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- O mundo encantado (e rico) da pelúcia
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A meca das bonecas
01.maio.2007
Nas lojas American Girl, fantasia e realidade se confundem. O resultado da estratégia se vê nas vendas
A empresa aposta na interatividade da criança na hora de criar uma boneca. Ambas brincam juntas em plena loja
Tania Menai, de Nova York
Para qualquer menina que brinca de boneca, a esquina da rua 49 com a Quinta Avenida, em Manhattan, tornou-se um santuário. É lá que está instalada uma das três megalojas da marca American Girl, que reinventou uma das brincadeiras mais primitivas da infância, criando uma febre de consumo entre pequenas donzelas de três a 12 anos nos Estados Unidos. As outras duas lojas ficam em Chicago e em Los Angeles, no sofisticado The Grove, shopping a céu aberto da cidade.
Em plena era digital, de celulares e videogames, a American Girl provou que criança ainda é criança e o que as meninas gostam mesmo é do bom e velho hábito de brincar de ser mãe. A empresa se tornou um case de marketing e varejo e frequentemente é citada em palestras de gurus como um exemplo de inovação bem-sucedida. Em 2006 o faturamento chegou a 440 milhões de dólares, somando as vendas nas lojas, por catálogos e pela internet. Qual o segredo? Bonecas tratadas como se fossem de verdade e um mundo criado ao redor delas, com direito a cabeleireiro, spa e cadeira à mesa do restaurante. A estratégia inclui uma infinidade de produtos correlatos, como roupas e acessórios infantis, livros educativos, DVDs e filmes para televisão. O canal HBO anunciou recentemente um contrato com a marca para produzir filmes, séries e documentários sobre as bonecas, que já ganharam vida em outras interpretações de atrizes mirins para televisão, feitas pela Warner Bros.
Outro ponto forte da estratégia é a interatividade da criança na hora de montar um produto: pode-se comprar uma boneca do jeito que se quer. Na linha Just Like You (Assim como você), elas medem 46 centímetros, vêm em pelo menos 23 estilos entre loiras, ruivas, morenas, asiáticas e negras. As meninas escolhem as que mais se parecem consigo. Algumas chegam a comprar roupas idênticas às de suas "filhas" – sejam camisolas, vestidos ou modelos de praia. Além disso, há bonecas bebês, gêmeas e também oito personagens de época, que resumem a história dos Estados Unidos, tornando o aprendizado mais divertido. Kaya, por exemplo, é uma indígena que vivia em 1764, antes de o país ser colonizado por europeus. Felicity retrata uma menina da época da colonização, vivia em 1774, na época da Revolução Americana. E Kit cresceu nos Estados Unidos de 1934, em plenos distúrbios da Grande Depressão.
"A diferença entre estas e as bonecas de outras lojas é que as roupas e os acessórios são muito bem feitos. Todas as minhas amigas da escola têm pelo menos uma – algumas chegam a ter três", diz Maya Klabin, uma brasileira de 12 anos que vive em Manhattan. Ela conta que ganhou a primeira boneca aos sete anos, e que o grande programa era dormir na casa das amigas levando-a junto. Além disso, Maya lê a revista editada pela American Girl para meninas acima de oito anos e visita a loja depois de escolher os produtos no catálogo – o último lançado tem 70 páginas. "A condição para ganhar qualquer coisa sempre foi ler os livros educativos que acompanham as bonecas. Os preços da loja são um absurdo, mas os livros são fantásticos, uma ótima introdução à ficção histórica", diz Simone, mãe de Maya. Para se ter uma idéia, paga-se 102 dólares por uma boneca de época, que vem com livro sobre o referido período histórico. Por um DVD paga-se 10 dólares e por oito dólares compra-se uma blusinha para o Coconut, o cachorrinho das bonecas, que tem uma linha de produtos só dele. A lista de complementos inclui até cadeira-de-rodas e laptop de bonecas.
