Yes, Nós temos Mosquitos
07.novembro.2004
Tania Menai, de Nova York
“Não tô, não tô, eu não tôoooooo.” É esta a mensagem cantarolada que se escuta ao ligar para o telefone de Juju Stulbach, em Nova York. Carioca, 29 anos, olhos azuis, Juju é a voz feminina da banda Mosquitos. O trio formado há dois anos lançou na semana passada o segundo CD: “Sunshine Barato”.
“Cantar nunca foi a minha praia. Tudo aconteceu por acaso”, diz Juju, sentada no chão de almofadas do apartamento que divide no West Village com o namorado americano Chris Root, 36 anos, vocalista e guitarrista da banda. O terceiro mosquito é outro americano: o produtor e tecladista Jon Marshall Smith.
Recentemente, um repórter do “The New York Times” passou uma noite com os três para relatar seus hábitos no caderno dominical “Estilos”. Os Mosquitos escolheram o restaurante brasileiro Delícia, chamaram os amigos, vestiram perucas – emprestadas por Zé, o dono do restaurante – e entupiram o repórter de pão-de-queijo, aipim frito e caipirinha. “Só paramos quando vimos que ele já estava mais pra lá do que pra cá”, conta Juju.
Mesclando português e inglês, os Mosquitos ganharam a mídia americana, já subiram em quase duzentos palcos dos Estados Unidos e têm a agenda de novembro lotada. “O lugar mais estranho em que tocamos foi Toledo, uma cidadezinha em Ohio. Mas ela não deve ser tão pequena assim, porque até está no mapa”, brinca Chris, sentado ao lado de Juju.
No ano passado, a banda – que agrega mais dois músicos nas turnês – passou quatro meses sem intervalos rodando o país para divulgar “Mosquitos”, primeiro disco do grupo. “Nos surpreendemos várias vezes. Em Pittsburg, por exemplo, a casa estava lotada e o público já sabia todas as músicas”, conta Juju, que, além do repertório original, inclui nos shows canções como “Balada do Louco”, de Ney Matogrosso. “Fazer turnê com namorada é maravilhoso”, diz Chris. “Enquanto o resto da banda sai para bares depois do show em busca de uma boa noitada, a gente volta para o hotel. É isso dá uma sensação de estar em casa.”
Xixizinho no oceano
O casal compõe as músicas da banda. Algumas canções misturam os dois idiomas, outras são apenas em inglês, outras só em português. “Esse tipo de música atrai amantes da música brasileira e gente que gosta de rock e pop – e que é aberto o suficiente para aceitar um outro idioma, mesmo sem entender a letra”, diz Chris.
“Não cantamos sobre nada muito complexo, então os americanos são capazes de sentir a letra das músicas em português só pelo som. Uma delas, que fala sobre fazer xixi no mar, dá bastante esta a sensação”, acrescenta ele.
“Um xixizinho no oceano cura qualquer saudade/ Um xixizinho no oceano não é nenhuma novidade/ Você que vem de lá, sabe do que estou falando/ E você que não gosta de mar, amigo/ É isto que lhe está faltando/ Não é plástico ou papel/ É biodegradável/ Não é garrafa de champagne e é muito agradável.”
No Rio, Juju era bailarina dos grupos Dafka, de dança israelita, e Abominável Companhia, de balé. “Quando cheguei em Nova York, em 1995, a coisa da dança estava no começo do fim, mas eu ainda não sabia.” Durante dois anos, ela dançou na companhia Martha Graham. Depois ganhou uma bolsa para estudar teatro.
Atuou em comerciais, peças, curtas, dirigiu e até traduziu e adaptou alguns contos de “Comédias da Vida Privada”, de Luis Fernando Veríssimo. “A peça tinha dois atores brasileiros, dois americanos e dezessete personagens. Foi muito divertido”, lembra.
Juju e Chris se conheceram em um set de filmagem no verão de 2001. “Eu estava atuando no curta de um amigo dele. E ele estava lá para encher os balões que decoravam o teto”, conta Juju. “Quando entrei no apartamento, ela estava em cima de uma escada, só dava para ver a pulseira no tornozelo e a mão segurando um cigarro”, diz ele. “Apaixonei-me na hora.”
Na época, Chris morava em Londres e fazia a divulgação do CD da banda que integrava. Mas estava a procura de alguém para dar um tom de bossa-nova ao seu trabalho. Filho de músico jazzista, ele cresceu na Filadélfia. Mas foi a mãe, que não tirava música brasileira da vitrola, quem lhe ensinou sobre seus diferentes estilos.
Logo antes de 11 de setembro de 2001, Juju largou o emprego em restaurante para trabalhar em duas peças. “Adorava a minha vida. Mas não tinha dinheiro, meu visto americano estava prestes a vencer, meu namoro tinha terminado e, para piorar, as torres gêmeas desabaram”, recorda-se. “Pensei que talvez fosse uma boa hora de voltar para o Rio.”
Picadas de amor
Voltou – e logo se arrependeu. Mas Chris foi atrás. “Eu tinha um pouco de dinheiro. Podia gastá-lo comendo sushi em Nova York, comprando pares de tênis ou viajando para tentar algo novo. Então fui para o Rio com a idéia de fazer um disco com a Juju”, conta ele. “Ela disse que não cantava. Disse a ela, então, para tentar um lá, lá, lá. E foi o que ela fez.”
Eles compuseram cinco músicas na praia. Mas a experiência carioca não parou por aí: Chris foi atacado uma noite por mosquitos em pleno apartamento no Leme. A aventura ecoturística lhe rendeu uma madrugada em claro e uma canção em inglês: “Mosquitos.” A música, eventualmente nome da banda, não fala de insetos, mordidas ou repelentes. Fala de Juju.
Chris apresentou as canções a uma gravadora americana. Oito meses mais tarde estava de volta a Nova York. Começou a escrever músicas e a ter aulas de voz. O primeiro CD foi lançado em agosto de 2003. Na época, a banda deu uma entrevista para a National Public Radio, ou NPR, a rádio pública dos Estados Unidos. Bingo. As vendas do disco escalaram e a imprensa americana, incluindo a MTV, passaram a procurá-los.
Em uma das turnês, a banda chegou a fazer quarenta shows em quarenta dias. Exausta, Juju foi para o México com Chris. Em uma semana – novamente na praia – compuseram quase todas as canções para o segundo CD. De volta a Nova York, gravaram tudo em um mês. “Em Nova York somos muito atarefados. Mas quando se está na praia com um violão, a música acontece”, revela Juju.
Chris e Juju dizem que o Brasil é sempre amado pelos estrangeiros. “Só escuto falar mal do Brasil quando meus amigos vão para lá. Todo mundo é assaltado”, diz Juju. Ao mesmo tempo, ela acrescenta que a idéia que o americano têm do Brasil ainda se resume a garotas, sexo e futebol.
“Esta imagem não nasceu do nada. Por outro lado, não é negativa”, diz ela. “No artigo do “The New York Times” me chamaram de Garota de Ipanema. Ainda sou sempre comparada a Bebel e Astrud Gilberto”, diz Juju. “No começo, isso me incomodava. Mas passei a compreender. Estas são as únicas referências que os americanos têm.”
O primeiro CD dos Mosquitos será lançado no Brasil em janeiro pela gravadora carioca Midsummer Madness. “Adoraríamos fazer shows lá”, diz ela. Em dezembro, o casal passará férias no Rio. Chris já planeja levar sua guitarra e alugar um estúdio musical. Juju quer apenas descansar. E, claro, fazer aquele xixizinho amigo no mar.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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