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A publicidade sai do armário
01.agosto.2006

Tania Menai, de Nova York

Caso você perceba duas mulheres vestidas de branco em um casamento do comercial do whisky Johnnie Walker, não pense que a segunda é a madrinha. Trata-se, de fato, de duas noivas. Este é apenas um dos comerciais que começam a pipocar nos Estados Unidos, onde, gradualmente, a presença de homosexuais nas campanhas publicitarias passa a ser sentida. “Há uma diferença entre marketing para homossexuais e propaganda que inclui homossexuais”, diz o americano Mike Wilke para uma atenta platéia do Gay Center, em Manhattan. “Comerciais de televisão normalmente falam com um público heterossexual, usando os homossexuais como uma ferramenta – seja para humor, surpresa, modernidade ou estilo. Mas muita gente confunde isso”, acrescenta. Mike é diretor da Commercial Closet, uma ONG que monitora a imagem dos homessexuais na propaganda das grandes marcas e corporações. Antes disse, ele trabalhou durante quatro para a Adverstising Age, além de colaborar para outros meios como os jornais Adweek e New York Times e o canal NBC.

Os Estados Unidos gastam anualmente 175 bilhões de dólares em propaganda. No mundo, gasta-se 427 bilhões. Estas cifras, segundo Mike, são altas o suficiente para que seu conteúdo não seja ignorado. Um terço das empresas Fortune 100, por exemplo, já incluiram o nicho gay em suas açãoes de marketing. Mike lembra ainda que a presença e iniciativa de homossexuais em corporações americanas teve grande impacto na melhoria da imagem dos gays em suas propagandas: 92% das empresas Fortune 500 protegem seus funcionários de insultos relacionados a preferências sexuais e 51% delas oferecem benefícios a parceiros. Além destas conquistas homosexuais têm demandado que as empresas olhem para este grupo como consumidores. “A propaganda existe para vender produtos e serviços. Mas há uma linha subentedida que pode sustentar ou anular preconceitos. Contudo, ela não reflete imediatemente as mudanças pelas quais passam as sociedades. Nossa organização visa eliminar esta defasagem de 10 ou 15 anos com a realidade.”

Resultados podem ser sentidos em comerciais como o da American Experess, que mostra a atriz gay Ellen De Generes como garota propaganda, ou o da Diet Pepsi, onde um belo homem caminha pela rua atraindo diversos olhares femininos – e um masculino, interpretado por um dos atores do seriado Queer Eye For the Staigh Guy. Outro comercial, da cerveja Miller Lite, mostra uma mulher paquerando um homem num bar e logo em seguida descobre que ele está acompanhado por outro homem: “pelo menos ele não é casado”, diz ela. A campanha da companhia de telefonia móvel T-Mobile também inseriu um casal de homens numa campanha que anuncia telefonema grátis entre casais. Entre todos os casais que aparecem no comercial, a cena dos homossexuais é a mais curta e discreta. Mas está lá.

Muitas agências e empresas estão cientes do poder deste mercado. Ainda assim, poucas estão se esforçando para fazer algo para alcançar este nicho, principalmente na televisão. Um passo importante, nota Mike, foi a criação do canal LOGO, da gigante Viacom, criado especialmente para este público - e, cujo site, recomenda o Rio de Janeiro como um dos principais destinos de turismo gay. “O canal acaba de completar um ano”, diz o carioca Bruno Silva, diretor de arte de Logo. “Nos três primeiros meses, ninguém queria anunciar. Estreiamos sem um anunciante sequer, lembra ele. Hoje, nossos maiores anunciantes são os veículos Saturn, o Tylenol PM, a Bud Light, Bowflex (máquinas para ginástica) entre outros. Inclusive, o canal está reformulando sua grade de programação para acomodar os anunciantes interessados,” complementa Bruno, que conta que grande parte da equipe é homosexual.

A imagem gay nos comerciais de televisão é algo relativamente novo. Até hoje, anunciantes interessados no mercado gay buscavam revistas especializadas. Além disso, os anunciantes devem ter em mente que a mensagem deve ser direcionada a este nicho. “ Um comercial que mostra papai, mamãe e filhos entrando em um carro não vai tem efeito entre os homossexuais”, diz Mike. Ele conta que os EUA lideram os negócios no mundo. O Brasil é o líder no assunto na América Latina, onde há pouca atividade neste sentido em países hispânicos. Há iniciativas na Argentina e da Colômbia, mas o Brasil está mais avançado em termos de imagem e mídia, e isso afeta a publicidade.” Muitos países da Europa Ocidental também estão à frente no assunto, principalmente a Inglaterra, a Alemanha e França. Há um fator irônico também. Muitos esperariam que a Escandinávia e a Holanda fossem mais progressistas neste assunto, mas não é o caso. Apesar de serem abertos para o homossexualismo, eles remetem ao esteriótipo de “homens usando calças de couro” em vez de adotar direitos e imagens mais positivas. A Ásia ainda está bem atrasada, apesar de aceitar bem os transexuais. “Na Coréia, há uma grande empresa de maquiagem chamada Dodo cuja garota propaganda é um travesti. Ela é linda, e todo mundo sabe que ela é um travesti”, conta Mike.

A imagem dos gays partiu de um lugar de invisibilidade. Depois passaram a ser temidos, e em filmes eram persogens predatores ou criminais. Deste estágio, passaram a serem ridicularizados: em filme e propaganda elem provocavam humor e leviandade, usando esteriótipos como o homem afeminado. Mulheres gays, como nota Mike, não aparecem muito. “Lésbicas são geralmente mostradas como mulheres femininas e bem-cuidadas, servindo para alimentar as fantasias masculinas”, aponta Mike. “Mulheres masculinizadas não aparecem nem para fazer o papel de comédia, como é o caso dos homens afeminados”. Por outro lado, recentemente, surgiram imagens como gays se casando, tendo filhos ou dando as mãos, como um anúncio de relógios da Kenneth Cole. Estes comerciais ainda estão aí para chamar atenção, mas também para mostrar que a marca está ciente das mudanças do tempo.

Mike lembra ainda que filmes e propaganda têm diferentes propósitos. Os filmes e a televisão entretém e refletem a realidade. A propaganda quer vender, ela precisa ser sua amiga – por isso, não pretende ir contra a sociedade por medo de intimidar o público. Já programas de televisão e filmes já estão em outro patamar: exemplo disso são os programas como Ellen DeGeneres e Brokeback Mountain. Segundo ele, o programa Queer Eye for the Straight Guy não foi feito para uma audiência gay: o alvo é uma audiência heterossexual que se diverte ao ver homossexuais exercendo seus trabalhos. “O programa é bem feito e foi licenciado para diversos países adaptarem suas versões locais. Mas alguns homossexuais não gostam, alegando que os gays são esteriotipados como designers e cabelereiros,” nota ele.

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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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