Todas as reportagens

Outras reportagens de: No Mínimo

- Gordos Negócios
- A vingança virtual da mulher traída
- Tom Cruise contra “South Park”
- O Design do Medo
- O prefeito é, literalmente, um garotinho
- Depois do Furacão
- As flores do bem
- A cerimônia antes da roleta
- Só o turismo salva o Pantanal
- Guia universal dos banheiros
- De volta ao topo
- Meu apê virou estúdio de TV
- Elas exigem respeito
- Para Morder a Maçã
- O Rei da Sucata
- Ser Mãe é Padecer em Manhattan
- Um amanhecer para se temer
- Yes, Nós temos Mosquitos
- Um dia no metrô de NY
- Pela violência responsável na TV
- Marido e mulher numa pessoa só
- É dura essa vida de imigrante
- Papai Noel responde em inglês
- Mentira com longas pernas

Rapidinha à americana
28.março.2005


Tania Menai, de Nova York

28.03.2005 | “Sou tudo o que um homem pode querer. Uma empresária de sucesso, 45 anos, divorciada, bonita, engraçada, sexy e atlética. Adoro cozinhar e cuidar de quem amo.”

“Consultor de informática, 32 anos, com diploma de pós-graduação procura mulher indiana na faixa de 20 a 34 anos para casar. Responderei a todas as cartas.”

“Viúva, jovem, 68 anos, atraente, gostaria de conhecer um cavalheiro entre 65 e 75 anos para curtir a vida.”

Com um cartão de crédito à mão, além de um bocado de carência afetiva, qualquer um é capaz de pôr um anúncio nos classificados pessoais de “Cidade”, o caderno dominical de “The New York Times”. Para cada linha, como essas aí do alto, desembolsam-se doze dólares – o jornal exige o mínimo de quatro linhas. Por mais vinte dólares, e ainda mais carência, o anúncio é colocado também na versão online do jornal.

“The New York Times” foi um dos últimos jornais, senão o último, a se render aos classificados pessoais nos EUA. A quantidade de anúncios ainda não ultrapassou as páginas de classificados de empregos (que andam minguadas) e do mercado imobiliário, mas atende a todas as demandas: homens em busca de mulheres e vice-versa, mulheres procurando mulheres e homens garimpando homens.

O frenesi só faz sentindo no contexto da cultura americana. Além do alto índice de divórcios no país – 50% dos casamentos consumados a cada ano vão por água abaixo – esse é um país em que a população desde cedo muda mais de cidade do que de roupa. A prioridade é sempre ir onde há emprego. Regras rígidas nos locais de trabalho proíbem olhar para o lado. Fazer gracinhas no elevador, nem pensar. Num caso e no outro corre-se o risco de um processo por assédio sexual.

No mundo corporativo, namoro é abominado. E para quem pensa que academia de ginástica é uma boa saída, aí vai a notícia: pelo menos em Nova York, elas não passam de Podland. Cada um chega com seu walkman, pula na esteira e fixa o olhar nos monitores de televisão. Mesmo que o bonitão ao lado faça um elogio, não dá para escutá-lo com o som nas alturas. Conhecer alguém por acaso ou, pelo menos, com os mesmos interesses, é opção quase descartada pelos americanos. Por isso, qualquer alternativa para eles é bem-vinda.

O anúncio em jornais e revistas é apenas um dos lados de uma indústria milionária: a dos solteiros em busca de companhia. Além de livros e mais livros sobre o assunto e reality shows como “The Bachelor” e “The Bachelorette”, que teve como um dos vencedores o paulistano Ian McKee, procura-se por gente em sites como Match.com ou Nerve.com e anuncia-se em DreamMates, The Right Stuff, eHarmony e eCrush.

Cantada cronometrada

Vale tudo. Até apelar para uma modalidade que chegou a ganhar um capítulo na série “Sex and the City”: os speed datings. Em bom português: encontros rápidos. Organizados por empresas que levam o nome de TurboDate, HurryDate, 8minuteDating ou It's Just Lunch, eles aproximam pessoas em restaurante ou bares e promovem encontros rodízios entre casais. Os eventos contam com o mesmo número de mulheres e homens (no caso de reuniões de homossexuais, o número de participantes deve ser sempre par).

