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Ser Mãe é Padecer em Manhattan
27.novembro.2004

Tania Menai

28.11.2004 | Em novembro de 2002, Jack Grubman e Sanford Weill, dois figurões americanos de Wall Street, envolveram-se num escândalo que só quem tem filhos em Manhattan é capaz de entender. Grubman ofereceu um aumento na participação acionária de Weill em uma empresa telefônica em troca de uma recomendação para pôr seus gêmeos de dois anos em um dos maternais mais prestigiados de Manhattan. Para se ter uma idéia são 300 crianças que todos os anos disputam 65 vagas na escolinha. A notícia veio à tona quando o governo decidiu investigar a doação de um milhão de dólares à instituição feita pela fundação do grupo financeiro de Weill, que, de fato, indicou os gêmeos de Gruman para a escola.

Famílias brasileiras não ficam fora da competição. O Consulado Brasileiro de Nova York – que cobre outros cinco estados – registrou apenas no ano passado 1.643 certidões de nascimentos – um salto triplo em comparação aos 516 registrados no ano anterior. Os números de 2004 apontam, até outubro, 1.360 novos brasileirinhos nascidos na cidade. Boa parte mora na Ilha de Manhattan. “Para arrumar uma vaga na escolinha precisamos telefonar com mais um ano de antecedência”, conta a paulista Flávia Dezotti-Hallake, do escritório de advocacia Jones Day e mãe de Nathan, de um ano. “Entrei na lista de espera quando Lucas ainda estava na minha barriga”, reforça Daniela Menghi, gerente de projetos do banco americano Morgan Stanley e mãe há sete meses.

“Neste ano a escola em que minha filha estuda tem 85 crianças na lista de espera”, diz a advogada carioca Kátia Gerlach, mãe de Anna Clara, de 4 anos. Antes da matrícula, a maior parte das escolas testa a capacidade intelectual de crianças que ainda nem assopraram as velinhas de dois anos. Os pais são obrigados a escrever redações sobre seus filhos e apresentar cartas de recomendações. Depois da primeira dor-de-cabeça, vem a enxaqueca: o preço das mensalidades: 10 mil dólares por ano. A saga recomeça quando a criança tem de ir para o jardim de infância.

Escola é apenas um capítulo na vida das jovens mães brasileiras que vivem em Manhattan. Principalmente àquelas que levam vida de executivas, depois de terem investido tempo e – muito – dinheiro em mestrados em universidades americanas como a de Columbia, Harvard ou a New York University. Na faixa dos trinta e poucos anos, elas ocupam respeitáveis cargos em bancos, consultorias e escritórios de advocacia nova-iorquinos – empregos que consomem cerca de 12 horas diárias e às vezes se estendem até o fim-de-semana.

Vida pelo avesso

Nos Estados Unidos, 72% das mães com filhos menores de 18 anos trabalham fora. As que estão na área financeira chegam a somar 60 ou 70 horas de trabalho semanais. O sacrifício é compensado pela satisfação pessoal – todas elas dão extremo valor à carreira – e pelos gordos salários – a única maneira de desfrutar da caríssima vida cultural e social da cidade.

Casadas com homens que transitam pelas mesmas áreas profissionais, a rotina dessas mulheres virou do avesso com a chegada dos primeiros filhos. A gestação é acompanhada por médicos americanos, que, em geral, não costumam criar qualquer laço afetivo com a paciente. “Eles trabalham em equipe”, explica Flávia. “Caso o nosso obstetra não esteja de plantão no dia do parto, acabamos nas mãos de um desconhecido.” Daniela deu mais sorte. “Minha médica é brasileira.”

O tamanho claustrofóbico dos apartamentos de Manhattan não ajuda a criar filhos. Residências de dois quartos e dois banheiros – onde vivem todas as entrevistadas desta reportagem – são tidas como um luxo. Os aluguéis beiram a 3.500 dólares mensais. Nenhum apartamento dispõe de área de serviço, copa, garagem ou um espaço capaz de acomodar, confortavelmente, vovôs e vovós durante a fase pós-parto.

“Brinquedos grandes nem pensar”, alerta a consultora financeira Vanessa Marquez, mãe de Isabella, de seis meses, e que acaba de se mudar para Miami. A falta de espaço se agrava quando chegam as babás – reforço essencial para quem passa a maior parte do dia fora de casa, com o inconveniente de que acaba com a privacidade.


Babás diariastas que servem a mesma família durante toda a semana cobram cerca de 10 dólares a hora – ou setenta dólares por dia. O taxímetro sobe para 15 dólares a hora quando elas são chamadas por poucas horas. Para um casal, um simples cineminha, sem esticada para jantar, não sai por menos de 80 dólares (20 dólares por dois ingressos e 60 dólares por quatro horas da babá). Depois do horário de Cinderela ainda é preciso pagar o táxi da babá.

