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Gordos Negócios
25.abril.2006

25.04.2006 | Não foi à toa que o americano Morgan Spurlock, diretor e protagonista do documentário “Super Size Me”, ganhou tantos prêmios. Durante um mês, em 2004, o cineasta se entupiu de BigMacs e porções de batata-frita gigantes, levando seu cardiologista à loucura, para revelar dados alarmantes sobre a economia da obesidade nos Estados Unidos: por pouco dinheiro, come-se muito. E por um pouquinho mais, come-se super size. Isso afeta, principalmente, as camadas mais pobres da sociedade, o que também acontece em países como o Brasil. “Super size” já virou verbo (to supersize it). E, com isso, cresce uma indústria, no mínimo bizarra, para atender a esta nova nação de gigantes. As opções incluem volantes, privadas e até caixões de defunto. Tudo oversize. Tudo plus-size. Tudo kingsize.

Costuma-se culpar o McDonalds pelo problema. Mas verdade seja dita: além de o país ser feito para consumo de carros, em cidades que vão de Las Vegas à Filadélfia, americanos entopem-se nos chamados “All-you-can-eat”, onde paga-se uma bagatela para entrar de cabeça em bufês banhados em gordura. Em New Orleans, é mais fácil comprar uma camiseta XXL (Extra-extra-large) do que uma tamanho médio. A epidemia tem roubado cinco anos de vida dos americanos; doenças decorrentes da obesidade matam quase 400 mil pessoas por ano. Esta é a segunda causa de morte que poderia ser prevenida, perdendo apenas para o cigarro.

Segundo o Center for Disease Control and Prevention (CDC), 71% dos homens, 61% das mulheres e 33% das crianças estão acima do peso nos EUA. Ao longo dos anos 90, os americanos inflaram em 10 quilos, na média. Mais de 20% entram na categoria da obesidade. O governo gasta 117 bilhões de dólares com isso, incluindo pensão para quem é afastado do emprego. Mas o assunto não foi mencionado sequer uma vez nos debates entre George W. Bush e John Kerry na época que precedeu as eleições, em 2004.

Até mesmo as companhias aéreas americanas já sofrem com a epidemia de obesidade. Um estudo do governo revelou que, só no ano 2000, o aumento de peso dos passageiros foi responsável por um gasto extra de 275 milhões de dólares para queimar 350 milhões adicionais de galões de combustível – isso deixou um rastro de 3.8 milhões de toneladas de dióxido de carbono no ar. Porém, enquanto alguns passageiros pagam os quilos extras de suas bagagens, ninguém paga a mais por excesso de barriga. “Não obrigamos obesos a comprar dois assentos – são eles que decidem”, diz, por telefone, uma agente da American Airlines. “Oferecemos extensões para cintos-de-segurança”, avisa ela, que não deve ter assistido ao episódio de “Seinfeld” em que Elaine fica encurralada em seu assento ao lado de um passageiro obeso.

Até as covas cresceram

O cotidiano de quem mal consegue andar ou coçar as próprias costas não é dos mais glamourosos. E o país do marketing sabe disso. O site Amplestuff, por exemplo, oferece versão Golias de acessórios que vão de mega-toalhas e mega-cabides a um calçador de sapatos especial para os incapazes de se agachar. Há também uma esponja gigante acoplada a um cabo, para que o usuário alcance as partes mais remotas do corpo durante o banho. Não falta ainda um “levantador de perna” (prende-se uma fita no pé e puxa-se a perna), fio extra para chuveirinho de banheiro e uma fita métrica de 243 centímetros – ferramenta essencial para quem gosta de costurar as próprias roupas. Na sessão de arte, vende-se uma gravura intitulada “Being Yourself” (Sendo você), que mostra uma menina gorda na aula de balé, e o livro “Women En Large” (Mulheres Grandes), recheado de fotos de nudez feminina em que a barriga é bem-vinda e o Photoshop, dispensável.

Outro problema resolvido é a hora da santa privacidade. Na Califórnia, o designer Aitan Levy criou o “Big John Toilet Seat”, um assento de privada para tratar bem, segundo ele, “daquela parte vital do corpo”. Com proporções que lembram uma poltrona, os irrisórios 35 centímetros de assento de privadas normais deram lugar a um trono de quase 50 centímetros. Levy garante que o assento tem estrutura de ferro, é ergonômico e não quebra. Inclusive, o Big John vem com garantia vitalícia. A privada, que custa mais de cem dólares, já foi vendida em grandes quantidades para hotéis e restaurantes americanos.

Por sinal, obesos não se intimidam neste país. Equipados com carros e cadeiras de rodas motorizadas, eles viajam por todas as partes: do Parque Nacional do Grand Canyon, no Arizona, aos famosos passeios de barco em Santa Barbara, na Califórnia, para ver... baleias. E, para isso, a indústria da hotelaria e lazer está atenta, comprando móveis e camas maiores. Até mesmo o lucrativo setor de casamentos não ficou de fora. Lojas como a Sydney’s Closet oferecem vestidos de noivas de todos os tamanhos – incluindo o que eles chamam de “plus-size petite”. E para debater estas epopéias, não faltam blogs como o Big Fat Blog, que já possui 1.500 seguidores registrados.