Cada mulher tem oito minutos para conversar com cada homem. No final, eles comunicam à organização, via Internet, com que mulheres gostariam de se encontrar novamente. As mulheres fazem o mesmo. Se os nomes baterem, a organização dá os telefones de contato para o casal. A partir daí, é com eles. O 8minutesDating garante que 139 casamentos já saíram desses encontros. Se eles duraram mais de oito minutos, não se sabe, mas a repórter do NoMínimo resolveu pagar o mico para conferir como funcionam esses serviços e quem procura por eles.

O escolhido foi o 8minutesDating, que promove encontros em todo o país. A cidade escolhida é Nova York. A inscrição é feita online. O cardápio de opções é um quebra-cabeça de mil peças. Os eventos são divididos por idades, etnias e interesses. Tentei me inscrever primeiro no evento de “homens e mulheres entre 25 e 35 anos” na categoria “jovens profissionais”. Como não há nada mais vago do que “um jovem profissional em Nova York”, as chances de conhecer um banqueiro, um coreógrafo da Broadway e um provador de chá são idênticas. Afinal, esta é uma cidade de jovens e quem não é profissional está no lugar errado.

Problema: encarar meninos com menos de vinte e oito anos. A solução foi optar por um grupo com as mesmas características, mas faixa etária mais acima: entre 35 a 45 anos. O perigo aí é outro: achar um divorciado com três filhos louco para arrastar a nova namorada para um subúrbio de Iowa. Mesmo assim, o encontro programado já não aceitava mais inscrições para mulheres – nesta faixa etária, elas não perdem nem mais oito minutos.

A data seguinte reuniria “irlandeses e simpatizantes”. Parecia interessante. Mas o que um irlandês encontraria em comum com uma brasileira que não bebe cerveja? Outra opção era a noite que reuniria “negros e latinos” – por latinos leia-se hispânicos, como dominicanos e porto-riquenhos – entre 35 e 45 anos, que com certeza estariam esperando por uma mulher tipo Jennifer Lopez e não uma branca (de neve). A opção “gente ligada em malhação, entre 30 e 40 anos”, até poderia se adaptar a quem já fez balé e aderiu à onda do pilates, mas o pavor por academias de musculação e a perspectiva zero de um personal trainer se animar a me acompanhar ao cinema para ver aquele documentário afegão com legenda em aramaico se tornaram argumentos negativos irrefutáveis.

Dança das cadeiras

Um grupo com possibilidades mais interessante reuniria “profissionais, solteiros, tranqüilos, cabeça-aberta, em boa forma e de bem com a vida”. Problema: faixa etária entre 40 e 49 anos. A escolha pende para o critério religioso. Um encontro que reúne judeus. Um amigo brasileiro-gay-católico, que só namora americanos-judeus, garante que “eles são ótimos maridos”. Nesta categoria, existem dois grupos: de 35 a 45 anos e de 45 a 55 anos. Bingo para o primeiro. Depois de desembolsar trinta e cinco dólares, que seja o que Deus (literalmente) quiser.

O grupo tem encontro marcado para as 7h30 da noite de uma segunda-feira num bar da Nona Avenida, no bairro de Chelsea, reservado especialmente para a ocasião. Na recepção, uma moça me dá um adesivo escrito Tania 407 para colar na camiseta. Aboletada na mesa 7, espero sentada, como todas as mulheres, enquanto os homens fazem a dança das cadeiras. Recebo também uma cartela para escrever o nome dos cavalheiros, assinalando ao lado de cada um se quero um segundo encontro, amizade ou negócios. A mesma cartela enumera as regras do jogo. Por exemplo: não pedir o telefone de ninguém. Do outro lado, um questionário com oito perguntas-guia para ajudar aos mais tímidos:

1 – Onde você cresceu?
2 – Que tipo de trabalho faz?
3 – O que você faz para se divertir?
4 – Quais os filmes, revistas, canais de TV ou livros prediletos?
5 – Que tipo de comida, bebida, restaurante, flores, celebridades, música ou esporte mais gosta?
6 – Qual a melhor viagem que já fez?
7 – Se acompanha o noticiário do dia-a-dia e o que acha sobre esse ou aquele assunto?
8 – Se tivesse muito dinheiro, o que faria da vida?

