorkers Say No To War”, por meio da qual atores encenaram protestos contra a guerra, no país inteiro. Ela ainda é a cabeça do V-Day , uma organização anti-violência que conta hoje com uma equipe de 10 pessoas. Desde o dia 14 de fevreiro até o dia 5 de abril, a organização está promovendo mais de 800 apresentações beneficientes de “Vagina Monologues” em dezenas de países, para comunidades de mulheres vitimadas no mundo todo. A inciativa conta com as mulheres mais célebres do mundo artístico americano – entre elas, Jane Fonda, Glenn Close e Susan Saradon.
Eve é casada pela segunda vez e tem um filho adotivo, que engrenou numa bela carreira de ator. Seu marido, o israelense Ariel Orr Jordan, é artista e psicoterapeuta. Dois homens que fazem feliz uma mulher que tem lembranças de um pai que a abusava com as mãos – tanto sexualmente como violentamente. Experiências que fizeram com que sua fala – aparentemente com obstrusas partes do corpo – aumentasse vozes de mulheres que, por inúmeras razões, mal podem abrir a boca.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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