Os americanos gastam 33 bilhões de dólares por ano em tentativas para emagrecer. Excesso de peso resulta, entre outras coisas, em pressão alta, derrame, problemas cardíacos, diabetes e câncer. E para pesar, literalmente, ainda mais, tratamentos para obesidade mórbida, como redução de estômago ou suplementos para dietas, não são cobertos por seguros-saúde. No site da Associação Americana de Obesidade, encontram-se cartas de pacientes desesperados, como o caso de uma mulher obesa que sofre de apnéia, pressão alta, incontinência urinária, asma, artrite, dor nas juntas, colesterol alto e refluxo. Seu médico disse que só uma cirurgia a salvaria, mas seu seguro lhe deu as costas. Este é apenas uma parte do problema: hospitais chegam a ter de alargar as portas para acomodar os novos tamanhos de cadeiras-de-rodas e camas. Mas os dilemas da obesidade não acabam nem com a morte. Para os que ficam, o pesadelo continua. Encontrar um caixão tamanho família pode levar dias e os custos do enterro, devido a transporte e outras exigências, podem chegar a até 3 mil dólares adicionais.

A indústria fúnebre também acompanha a demanda. Os vendedores de caixões Goliath Caskets, no estado de Indiana, dizem que seu negócio cresce 20% por ano. Eles oferecem caixões que têm entre 73 e 132 centímetros de largura, uma imensidão se comparados aos 61 centímetros até hoje considerados padrão. “Não posso imaginar um enterro judaico, em que corpo é carregado até o túmulo por amigos e parentes”, diz Cesar, um carioca estarrecido. “Haja amigos!”, acrescenta ele, de porte atlético. O “New York Times” chegou a relatar o caso de um cemitério no Bronx que já aumentou o tamanho das covas. Contudo, vários cemitérios, construídos há décadas, não têm espaço para ampliação, além de estarem quase lotados. Solução: cremar os corpos. Apesar de esta modalidade não ser compatível com algumas religiões, para muitos esta é uma forma mais em conta de se despedir deste mundo. Tanto, que profissionais da Associação de Cremadores da América do Norte já receberam treinamento para lidar com tamanha massa corpórea.

Em NY não é assim

Na ilha de Manhattan, obesos não têm vez. Nova York não oferece espaço, infra-estrutura ou compaixão para acomodá-los. “Eles deveriam pagar mais impostos. Ora, ocupam dois lugares no metrô e no ônibus. E só pagam uma passagem!” - reclama Juliana, uma paulista peso-pena que reside na ilha. E ela não está sozinha. O centímetro quadrado dentro dos vagões de metrô é disputado a cotoveladas e os assentos de transportes públicos são feitos para magros. Quem espalha gordura extra por dois bancos recebe olhares venenosos dos demais passageiros. Em restaurantes, que servem porções menores e mais caras do que o resto do país, as mesas são tão grudadas que se acompanha conversas alheias, seja em urdu ou cantonês. Apartamentos, então, parecem arquitetados para bailarinas russas: reza a lenda que, quando um nova-iorquino “sai do armário”, está apenas deixando sua casa. Para encaixar um “Big John Toilet Seat” num banheiro, seria preciso abrir mão da pia ou do chuveiro.

Obesidade tampouco é compatível com uma cidade onde se anda a pé e encaram-se quilômetros de escadarias de metrô por dia. Para complicar, vários prédios não têm elevador e as lavanderias ficam no porão dos edifícios, o que exige esforço braçal para subir e descer com cestas de roupas. Sem falar nas compras de supermercado. Segundo um estudo encomendado pela revista “Time Out”, um cidadão nova-iorquino queima 2 mil calorias por semana só fazendo o básico para sobreviver. Isso equivale a três horas de corrida. Manhattan ainda lidera no quesito academia per capita: a ilha possui uma academia para pouco mais de 3 mil pessoas. Isso é cinco vezes mais do que o Brooklyn, município vizinho, onde há uma academia para cada 15 mil residentes.

Ainda assim, Nova York não está livre do problema da obesidade. Em 2003, o “Journal of the American Medical Association” divulgou que 19,7% da população local é obesa. O número é bem menor que os 27% do resto do pais. E dividindo o problema por bairros, fica claro que gordura é sinônimo de baixa renda e falta de acesso à informação. Segundo dados do Departamento de Saúde e de Higiene Mental da cidade, o East Harlem, em Manhattan, lidera a lista, com 32% de obesos, seguido pelo Harlem Central e Washington Heights, regiões de comunidades negras e de latinos da América Central. O prefeito Michael Bloomberg aboliu as máquinas que vendem refrigerantes nas escolas, substituindo-as por máquinas que vendem “Snapple”, um tipo de chá gelado.

Os bairros mais endinheirados, como o Upper East Side e Upper West Side, são os que menos sofrem do problema, com apenas 8% de corpinhos rechonchudos. Em Astoria, bairro do município de Queens onde se concentra grande parte de brasileiros de classe média ou baixa, a proporção é de 15%. Curioso, no entanto, é o resultado de uma pesquisa feita por telefone divulgada esta semana no país: nove em dez americanos acham os outros gordos. Mas apenas quatro em dez acham-se acima do peso. Tudo indica que gordo é aquele que não quer ver.

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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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