Pão e Música
01.novembro.2006
No pequeno café Lebeau Soleil,em Bruxelas, Ioannis Kollias mistura a arte da gastronomia com a arte de luthier. O resultado é mágico.
Tania Menai, de Bruxelas Fotos - Frédéric Chanteux
“Os violinos têm alma – sem alma, eles não funcionam”, diz Ioannis Kollias, ao servir um panini de mozzarela com pesto, tomate e alface. É uma manhã de sexta-feira no Lebeau Soleil, café na pequena rue Lebeau, escondida atrás da Bibliothèque Royale Albert I. Com mesas de mandeira clara e cadeiras de palha, algumas na calçada, este não é qualquer café. E este não é qualquer chef. Ioannis é um luthier. E aqui, no meio do café, está seu ateliêr. No cardápio, paninis, omeletes, tartines, saladas, bolos, cafés e chás. Tudo com ingredientes e toques mediterrâneos. No seu canto artesanal, madeira, cordas e cerrotes. Nascido na Grécia, Ioannis veio pra a Bélgica aos nove anos, em 1972. Seu pai era compositor, sua mãe cantora de música folclórica grega. Aos vinte anos, foi apresentado ao violino. Seu professor, Johan Lommelen, também ensinava a fazer o instrumento. E foi assim que Ioannis introduziu-se à carreira, como autoditada, estudando por dois anos e meio.
Ser luthier é uma atividade solitária. Mas de hermitão Ioannis não tem nada. Por isso, resolveu criar o café, onde ele tem contato com gente o dia todo, e ainda pode dividir sua paixão com quem tiver o privilégio de escutá-lo e assistí-lo trabalhar num espaço que mais parece alguma cena do filme O Violino Vermelho (1998), filme do qual ele é fã. “A trilha é tocada pelo Joshua Bell”, lembra ele. No filme, um adorado violino, misteriosamente feito com manchas vermelhas na Itália do século 17, viaja pela história mundial. Transforma a vida de músicos até ser leiloado na década passada em Montréal, no Canadá. “Cada violino leva seis meses para ficar pronto”, conta ele, preparando um café expresso. “São dois meses trabalhando a madeira e mais quatro meses envernizando”, conta ele para um cliente italiano, mostrando parte por parte um instrumento, incluindo a madeira recém-cortada: maplewood e pinho.
O verniz é uma atração à parte. Trata-se de uma receita do século 16, usando rezina natural. “Experimente, basta mastigar, é como um chiclete”, diz ele dando um pedaço para a escritora e para o fotógrafo desta reportagem. O fotógrafo adorou. A escritora nem tanto. “Todos os violinos são encomendados, feitos sob medida, de acordo com o tamanho do braço e mãos do músico. E todos levam o nome do dono na parte de dentro”, explica Ioannis para uma família colombiana que visitava a cidade. Ele segue modelos tradicionais como Stradivarius, Cremonais, Guarnieri del Gesu, Santo Serafin,Bergonzi, Rogesi de Brescia - mas também cria seus modelos, além de fazer cellos e contra-baixo. Um cello não leva menos do que seis meses para ficar pronto. O contra-baixo, um ano. Ioannis ainda restaura violinos em desuso ou concerta peças quebradas.
Bruxelas oferece uma gastronomia de primeira. Mas um dos diferencias deste cantinho, que abre do café-da-manhã ao chá da tarde, é conversar com Ioannis, que domina espanhol, italiano e inglês, além do grego e francês. Ninguém entra ou sai sem trocar um dedo de prosa com ele. Crianças estão sempre lá para ver aquele tio fazer violinos. O som ambiente leva sempre grandes compositores, seja de música clássica ou barroca – mas sempre instrumental. O cardápio musical oferece de Maurizio Pollini a Itzhak Perlman e Yo-Yo Ma. Ali também encontram-se livros e partituras, que ele folheia escancarando sua paixão por aquela arte. As paredes amarelas são revestidas por fotos de músicos e posters de violinos. “O instrumento e tocado do lado esquerdo e envia constante vibração”, explica ele. Por isso, a maioria dos violonistas morrem do coração”, conta ele. Para um músico talvez seja esta a melhor maneira de morrer.
Lebeau Soleil
Rue Lebeau 7 – atrás da Bibliothèque Royale Albert I
Bruxelas
Tel. (32) 479 420382
Metrô: Gare Centrale
Terça à sexta de 9 às 17hs
Sábado e domingo – de 9 às 18hs.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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