Todas as reportagens

Outras reportagens de: TAM nas Nuvens

Os Gêmeos
02.julho.2008


Tania Menai, de Nova York

“Grafite não tem máscara. Ou faz parte da rua, ou está na galeria, figurando no cenário da arte contemporânea”, diz o paulistano Gustavo Pandolfo, em Nova York, sentado no chão, com a roupa inteira manchada de tinta, uma furadeira na mão e muitas idéias na cabeça. Ao lado de seu gêmeo idêntico, Otávio, ele compõe a dupla artística Os Gêmeos. Simples assim. Inseparáveis desde que se conheceram no útero materno, há 34 anos, os meninos - caçulas de quatro filhos - iniciaram a carreira pintando a parede da sala dos pais, na calada da noite. Expandiram a arte pelos telhados das vizinhas, tomaram os muros de São Paulo, e hoje pintam desde castelos, como fizeram na Escócia, até museus, como a Tate Modern, de Londres. Tudo sempre a quatro mãos. E aqui estão eles, na Deitch Gallery, no SoHo, galeria famosa por abrir seu espaço para artistas do gênero. Gustavo e Otávio passaram um mês em Nova York, trabalhando 12 horas por dia na galeria preparando a exposição Too Far Too Close (Muito Longe, Muito Perto), que fica em cartaz até o dia 9 de agosto. Tudo isso graças ao curador Jeffrey Deitch, dono do bom olho que descobriu a dupla há anos, e lhes concedeu um espaço em Nova York, antes mesmo de qualquer galerista brasileiro reconhecer o talento dos dois – e lhes apresentou para a galeria Fortes Villaça, em São Paulo, onde eles acabaram expondo.


Duas paredes, uma pintada de rosa bebê, outra de verde claro, expõem quadros feitos durante o mês de preparação e outros trazidos de mostras internacionais. Ainda há esculturas, como uma cabeça gigante, feita em madeira, e caixas de som, pintadas com olho, nariz e boca. Já a parede central foi transformada pela dupla num mural de fundo amarelo ouro, que leva a marca registrada dos gêmeos: muito improviso, cenas do nordeste brasileiro, cores fortes e alegres, estampas criadas por eles, e traços que remetem a sonhos, fantasias, alegrias, e um mundo infantil. Uma das pinturas mostra um enorme peixe, que ilustra as pescarias dos gêmeos com o avô, ainda na infância. Duro imaginar que ao fim da exposição, o próximo artista pintará algo por cima. “O Brasil é um país colorido. E isto está imbutido em nosso trabalho”, diz ele, lembrando que sua arte habita hoje espaços de renomados colecionadores brasileiros e internacionais. Certa vez, ao pintar um muro em Coney Island, no Brooklyn, um passante ofereceu 2 mil dólares pelo casaco que Gustava vestia, todo respingado de tinta. “Recusei. É o meu casaco predileto”, conta o artista, sem um pingo de arrependimento.


A área de trabalho dos gêmeos é uma grande escolhinha de arte de gente grande; latex, acrílico, óleo, spray, lixas de madeira, furadeiras, martelos, colagem, luzes e som – tudo espalhado pelo chão, uma grande improvisação. “Este é um reflexo da cultura popular brasileira: se virar com o que se tem”, revela Gustavo. Antes de começar um trabalho, a dupla troca idéias – neste caso, por exemplo, eles passaram dois meses preparando a vinda para Nova York, e ainda trouxeram três assistentes técnicos brasileiros, especializados em mecânica e eletricidade. São eles que dão interatividade, como luz, movimento e som, à parte do trabalho. “Os estrangeiros são atraídos pela nossa arte da mesma forma que são atraídos pelo Brasil – pelo calor humano, pela beleza feminina, e pelo fato de ficar feliz com o pouco que se tem”, acrescenta. Em São Paulo, a dupla divide um ateliê e afirma que, apesar de serem irmãos, e passarem tantas horas juntos, não brigam. Nem um pouquinho. Desde pequenos já desenhavam no mesmo papel. “Não importa quem fez o quê. Nunca houve competição entre nós, isto é impensável. O importante é o resultado final, ” diz ele, pregando no quadro um cavalo de madeira de cem anos, que ganhou de uma amiga.

Gustavo diz que a pintura foi sua a porta de saída de São Paulo. “Mesmo pintando um muro no meio do trânsito, começamos a viajar”. Os Gêmeos colocaram o pé na estrada pela primeira vez em 1994, ao pintar no Chile e na Argentina. Mas foi a partir de 1999 que eles decolaram. Já deram pinceladas no Japão, na Austrália, na China, em Cuba, e na Europa quase inteira. Este ano, trabalharam na Lituânia, cidade do avô da dupla, e ainda pintaram, por dentro e por fora, a casa do palhaço russo Slava Polunin, considerado “o melhor do mundo”. Na agenda de 2008 ainda consta um museu em Curitiba, e também a Holanda, onde pintarão infláveis com um grupo de teatro de rua. Em Nova York, estão pela segunda vez. “Aqui há diferença no público: há gente do mundo inteiro, de diversas culturas. Além disso, a cidade valoriza este tipo de arte há tempos – as ruas e o metrô são todos pintados”, observa. Gustavo lembra, no entanto, que nos Estados Unidos arte de rua é tida como crime. “No Brasil não é assim. Quem pinta muro não vai para a cadeia. Mas claro que pichações em monumentos são ilegais”. Por outro lado, ele ressalta que o Brasil ainda não valoriza esta arte como nos Estados Unidos. Keith Haring (1958-1990), é um exemplo de gente da escola da rua, que começou pintando nos muros da cidade - ao longo dos anos sua obra passou a valer milhões de dólares. Como ele, há vários.

Ao circular pelo mundo, a dupla prefere ruas a museus – para eles, há mais referências nas calçadas e metrôs do que em galerias. Contudo, não dispensam visitas ao Metropolitan Museum of Art de Nova York, que segundo Gustavo é um mundo de informação. A veia criativa dos meninos veio em parte da mãe, que antigamente desenhava, e hoje borda – inclusive, partcipa de projetos dos filhotes. Arnaldo e Adriana, irmãos mais velhos, participam da área criativa e administrativa, respectivamente. Otávio, por sua vez, é casado com Nina Pandolfo, também artista de rua. Já o pai, sempre deu força moral: ia junto às festas de hip hop (que inspiravam os meninos na arte de rua) e nunca deixou faltar caneta, lápis-de-cor e pincel. Para os gêmeos, este foi o rascunho mais importante de suas carreiras.

# # #


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

---

voltar