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Dois recomeços, em New Orleans
24.novembro.2005
Tania Menai, de Nova Orleans
“Já se foram dois meses desde que o furacão Katrina passou por aqui e os oficiais do governo ainda me proibem de voltar à minha casa. Não faço idéia de como ela está. Por que não podemos voltar? Qual é o segredo?”, pergunta, indignado Arnold Tillman, um carpinteiro de 40 anos. Sua casa, onde ele vivia com a mãe, de 63 anos, tinha um andar. Ficava no Lower Ninth Ward, o bairro mais carente de Nova Orleans – e um dos mais pobres dos Estados Unidos. Ela foi uma das milhares de residências invadidas pela água que, sem piedade, inundou a cidade expulsando de lá 100 mil moradores. Até hoje, contabiliza-se cerca de 1200 vidas perdidas nos estados da Louisiana, Atlanta e Mississippi. Segundo o Departamento de Saúde, metade dos mortos eram pessoas com mais de 60 anos. A parte do Ninth Ward onde fica a casa de Arnold está bloqueada pela polícia. Depois de 60 dias, moradores da região ganharam um tour de ônibus, acompanhado pelas grandes redes de televisão, para avistar suas casas – mas sem poder sair dos ônibus. Arnold não foi. “Não quero um tour por um bairro fantasma. Quero entrar na minha casa. E isso eles não deixam. Sabe por quê? Porque eles colocaram os mortos por lá”, diz.
Ainda pode-se dizer que Arnold teve sorte. Ele deixou a cidade três dias antes do Katrina e, com sua mãe, foi para uma cidade a 96 quilômetros de Houston, no Texas. A mãe continua por lá, alojada em um dos apartamentos oferecido pelo Projeto Exodus, um programa público e privado que paga moradia por 2 meses para quem foi evacuado, com dinheiro vindo de doações. Depois deste tempo, não se sabe. “Os diques da cidade se estendem do Rio Misissippi ao Lago Pontchartrain, somando aproximadamente 13 quilômetros em ambos lados do canal”, explica Arnold, na porta da casa que reforma, na Royal Street, no French Quarter, bairro turístico, mais alto e menos afetado da cidade. “Agora, você quer me dizer que o Lower Ninth Ward, onde mora a gente negra e pobre, foi o único ponto onde a barragem estourou? Isso é impossível”, especula. “E me intriga”, acrescenta ele, que está morando num apartamento de seu empregador, com um amigo de infância, Leroy Armstrong, da mesma idade e de mesma profissão. Arnold acrescenta ainda que viu tudo pela TV e garante que todos aqueles helicópteros que sobrevoaram a cidade durante os dias de enchente não filmaram, ou pelo menos não levaram ao ar, as partes mais pobres da cidade – porque, segundo ele, lá os corpos boiavam nas águas.
Leroy permaneceu em Nova Orleans por cinco dias durante e depois do Katrina. As imagens que ele viu e as histórias que escutou são tão desesperadoras, que algumas podem soar até sem sentido. “Ouvi de um homem que estava ao lado da barragem e escutou um “bum” na hora em que ela estourou – alguns dizem que foi uma explosão proposital, causada pelos militares; e eu não duvido”, diz Leroy. “O homem que escutou a explosão, olhou para trás e viu aquela água vindo numa velocidade incrível. Você viu aquele filme The Day after Tomorrow, no qual a água invade Nova York? Foi assim que água chegou no Ninth Ward”, compara. Leroy diz que a mesma coisa aconteceu em 1965, ano do furacão Besty. “Na época o prefeito abriu os portões para que as águas invadissem o nosso bairro. Muitos morreram”, acredita ele. Antes de Katrina, Camille (1969) era tido como o pior furacão – mas as pessoas esquecem da devastação de Betsy”, adverte.
Arnold continua em contato com os demais amigos, a quem considera família. Nova Orleans é uma cidade de comunidades unidas e tradicionais. Ele diz que a FEMA – agência federal americana que lida com situações de catástrofe - ganhou muita visibilidade na época do furacão; ainda que desfavorável. “Mas agora tudo está caminhando lentamente. O dinheiro está apertado”, diz. “O presidente liberou 10 bilhões de dólares para Nova Orleans - isso é muito de dinheiro. Mas dizem que o custo de reparação será de149 bilhões de dólares. Como eles vão usar este dinheiro? Quem será o responsável por gastá-lo?”, questiona. “Muita gente vai ter um natal miserável porque depende do dinheiro da FEMA”. A mãe de Arnold talvez seja um dos que passará um natal sem sorrisos. Aposentada, ele trabalhou durante 30 anos no conselho escolar de sua região. Vivia razoavelmente bem, numa casa mobiliada, ainda que humilde, com tudo que conquistou ao longo da vida. “Imagine uma senhora desta idade ter que recomeçar a vida – ela nem tem uma casa para morar”, diz.
“Nem mesmo o time do conselho escolar têm emprego.Todo o sistema das escolas de Nova Orleans está fechado”, lembra. “Essa gente tinha emprego e estava quase se aposentando. Tudo isso acabou”. Arnold e Leroy chegaram a procurar emprego no Texas. Mas o custo de vida lá é mais caro do que em Nova Orleans - os salários mais baixos e os aluguéis subiram astronomicamente porque muitos proprietários de imóveis sabem que o governo federal está ajudando, financeiramente, a moradia de quem foi evacuado da Louisiana. Um apartamento de dois quartos que valia 650 dólares passou a valer 900. E por aí vai. “Deixamos nossas mães no Texas e voltamos para a nossa cidade natal para ganhar dinheiro. Para carpinteiros, trabalho é que não falta. Nova Orleans está toda em obras – estamos ganhando de 16 a 18 dólares a hora”, diz Arnold. “Contudo, vivemos um após o outro. Não há como planejar o futuro”.
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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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