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Dois soldados e uma mãe
23.dezembro.2005
Tania Menai
Clint e Tyler não virão para o Natal. Eles estão longe, no Iraque, servindo seu país na Divisão Airbone 101. Aos 28 e 26 anos, eles pilotam helicópteros. São irmãos. Optaram pela carreira militar como o pai, Dick, um oficial de Arlington, na Virgínia. Em meio a estes três homens, e várias noites mal dormidas, está Vicki Condy, esposa e mãe. “Os dias que seguem a partida dos meus filhos são simplesmente horríveis – penso que não serei capaz de aguentar a ausência e ansiedade por 12 meses”, confessa. “Semanas depois me acalmo e entro numa rotina. Mas continuo pensando neles e me preocupando”, diz ela que acaba de lançar um pequeno livro de ajuda a pais de soldados intitulado Your Soldier, Your Army (Seu Soldado, Seu Exército), também disponível na internet http://www.ausa.org/pdfdocs/YourSoldier.pdf
“Meu marido está no exército há 30 anos.Temos acesso a informação sobre o que se passa numa guerra – e mesmo assim, tenho medo. Imagine como ficam aqueles pais e mães que não sabem nada”, diz ela.
Durante o tempo em que ela chama de “primeira fase da guerra do Iraque”, Vicki participou como voluntária de um centro de atendimento de ligações gratuitas para onde as famílias de soldados telefonam em busca de informação. Ela notou que as ligações vinham de mães e pais – e não de cônjuges. Nos últimos 10 anos, segundo ela, o exército tem se preocupado em deixar eposas e maridos informados – mas não se fez nada pelos pais, mães e demais familiares dos soldados. Foi aí que nasceu a idéia de colocar tudo o que ela sabe e sente num pequeno livro de fácil linguagem para que até avós podessem ler. “Ao chegar no Iraque, um de nossos filhos ficou seis semanas sem se comunicar conosco – ele estava meio do deserto, sem acesso a telefone, correio ou internet”, conta. “Quando outros pais ligavam eu dividia minha experiência”, relata. Ela ensinava ao demais pais lições básicas, como um número grátis para o Iraque e uma lista de assinantes para receber newsletters. Detalhes que o próprio exército não se dá o trabalho de informar. “Hoje, mais do que nunca, pais e mães querem saber o que se passa por lá - desde o Vietnã nossos soldados não foram enviados por tanto tempo e com tanta frequência para longe de casa”, argumenta.
Mais de 2 mil soldados americanos já deixaram suas vidas no Iraque. Outros deixaram pernas, braços, e alguma sanidade. Quando Vicki escuta sobre mortes ou acidentes na unidade militar de seus filhos, por um momento, ela entra em pânico. Por outro lado, sabe que seu marido lhe telefonaria antes mesmo de a mídia noticiar o pior. Ela explica que a imprensa é proibidada de divulgar nomes de soldados mortos ou feridos antes que todas as famílias sejam contactadas. “Mas os repórteres são tão bons e rápidos, que enquanto a CNN coloca a notícia no ar, o exército ainda está telefonando para as famílias”, conta. Momentos após mortes e ataques, todos os computadores, telefones e meios de comunicação dos soldados da unidade em questão são desligados – isso evita que haja detalhes incorretos sendo passados para os Estados Unidos. Notícias ruins devem ser dadas oficialmente pelo exército. “Isso é feito para a proteção de todos. Mas ao mesmo tempo, há certo pânico entre os familiares porque exatamente quando eles precisam saber se seus soldados estão bem, eles ficam inacessíveis”.
Há 30 anos mergulhada no mundo militar, Vicki sorri quando fala sobre o avanço das telecomunicações. “Quando meu marido foi enviado por dez meses para a Operação Desert-Storm, na Guerra do Golfo, em 1991, e-mail era algo que não existia; poucos de nós tínhamos computadores em casa. Eu esperava por um telefonema a cada duas semanas - ou até uma vez por mês”, lembra. Hoje, ela troca e-mails com seus filhos diariamente e fala por telefone a cada semana. Seu filho mais novo também se comunica por mensagem instantânea com a esposa, que ainda é capaz de lhe mostrar o bebê recém-nascido do casal via webcam. “Isso ajuda os casais jovens a sentirem que ainda estão conectados, apesar da distância”, diz Vicki.
Como americana, Vicki não questiona as razões da guerra, tampouco as decisões do presidente Bush. Ao mesmo tempo, há noites em que daria tudo para ter os filhos em casa. Diz que se algo acontecer com eles, ela não será uma das mães protestando na porta da Casa Branca, como fez há alguns meses Cindy Sheehan, uma americana que perdeu seu único filho nesta guerra. Apesar de não conhecer tamanha dor, para Vicki isso seria desonrar o trabalho que seus filhos fizeram e a carreira que escolheram. Como mãe, ela acredita que o exército torna estes jovens mais maduros – eles aprendem a viver longe de tudo que conhecem e amam, por um longo período de tempo. Seus filhos começaram a viver isso entre 23 e 24 anos. Por sorte, Tyler e Clint não sofrem, até hoje, de Transtorno de Estresse Pós-Traumático. “Talvez por eles pilotarem helicópteros, não vêem o que acontece no solo. Os que mais sofrem são os que estão em combate no chão e nas cidades. Eles presenciam coisas terríveis todos os dias. E isso faz as crianças crescerem bem mais rápido”, conclui.
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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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