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Retratos de família
02.abril.2005
Fruto de um trabalho de mais de dez
anos do canadense Gregory Colbert,
uma mostra em Nova York documenta
a intimidade entre homens e animais
em várias regiões do mundo
Tania Menai, de Nova York
Segundo um dos mais respeitados biólogos da atualidade, o americano Edward O. Wilson, da Universidade Harvard, manter laços com o mundo natural e os animais é uma necessidade atávica da espécie humana. Para grande parte das pessoas, essa necessidade é satisfeita pelo contato com bichos de estimação. A exposição Ashes and Snow (Cinzas e Neve), contudo, revela que nossos laços com os animais podem ser muito mais variados e surpreendentes do que imaginariam os habitantes das grandes cidades. Em cartaz em Nova York, a mostra exibe cenas da intimidade entre habitantes das partes mais remotas do mundo e animais selvagens como águias, elefantes, leopardos – e até mesmo baleias. Concebida pelo fotógrafo e cinegrafista canadense Gregory Colbert, Ashes and Snow reúne 200 fotos e um filme de uma hora projetado num imenso telão. O material é resultado de treze anos de expedições a países como Índia, Egito, Mianmar, Sri Lanka, Quênia, Etiópia e Namíbia. "Os animais nunca impuseram barreiras aos homens. Foram os humanos que inventaram essa distância; ela é artificial", disse Colbert, um aguerrido defensor dos bichos, a VEJA.
O conjunto, que atraiu mais de 100.000 espectadores ao ser exibido em Veneza, em 2002, chega a Nova York juntamente com seu "museu nômade", um espaço monumental projetado pelo arquiteto japonês Shigeru Ban e feito para rodar o mundo. Trata-se de um pavilhão cujas paredes são constituídas por 148 contêineres empilhados (os mesmos que transportarão todo o material de cidade em cidade). Instalada num píer em Manhattan, a estrutura de mais de 4.000 metros quadrados tem o aspecto de um galpão industrial quando vista por fora, mas seu interior é imponente. Colunas douradas, que lembram um templo, sustentam um teto com pé-direito de 17 metros. Em meio à penumbra, as luzes focalizam apenas as imensas fotografias, penduradas entre as colunas – todas reveladas em cor sépia, sobre papel artesanal japonês sem moldura, vidro ou legenda.
No final da passarela, uma grande tela mostra o filme de uma hora com cenas em velocidade lenta, também em cor sépia, em que elefantes dançam na água com mulheres, monges navegam de barco num rio repleto de elefantes, uma bailarina dança com uma águia e crianças e senhoras dormem abraçadas com leopardos no meio do deserto. O próprio Colbert aparece nadando com um elefante (cena também registrada em foto) e mergulha, sem equipamento algum, com uma baleia de 55 toneladas. Para que essa cena fosse captada, Colbert passou cerca de dois anos e meio estudando os hábitos das baleias e aprendendo a se aproximar delas – as imagens foram feitas por outro fotógrafo, a cada mergulho do canadense. No filme, de autoria de Colbert e mais quatro cinegrafistas, 28 espécies de animais interagem com humanos, incluindo cobras, falcões, corujas e lobos. A narração é do ator Laurence Fishburne, que recita poesias escritas pelo próprio fotógrafo. O título da exposição foi tirado de um desses poemas: "das penas ao fogo; do fogo ao sangue; do sangue aos ossos; dos ossos à medula; da medula às cinzas; das cinzas à neve". E é também uma alusão a um componente literário da exposição, um romance escrito por Colbert que fala sobre um homem que viaja durante um ano e a cada dia escreve uma carta a sua mulher.
O projeto Ashes and Snow é financiado em parte pela Fundação Bianimale, criada pelo próprio Colbert para apoiar projetos de arte e conservação da natureza. O fotógrafo conta que a razão de um museu nômade é seu desejo de mostrar que a arte deve ser acessível a todos – "e não reservada a uma elite". O arquiteto Ban, que ficou famoso por desenhar o pavilhão japonês na Expo 2000 em Hannover, na Alemanha, pretende fazer espaços de exposição diferentes em cada cidade pela qual a mostra deve itinerar nos próximos dois anos. Depois de Nova York, ela segue para Los Angeles ainda neste ano e, em 2006, para o Vaticano. Em seguida, passará por Pequim, Xangai, Tóquio, Berlim e Cidade do México.
Da filosofia por trás de sua concepção à trilha sonora, Ashes and Snow exala um indisfarçável espírito new age. "A natureza é um poema, e nós, homens, com nossa arrogância, temos de parar de pensar que somos a parte mais importante dela – somos apenas uma sílaba", diz Colbert. Seu trabalho fotográfico, contudo, tem inegável beleza plástica e capta homem e animais em cenas de comunhão perfeita. "Os povos que visitei e fotografei têm uma linguagem corporal diferente da nossa. Eles interagem com os animais naturalmente. Nada disso foi ensaiado ou posado", afirma Colbert. O projeto do artista não termina por aí. Ele pretende retratar ainda mais espécies pelo mundo – e, claro, continuar militando pela causa dos bichos. "Não teremos futuro se não deixarmos de ser predadores", diz o artista. Há uma chance de os brasileiros verem a exposição no futuro. Duas semanas atrás, Colbert foi procurado por produtores cariocas interessados em levar Ashes and Snow para o Rio de Janeiro. O artista já esteve no Brasil e, obviamente, tem opiniões apaixonadas sobre a necessidade de conhecer e preservar a Amazônia. "A floresta é como uma biblioteca. As espécies são seus livros. É preciso ler cada um deles para preservá-los. Caso contrário, nada sobrará", diz.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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