Carinho a baixo custo

A maior parte das mães brasileiras prefere babás conterrâneas (mão-de-obra farta na cidade). Além de falar português, elas cobram menos e são mais carinhosas com as crianças. Daniela conta com a ajuda de uma estudante de engenharia que trabalha durante o dia para pagar as aulas de inglês à noite.

Já a advogada carioca Edith Bertoletti Gamboa, do escritório Sullivan & Cromwell, importou uma babá do Brasil. Alcineide Pereira da Silva veio do Maranhão. Dorme no quarto do bebê, Carolina, de um ano e três meses. Edith e o marido, o consultor Carlos Augusto Gamboa, tiveram de provar para a imigração americana que os dois são bem empregados e têm uma renda que permite pagar o salário da babá de acordo com as exigências dos Estados Unidos. Aos domingos, Alcineide ainda freqüenta um curso de inglês, pago pelo casal. “Passei cinco meses em casa quando a Carolina nasceu. Mas adoro minha profissão”, diz Edith.

Flávia, Vanessa e Daniela também seguiram o mesmo caminho. Os empregos delas são essenciais para compor a renda familiar e manter uma vida confortável na cidade. Vanessa conta que a lei americana permite seis semanas pagas de licença-maternidade, mas isto só se aplica às empresas com mais de cinqüenta funcionários. “A empresa em que trabalho tem cinco funcionários. Legalmente, não teria direito a nada, mas depois de muita negociação consegui as seis semanas pagas e um total de quatro meses em casa”, diz Vanessa. Na volta, ainda trabalhou por meio período.

“A concorrência entre os escritórios de advocacia é tão grande que ganhei três meses pagos. Tirei mais dois meses de licença sem receber nada, mas o dinheiro deu para comprar uma impressora e um scaner para trabalhar em casa”, conta Flávia. Daniela negociou com o chefe um horário mais “flexível” – uma rotina de 9 às 16 horas no banco e o resto do tempo em casa. “Isso é uma barganha para os moldes nova-iorquinos”, diz.

Mônica Vieria Eisenberg, mãe de André, de 3 anos, e de Camila, de um mês, revela que a experiência da maternidade não é fácil num sistema de exagerado zelo profissional. Empregada em um grande banco americano, ela lembra que em um ambiente dominado por homens, a mulher com filhos acaba em desvantagem. “Eles não entendem que temos de sair do trabalho às seis da tarde, mesmo com a missão cumprida”, adverte Mônica. “No longo prazo, isso pode representar um passo para trás na carreira.”

Na contramão

Kátia tomou a decisão oposta. Abdicou do emprego num grande escritório logo depois no nascimento da filha. “Apesar do sacrifício financeiro, notei que seria impossível conciliar a vida de mãe com os horários proibitivos dos escritórios daqui”, diz. “Me recuso a deixar minha filha com uma babá por tempo integral.”

Diplomada na Inglaterra e nos Estados Unidos, Kátia leva e traz a filha da escola e ainda trabalha em casa para empresas brasileiras com interesses em Nova York. Também está se especializando como advogada de imigração para ampliar o leque de clientes e poder exercer a profissão sem depender dos grandes escritórios. “É importante que a criança veja pai e mãe engajados em atividades profissionais – não que cuidar de uma casa não o seja!”

Mudar para os subúrbios, onde as casas são maiores e as escolas são públicas, é uma opção rejeitada pelas mães que insistem em trabalhar e usufruir a vida cultural de Manhattan. “Nos subúrbios, as melhores escolas tornam as regiões ao redor mais caras e o custo de vida também é alto”, alega Kátia. A falta do afeto e da ajuda da família que ficou no Brasil é, de longe, a questão mais difícil na vida de todas essas mães. Ver os filhos crescerem longe dos avós, tios e primos e sem possibilidade de acesso à cultura brasileira atormenta todas elas.

“Quero que a Carolina aprenda a ler Monteiro Lobato, tenha uma boneca Emília e cante Sapo Cururu”, insiste Edith. Por outro lado, viver em uma cidade segura é um dos pontos que mais pesam na balança na hora de escolher entre Nova York e a terra natal. A cidadania americana, que as crianças ganham imediatamente ao nascer nos Estados Unidos, nem aparece na balança de prós e contras. Ela só ajuda na hora de entrar na faculdade, que prefere cidadãos americanos a estrangeiros, e só é transferível para os pais quando o filho completa 21 anos e tem a opção de pedir cidadania para o resto da família. “Por isso, temos de tratá-los muito bem”, brinca Carlos Augusto, pai de Carolina.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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