Feras para Vestir
11.dezembro.2004
Exposição conta a história dos usos (e abusos) das peles
e plumas nas roupas feitas para aparecer
Tania Menai, de Nova York
Quem visita a nova exposição do Instituto de Moda do Metropolitan Museum of Art, de Nova York, por um momento pode pensar que está no Museu de Hisória Natural. Penas de pavão, peles de onças e bolsas de raposa são o tema da nova mostra “Wild: Fashion Untamed” (Selvagem: Moda Indomada), em exposição até o dia 23 de março de 2005. A mostra explora a relação de poder do homem sobre o mundo animal ao se vestir com peles desde os primórdios, a forma como a alta-costura, nascida nos meados do século 19, incorporou esta influência expressando o lado exótico da fauna e como estas vestimentas evocam assuntos controvesos como racismo, sexismo, imperialismo, colonialismo e, claro, ambientalismo. Por isso, cobras e lagartos aparecem na moda em épocas de instabilidade sócio-econômica, como nos anos 30, 60, 80, e hoje – décadas em que todas estas polêmicas vieram à tona.
Todos os 100 vestidos de alta-costura expostos têm um quê de “abra suas asas, solte suas feras”. Dividida por temas que incluem peles, tigres, penas e e couro, a mostra inclui um casaco de pena de cisne de 1957 usado por Marlene Dietrich, criado por Bianchi-Férier e Jean Louis, o vestido em forma de cisne desenhado por Marjan Djodjov e usado pela cantora Bjork na cerimônia do Oscar de 2001, além de peças assinadas pelos designers brasileiros Carlos Miele e Alexandre Herchcovitch. “Escolhi as peças que melhor representam o tema, que têm ligação sócio-econômica com a vida urbana e – claro – apresentasse um design interessante”, disse à VEJA o britânico Adrew Bolton, curador da exposição. “Alexandre Herchcovitch, um artista avant-garde, utilizou a borracha para cirar seus vestidos negros – isso coloca a mulher em uma posição de femme-fatale, de dominadora”, observa Bolton. “Carlos Miele usa penas delicadamente, abordando a sexualidade feminina de uma outra forma. Além disso, o resgate de heranças brasileiras é um aspecto muito positivo em seu trabalho”, explica.
Um dos destaques desta exposição, é um vestido de seda 1920 que usa penas de pavão e pedras, feito pelo designer britânico Lucile. “Costuma-se dizer que a moda eurpéia foi pioneira em utilizar a arte plumária. Mas, na verdade, tudo começou quando eles foram para o Brasil na época da colonização e se inspiraram nos nossos indígenas”, diz Carlos Miele, em Nova York. “Outra grande influência brasileira sobre a moda internacional é o poder da pigmentação naturais dos corantes – as cores sempre foram usadas para distinguir hieraquias e poder”, diz Miele, que desenhou um body de couro vermelho, acompanhado por um imenso cocar colorido. “Ao contrário dos modernistas, quando crio qualquer modelo, não consigo fazer uma ruptura com a história”, diz ele que utilizou o vermelho para evocar o pau-brasil. “Sempre procuro casar artesanato com tecnologia – esta peça exposta no Met une o couro, primeiro material usado para a vestimenta do homem,com lycra, que dá flexibilidade e conforto.”
Para mulheres felinas, a primeira galeria, que expões trabalhos com peles selvagens, traz um vestido de deixar qualquer homem rugindo. Trata-se de um modelo de Jean-Paul Gaultier, feito no outono-inverno de 97-98, inspirado em um quadro do pintor inglês Frederick Sandy (1829-1904), intitulado Morgan le Fay. Contos folclóricos dizem que Morgan era meia-irmã do Rei Arthur – era uma curadora divina, encantadora, com poderes sobrenaturais. Estes elementos Gaultier incorporou neste vestido utilizando pele de leopardo, mostrando, segundo os curadores, que há como combinar o lado selvagem à sofisticação.
O fetiche dos casacos de pele é outro destaque desta exposição – principalmente agora, em que o inverno cai sobre Nova York. O uso da estola de pele entrou para a história da moda no final do século 16. Nos séculos 17 e 18 regalos de pele animal, aquela proteção para as mãos, passaram a ser acessório masculino, usado até pelo exército e marinha da época. Hoje, a pele ainda fascina, porém o abuso de animais para agradar a ala feminina já entra para a categoria do crime. Uma galeria aborda o assunto mostrando animais mortos, além de campanhas da Proteção para a o Tratamento Ético dos Animais (PETA) e da LYNX, da Inglaterra. “Estas campanhas,que ganharam força principalmente nos anos 80, fizeram com que designers criassem alternativas para utilizar texturas que evocassem peles de animais, com criativade e trazendo novidades para o mundo da moda”, diz a pesquisadora Shannon Bell-Price, que participou da montagem da exposição. Casacos de pele falsos também estão à mostra. “Não vejo problema algum em usar peles falsas” acrescenta. Segundo ela, além de econômicas, são uma ótima solução para quem sente culpa em sair de casa com um rosto de raposa pendurado no pescoço.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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