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Proibido McDonald's
18.dezembro.2006
Tania Menai, de Nova York
Chove. Na esquina da Bedford Avenue com a North 7th, Arthur me espera, bebendo um café. De calça jeans, moletom cinza e tênis vermelho, ele observa o vaivém de guarda-chuvas coloridos através do vidro da Oásis, uma lanchonete árabe, onde a televisão mostra um programa de auditório de Dubai. Sua bicicleta, branca, soldada a mão por um artista do bairro, o aguardava do lado de fora. A apenas uma estação da pulsante Manhattan, emergi da linha L do metrô em Williamsburg, um cantinho do Brooklyn que parou na história, mas não no tempo. Aqui vivem artistas, escultores, designers - e fotógrafos, como o Arthur, deixou o Rio de Janeiro há oito anos. Gente que ama o autêntico e abomina o comum. Gente que só anda de bicicleta, muitas delas feitas à mão. Gente que desconhece paredes brancas, por viver num bairro inteiramente pichado pela ousadia artística. Um deles assina “Val Kilmer” por onde passa. “Adoro o muro do Mágico de Oz, na Union Avenue com a North 11th”, diz a peruana Carmen Bedoya, que vive por aqui.
O bairro respira juventude. Mas não pense em encontar Starbucks, McDonalds ou livrarias Barnes & Noble. Muito menos marcas maria-vai-com-as-outras de bolsas ou roupas. Ninguém precisa disso. Melhor ainda: fizeram deste charme, uma lei que proíbe redes e cadeias de fast-food. O que a galera daqui precisa mesmo é de brechó. E muitos. Eles estão por todas as partes, como o “Beacon’s Closet”, que ocupa um imenso galpão que outrora abrigavam uma Nova York industrial. O bairro nasceu em 1792, quando um tal senhor comprou lotes de terra para desafogar o sempre apinhado sul de Manhattan, ali do outro lado do East River. Uma balça cruzava o rio, transportando até cavalos. Em 1830, chegaram os magnatas. Fábricas brotaram; entre elas, a farmacêutica Pfizer. A ponte de Williamsburg, construída em 1903, trouxe de Manhattan muitos judeus ortodoxos e até 1920 a população dobrou com a vinda de europeus do leste. Recentemente vieram os porto-riquenhos. Hoje, todos entrelaçam seus sotaques pelas ruas – afinal, estamos em Nova York.
É em Williamsburg que fica o “Peter Luger,” restaurante fundado em 1887, até hoje o prediletíssimo dos carnívoros endinheirados. O favorito do Arthur, no entanto, é um francês escondidinho, vizinho ao “Juliette”, igualmente encantador. Mas almoçamos baked eggs e café latte no “Fabiane’s”, onde dona é brasileira, as garçonetes polonesas. Do outro lado da rua, um judeu hassídico usa o computador ao lado de um rastafari num dos vários cyber cafés. Passos dali, uma loja de design de ponta sinaliza uma nova era: Williamsburg, que por décadas foi um bairro decadente, não escapou do tradicional ciclo nova-iorquino: primeiro chegam os artistas em busca de espaço e aluguel barato. Com isso, pipocam cafés e restaurantes. Depois, vêm as lojas. O comércio atrai projetos imobiliários. Neles, passam a viver os engravatados. E assim, os artistas são expulsos do bairro, buscando áreas abandonadas - e recomeçando o tal ciclo. Premiado com edifícios baixos e uma vista estarrecedora para Manhattan, Williamsburg anda lutando para barrar os cinco projetos de arranha-céus, a serem erguidos brevemente à beira do East River e “que prometem deixar o bairro chato,” como definiu o fotógrafo Vik Muniz, também morador do Brooklyn.
Ao meu lado, Arthur navega pelas largas ruas retratando carros antigos e bicicletas estilizadas. Suas lentes também seguem uma mulher de sombrinha japonesa e passo apressado; de repente, ele dá meia-volta atrás de outra, que se protege da garoa com um guarda-chuva de vinil azul claro. Esse fotógrafo ama onde vive. Aos poucos, começo a enxergar o bairro através de suas retinas. Algumas quadras parecem abandonadas. Mas outras abrigam cafés indiscretivelmente aconhegantes, como o número 150 da rua Whyte. Ele ainda fez questão de me levar na “Moon River Chattel”, loja que mostra um berço antigo na vitrine e vende até escova-de-dentes biodeagradável; seja lá o que isso signifique. Visitamos ainda uma loja de discos de vinil, a “KCDC” de skates – com uma rampa cheia de crianças e marmanjos - e outra, a “Fresh Kills”, de móveis estilosos e velas aromáticas. Quadras adiante, ele abre uma porta, quase imperceptível, que dá numa galeria de arte. Ali, somos recebidos por ninguém além de um cãozinho extremamente feliz. “Essa vizinhança adora cachorros,” diz ele. E galerias também. São mais de 30, todas sofisticadas. Flanamos por várias. Assim como os artistas, elas fugiram dos aluguéis de Manhattan. Arthur conta que as vernissages acontecem noite adentro, para que os convidados saiam das galerias de Manhattan e estiquem nas de Williamsburg. Pensando bem, neste bairro dá vontade mesmo é de esticar a vida. Toda.
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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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