Todas as reportagens

Outras reportagens de: Época

Vik Muniz: curadoria no MoMA
29.novembro.2008


Tania Menai, de Nova York

O fotógrafo paulistano Vik Muniz gosta de dizer que “ele levou 17 anos para fazer sucesso da noite para o dia.” Iniciou sua carreira nos anos 70, mudou-se para Nova York em 1983, mas foi em 1995 que ganhou seu primeiro grande reconhecimento. Naquele ano, Vik conseguiu emplacar seu trabalho em duas galerias pequenas –ainda assim, numa delas, suas obras estavam tão escondidas, que quase tocavam o chão. Tratava-se da série “Crianças de Açúcar”, na qual imagens de crianças eram formadas por açúcar e depois fotografadas por Vik. Seu talento, no entanto, não escapou dos olhos de Charles Haggan, um crítico de artes do New York Times, que flanava pela galeria sem deixar escapar nenhum detalhe. Sua belíssima resenha no jornal mais poderoso do mundo foi o passaporte para aquisições das obras de Vik pelos museus nova-iorquinos Metropolitan Museum of Art e Guggenheim. Já o Museu de Arte Moderna (MoMA) logo lhe escalou para a exposição New Photography, uma grande porta para o mundo nova-iorquino da fotografia. Mas o segundo sucesso de Vik foi justamente manter o primeiro. Treze anos e inúmeras obras e exposições mais tarde, ele é considerado um dos artistas mais produtivos e valorizados de sua geração. O prestígio é tal que entre os dias 14 de dezembro de 2008 e 23 de fevereiro de 2009, ele assina a curadoria da nona versão exposição Artist’s Choice, ou Escolha do Artista, um projeto que o MoMA criou em 1989 onde artistas exercem, individualmente, o papel de curador, garimpando o acervo com liberdade total para expor obras alheias - uma oportunidade dada pela primeira vez a um brasileiro.

A arte de Vik diverte e instiga. Ao transformar açúcar, chocolate, brinquedos, sucata, diamantes, macarrão e revista picada em portraits ou imagens como cenas mitológicas – para depois fotografá-as - ele brinca com conceitos e metáforas. Casar diversas as midias tornou sua marca registrada. “Eu faria o portrait da ex-candidata republicana Sarah Palin de gelo: derrete rápido”, diz ele, um democrata de carteirinha, às gargalhadas. “Já o Obama ainda é cedo para saber. Mas eu estava lá às cinco horas da manhã para votar nele”, acrescenta Vik, que chega a participar de eventos para levantar fundos para o partido. Leitor ávido, grande conhecedor de história da arte e altamente conectado à Internet (ele tem quase 2.500 “amigos” no site de relacionamente Facebook), Vik vive entre sua ampla casa no Brooklyn – onde também funciona seu estúdio – e o Rio de Janeiro. Seu trabalho pode ser visto ainda no restaurante Bar Boulud, em Nova York, onde as paredes são tomadas por quadros brancos com manchas de vinho (obra criada a quatro mãos, com o chef Daniel Boulud), e ainda na edição comemorativa de 75 anos da revista americana Esquire, publicada este ano, onde figura o retrato do Vladimir Putin feito em caviar. Vik ainda prepara a capa e mais cinco ilustrações da edição de final de ano da revista dominical New York Times Magazine. Esta já é a terceira encomenda da mesma revista.

“Vik é um artista internacional, e seu trabalho é generoso – ele oferece algo tanto para alguém que vê uma obra pela primeira vez, quanto para um colecionador de arte”, diz Meg Malloy, uma das sócias da galeria Sikkema Jenkings & Co., que representa Vik em Nova York. “Suas obras levantam questões como a representação e o ato de olhar”, acrescenta ela, revelando que o preço das obras de Vik começam em nove mil dólares. Hoje, as fotografias feitas por Vik Muniz ainda faz parte do acervo particulares e de galerias em San Francisco, Madri, Paris, Moscou, Tóquio, e, claro, na capital paulista, onde é representado pela Fortes Villaça. Sem falar na lista de museus que incluem Tate Modern e o Victoria and Albert Museum, em Londres,o Getty Institute em Los Angeles, e o MAM em São Paulo. Sua relação com os museus é tão boa, que em 2008 ele criou a mostra VERSO, na qual reproduziu minuciosamente a parte de trás de obras como Noite Estrelada, de Van Gogh, La Grande Jatte de Georges Seurat e “Mulher Passando Roupa”, de Pablo Picasso. Para isso, ele passou dias nos acervos do MoMA, do Art Institute of Chicago e do Guggenheim de Nova York.