Considerado um ponto turístico infantil em Nova York, a loja da American Girl, de quatro andares, inclui um restaurante de 150 lugares e cadeira para as bonecas sentarem-se ao lado de suas donas. O restaurante, que também oferece festas infantis, serve diariamente café-da-manhã, almoço e chá da tarde, além de jantar às sextas e sábados. No estúdio fotográfico, as meninas tiram fotos com suas "filhas". Tratar bonecas como se fossem vivas inclui levá-las ao spa (porque nem elas são de ferro), e ao hospital, caso sejam vítimas de algum irmão mais novo. No teatro da loja, com espaço para 150 pessoas, as duas apresentações diárias de uma hora cada são assinadas por profissionais da Broadway e o ingresso só se consegue com antecedência. As bonecas têm, também, um salão de cabeleireiro, onde cinco mulheres lavam e penteiam cerca de 150 bonecas ao dia. Tudo sob o olhar deslumbrado das pequenas clientes. Preço? Quinze dólares por penteado e mais 5 para lavar o rosto... das bonecas! Enquanto fazem o serviço, as cabeleireiras conversam com as meninas e, nas entrelinhas, tentam vender os produtos e serviços que a loja oferece. Frases como "Você só tem uma boneca?" ou "Você nunca comemorou seu aniversário no nosso café?" são comuns por ali.
Susan Jeves, porta-voz da empresa, diz que as bonecas são fabricadas na China e o processo de criação pode envolver profissionais de várias áreas, incluindo historiadores e educadores. "Sabemos que temos muitas fãs em todos os cantos do mundo – ainda assim, não planejamos expandir para outros países, porque ainda temos muito a explorar no mercado doméstico", diz Susan. A revista bimestral com a marca American Girl alcança, segundo a empresa, 650.000 leitoras nos Estados Unidos. Traz jogos, ilustrações, idéias para festas e conteúdo editorial de ficção e não-ficção. A cada edição, a redação recebe cerca de 12.000 cartas de leitoras mirins, um feedback que ajuda a empresa a atender melhor suas consumidoras.
A American Girl foi criada em 1986, pelo educador e editor de livros Pleasant T. Rowland, dono da Pleasant Company. No início, a marca só vendia produtos por catálogo, um meio poderosíssimo de vendas nos EUA. A idéia de Rowland era oferecer produtos que acompanhassem cada estágio de desenvolvimento infantil das meninas: de bonecas-bebês a personagens que despertassem expressões individuais na pré-adolescência. Assim nasceram as várias linhas de produtos, inclusive as oito personagens de época. Em 2001, a empresa lançou a Boneca do Ano. A de 2007 é Nicki, "uma menina do Colorado que adora ajudar os outros, mas tem dificuldade em dizer não." Sim, cada uma tem a sua história, um "currículo" por assim dizer.
Em 1998, a empresa criada por Rowland foi comprada pela gigante Mattel, líder mundial no segmento de brinquedos e fabricante da Barbie, por 700 milhões de dólares. Rowland tornou-se vice-presidente da American Girl e passou a servir no conselho de diretores da Mattel. Aposentou-se no ano 2000, e hoje toma conta de sua fundação, que ajuda crianças de até 12 anos. Rowland foi incluido no livro da Forbes Great Minds of Business (Grandes Mentes dos Negócios), publicado em 1997, por ser 100% comprometido com seu negócio, mostrar flexibilidade, ter remado contra a maré e pelo conhecimento da natureza humana, características que fizeram a diferença para alcançar o sucesso da empresa.
A American Girl em números
* As vendas de 2006 foram de 440 milhões de dólares (cerca de 880 milhões de reais)
* Mais de 117 milhões de livros American Girl foram vendidos desde 1986. A editora American Girl é um das quinze maiores do ramo de livros infantis nos EUA
* Mais de 13 milhões de bonecas foram vendidas via catálago, lojas e website desde 1986
* O catálogo da American Girl está na lista dos 25 que mais vendem nos EUA. O número divulgado em 2004 foi de 50 milhões de unidades enviadas por correio
* A revista American Girl tem tiragem de 650.000 exemplares – é a única dedicada exclusivamente a meninas de oito a 12 anos
* As três lojas – em Nova York, Chicago e Los Angeles – já receberam mais de 19 milhões de pessoas. Cada uma tem butique, café e teatro
* O site da marca recebe 23 milhões de visitas por ano
Desde sua publicação, em 1998, o livro da marca que ensina meninas a cuidarem de si e de seu corpo já vendeu mais de 2 milhões de cópias
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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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