É dada a largada. O primeiro a sentar-se à minha mesa é Marc 520. Me dá um aperto de mão e pergunta de que parte da Itália sou. Grisalho, calvo, pra lá de 45 anos, usa paletó. Conta que os pais são divorciados. “Esta é a sua primeira vez aqui?”, pergunto. “Talvez já tenha ultrapassado as oito mil”, diz Marc 520 brincando, antes de perguntar de onde eu era. Diante da resposta de que nasci no Rio de Janeiro, comete o erro de praxe. “Ah, como estás? No hablo muy bien el espanhol”, desculpa-se. “Nem eu”, rebato, ironicamente. Marc me olha com cara de ponto de interrogação. “No Brasil se fala português”, aviso. “Ah, o Rio fica no Brasil?”

Sou salva pela campainha – daquelas de recepção de hotel – que a organizadora toca a cada oito minutos. É a vez de Matt 506. Óculos fundo-de-garrafa, cabelo preto, uns 35 anos, sotaque carregadíssimo do Brooklyn, lembra a aparência de Bill Gates na década de 70. Ele conta que o barbeiro dele é brasileiro e que trabalha na área de informática. Lê religiosamente as perguntas guias. Diz que mora em Long Island, que o trabalho anda meio devagar por causa da economia americana e que não tem passaporte. “A papelada está em casa, mas nunca preenchi.” Sem chance.

Alto, loiro, olhos claros, chega o tipo mais atraente da noite: Jim 500. Apresenta-se e imediatamente fala o que faz: “Vendo bonds.” Menino de Wall Street, formou-se em administração de empresa pela Universidade Columbia e viajou o mundo. Nasceu em Nova York. Inteligente, desconfia que estou ali para escrever uma reportagem sobre encontros como aquele e esclarece que é a primeira vez que vai num. “Mesmo numa cidade com oito milhões de pessoas, não dá para abordar alguém no metrô. Nunca se sabe a qual grupo a pessoa pertence”, diz Jim 500, antes de revelar que havia descoberto o 8MinutesDating em cartazes espalhados por Manhattan, onde mora e trabalha.

Oito minutos depois chega Rick 521. Gordinho, formal no terno e gravata, diz que trabalha em gráfica, não acha o trabalho glamouroso, “mas é o que é”. Fala comigo com um sorriso de orelha a orelha. Pergunta qual é a próxima viagem que eu pretendo fazer. Quando respondo que seria para a África, parece chocado e revela, olho no olho, que nunca viajou ao exterior porque sonha em fazer isso com alma gêmea. “Tenho certeza que um dia isso vai acontecer.”

Ousadia nada dietética

A organizadora toca a campanhia anunciando oito minutos de intervalo. E lá vem “Bill Gates” puxar conversa. Peço licença e vou ao bar. O bartender, um jovem moreno, sorri e pergunta como estão indo as coisas no encontro. Não resisto e dou uma risada. Ele põe a bebida no balcão e anuncia que é por conta dele. É apenas uma Coca Diet, mas não deixa de ser a cantada mais criativa da noite.

De volta à labuta, conheço Bob 505. Muitos quilos acima do peso, ele conta que compra e vende ingressos. Trata-se de um cambista. Trabalha em casa, vendendo os ingressos pela Internet. Diz que a irmã tem quatro gatos e que um deles virou seu roommate. Divorciado há cinco anos, Bob 505 vive em New Jersey. O resto da história é sobre o trânsito que enfrentou na hora do rush para chegar ao encontro. Não há Síndrome do Déficit de Atenção que faça alguém suportar uma conversa dessas.

Depois vem Ira 502 – simpático, alto, magro, moreno, calça jeans,camisa social branca. Em seguida, Harry 510, um prodígio do alto de seus quase 50 anos capaz de mostrar como transformar oito minutos em uma eternidade. Até que chega a vez de Roger 509, um quarentão que desperdiça todo o charme com apenas uma frase decorada: os endereços de duas esquinas de Manhattan – a em que ele mora e a em que trabalha.

No fim, a organizadora pede ao participantes para enviarem sua escolhas pelo site do 8minutesDating o mais breve possível, mas esquece de avisar que cada nome incluído custa a mixaria de 8,88 dólares. Na saída, o bartender brinca ao dizer que reparou na reação blasé das mulheres. Mexicano, não esperou nem oito minutos para atacar. “Meu nome é Alex. Espero te ver aqui de novo.”


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

---

voltar