A catedral invisível da arte
12.novembro.2004
A nova sede minimalista e transparente
de um dos mais importantes museus
do mundo – o MoMA de Nova York
Tania Menai, de Nova York
O Museu de Arte Moderna de Nova York – o MoMA – possui um acervo inestimável. Nele figuram obras célebres como Les Demoiselles d'Avignon, do espanhol Pablo Picasso, e Noite Estrelada, do holandês Vincent van Gogh, além da série de latinhas de sopa Campbell's do artista pop americano Andy Warhol. Fundada em 1929, a instituição teve forte influência na difusão e valorização da arte moderna em todo o mundo e não seria exagero dizer que a ela se deve muito do conceito de museu tal e qual se conhece hoje – não apenas um repositório de objetos do passado, mas uma espécie de laboratório cultural, devotado ao aprendizado e ao entretenimento. Ao longo das décadas, o MoMA passou por diversas ampliações para acomodar um acervo em constante expansão.
A partir do próximo sábado, dia 20, o público poderá conhecer o resultado da mais formidável dessas reformas. Sua sede, localizada desde 1939 entre as ruas 53 e 54, nas imediações da Sexta Avenida, será reaberta depois de quase quatro anos de obras que consumiram 425 milhões de dólares – e levaram sua coleção a ser realocada, durante boa parte desse período, para um espaço no bairro do Queens. O MoMA que ressurge dos tapumes chama atenção não só por suas dimensões – suas galerias ocuparão um total de 11.600 metros quadrados, quase 50% a mais do que tinham anteriormente.
Projetado pelo arquiteto japonês Yoshio Taniguchi, conhecido por seu estilo austero e avesso a qualquer ostentação, o novo prédio é uma estrutura com espaços amplos e linhas que parecem se diluir no ar. Num artigo na revista New Yorker, o escritor John Updike o definiu de forma poética: "Seus seis andares de câmaras brancas se fundem à paisagem da metrópole para formar, com seus tesouros, uma catedral invisível".
O edifício criado por Taniguchi marca um retorno ao básico no design de grandes museus. Nos últimos anos, imperaram nessa área projetos vistosos e impactantes, como o Guggenheim de Bilbao, um edifício dourado e cheio de curvas de autoria do americano Frank Gehry. O novo MoMA vai numa direção contrária: embora monumental, sua principal marca é a sobriedade. "Dêem-me um monte de dinheiro e eu lhes darei boa arquitetura. Dêem-me ainda mais dinheiro e eu farei a arquitetura desaparecer", costuma brincar Taniguchi, referindo-se à sua preferência por linhas discretas e pelo mínimo de detalhes. A escolha de seu projeto dentre dez candidatos, em 1997, fez com que muita gente no meio das artes e da arquitetura nos Estados Unidos torcesse o nariz – aquilo lhes parecia tão frugal quanto os edifícios corporativos que pipocam nas vizinhanças, carecendo do glamour de obras traçadas por figuras badaladas como Gehry e o holandês Rem Koolhaas.
Até mesmo Taniguchi recebeu a decisão com espanto. Na data marcada para apresentar o projeto aos patronos do MoMA, depois de se convencer de que tivera um desempenho desastroso ele foi direto a um bar nas redondezas para encher a cara. Embora nunca houvesse feito um trabalho fora do Japão, em sua terra natal Taniguchi goza de imenso prestígio. Filho de um dos primeiros arquitetos a abraçar o ideário modernista naquele país e discípulo de Kenzo Tange, o nome mais importante do modernismo japonês, Taniguchi, de 67 anos, é autor de projetos que resgatam idéias como a de que a funcionalidade deve vir acima de tudo na concepção de um edifício. Ele é também um mestre no uso do aço e do vidro, com os quais cria estruturas transparentes como a do Aquário de Tóquio. Logo em sua reabertura, o MoMA abrigará uma mostra devotada aos nove museus criados pelo arquiteto no Japão nos últimos 25 anos, como o Museu de Arte de Shiseido, construído na década de 70, e o Museu Nacional de Kioto, a ser inaugurado em 2007.
Ao intervir no MoMA, Taniguchi fez questão de preservar algumas das marcas visuais do edifício no passado. Prestou homenagem aos arquitetos americanos Philip Goodwin e Edward Durell, por exemplo, ao basear-se no traçado da fachada criada por eles em 1939. O famoso jardim de esculturas, projetado nos anos 60 por Phillip Johnson, também continua lá. Trata-se de um pequeno oásis no meio dos prédios gigantescos e escuros que circundam o museu. Ali foi construído o restaurante The Modern, cuja cozinha será chefiada por Gabriel Kreuther, vindo do hotel Ritz-Carlton. Mas o jardim, considerado por Taniguchi o coração do prédio, agora é emoldurado por muros de vidro ultramodernos.
Em seu interior, o MoMA mudou bastante. Taniguchi criou um átrio com pé-direito imponente – de 33 metros de altura –, que é banhado por luz natural e tem vista para o jardim. As galerias do museu nova-iorquino também ganharam tetos altos e paredes imensas. As vias de circulação entre elas, ponto sempre relevante em uma cidade abarrotada de turistas, foram igualmente reestruturadas. Os visitantes, que antes subiam e desciam entre os andares por meio de escadas rolantes, agora também dispõem de elevadores espaçosos. As galerias terão quatro portas, para que o público possa flanar livremente por elas, sem ser induzido a seguir num sentido obrigatório, como em boa parte dos museus. Alguns desses espaços são imensos. A criação de galerias amplas não se deve apenas a uma opção estilística do arquiteto. Explica-se: cada vez mais, a arte contemporânea é feita de peças de grandes dimensões, que requerem espaços ao ar livre ou galpões para ser exibidas, como as esculturas do americano Richard Serra. Remodelado, o MoMA de Nova York mantém sua tradição de estar sempre à frente.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
---
voltar |