A participação de Vik no “Artist’s Choice” foi, na verdade, um acordo de cavalheiros: no futuro, o MoMA pretende dedicar várias galerias para organizar uma megaretrospectiva da carreira do fotógrafo – mas ainda é cedo. Aos 47 anos, nenhum artista de sua idade ou do mundo da fotografia ganhou o espaço que suas obras merecem: por ser ultraprodutivo, o museu acredita que seu trabalho não deve ser editado. “Terei de esperar uns dez ou quinze anos para esta retrospectiva – coisa do gênero conquistada por artistas como o americano Chuck Close (famoso pelos portraits gigantes)”, diz Vik. Enquanto isso, o MoMA lhe ofereceu uma exposição solo no P.S.1 (feita em 2007), um anexo do museu, no Queens, e a curadoria da nona edição do Artist’s Choice. No papel de curador, Vik circula há um ano livremente pelo acervo - e escolheu 80 obras, entre pinturas, esculturas, fotografias, desenhos, videos e filmes. Sua idéia foi encontrar uma linha sequencial que unisse obras de artistas diferentes (nenhuma sua), incluindo Pablo Picasso e Marcel Duchamps. “Temos capacidade de ver uma coisa de cada vez. Por esta razão, a sequência em que acompanhamos uma exposição tem grande influência sobre a nossa opinião sobre ela”, ensina. “Nesta mostra, a ligação entre os trabalhos é mais importantes que os trabalhos em si. E para fazer isso, criei uma exposição que lê como uma sentença, explorando cor, tato, textura e forma”, diz ele, que a intitulou de Rebus, um jogo que funciona como um quebra-cabeça. “O acervo é enorme, foi difícil escolher”, revela o fotógrafo.

Sim, o acervo do MoMA é enorme e de valor incalculável. As galerias reúnem obras como Les Demoiselles d'Avignon, do espanhol Pablo Picasso, a já citada Noite Estrelada, de Vincent Van Gogh, e The Bather, de Paul Cézanne, além de trabalhos dos artistas americanos Andy Warhol, Jackson Pollock e Jasper Jones. Fundada em 1929 pela família Rockefeller, o MoMA recebe hoje 2,5 milhões de visitantes por ano, cobrando 20 dólares a entrada – o valor mais caro para um museu em Nova York. Para acomodar o acervo em constante crescimento, o MoMa chegou a fechar por quatro ano para expandor seu espaço. Foi reaberto em novembro de 2004, com nova arquitetura, assinada pelo japonês Yoshio Taniguchi. Foram quatro anos de obras e 425 mihões de dólares nas reformas. Localizado desde 1939 entre as ruas 53 e 54, perto da Sexta Avenida, suas galerias ocupam um total de 11.600 metros quadrados, sem contar duas salas de cinema e três restaurantes, que pertencem ao grupo do empresário Danny Meyer, papa da gastronomia nova-iorquina.

Autor de um livro chamado Reflex (publicado em portugues pela Cossac & Naif), no qual ele explora seu trabalho e maneira de enxergar a arte, Vik é casado com a artista plástica brasileira, de origem alemã, Janaina Tchape. Ela também usa parte da casa para seu estúdio de pinturas, além de dividir com Vik a obra que ambos têm em comum: a filha Mina, de três anos. Em meio a diversos computadores Apple, alguns assistentes, muitos livros, equipamento fotográfico e material de colagens, Vik gosta de contar histórias. Falante, ele lembra do dia em que apertou a mão de Barak Obama, em 2005, quando visitava Aspen a trabalho. Perante ao então senador, ele elogiou seu discurso feito um ano antes na convenção democrata e recebeu um convite de Obama para assistir a uma palestra naquele dia. Vik não pôde aceitar o convite, mas, minutos depois, ligou para sua assistente, Erika, e disse “Acabei de apertar a mão do próximo presidente dos EUA”. Ele acredita que Obama tem uma história parecida com a sua. “Ambos tínhamos sucessos improváveis”, argumenta Vik, nascido em uma família humilde, no centro de São Paulo – seu pai era garçom e sua mãe, telefonista. “Quem nasce nesse cenário não imagina ser capaz de ganhar dinheiro como artista, viver de arte. A vinda para Nova York possibilitou-me viver de idéias,” diz ele, que mantém o “Centro Espacial do Rio de Janeiro”, um projeto social que envolve jovens carentes interessados em arte.

Vik desembarcou primeiro em Chicago, onde contava com parentes. Meses depois seguiu para Nova York. Sua intenção era estudar inglês na cidade por seis meses e procurar um emprego melhor em São Paulo. Mas este dia nunca chegou. “Desembarquei em Nova York num domingo de verão. Andando pelas ruas, encontrei, sem querer, o MoMA. De lá, fui para o Central Park, onde havia um concerto de Brahms Overture, seguido de fogos de artifício. Nunca tinha visto algo tão lindo. Naquele dia, decidi que iria morar aqui”, recorda. Ainda assim, seus primeiros anos na cidade foram tão difíceis, que ele já teve de escolher entre comida e passe de metrô – e também já passou algumas noites em abrigo de mendigo. “Em Nova York, se você não tem onde morar, pelo menos você tem onde existir”, brinca ele. “Ter vindo para cá foi a minha melhor decisão. Aqui, não importa a classe social da qual viemos - temos o panorama de onde podemos chegar. Para mim, no Brasil dos anos 70, isso não era possível”, nota. Em São Paulo, Vik estudava teatro e ensinava desenho acadêmico; não se interessava por arte contemporânea. Mas em Nova York, fez cursos de artes cênicas. O teatro lhe dava a liberdade de usar várias técnicas e colocá-las todas no mesmo formato – o mesmo veio acontecer mais tarde em sua fotografia. “Estou sempre falando da relação entre os diversos meios. Minha fotografia vem do desenho. Comprei minha primeira câmera em 1990 – já tinha 16 anos de carreira”, diz ele, lembrando que antes da fotografia, ainda viveu a fase das esculturas. “Ainda tenho vontade de trabalhar com teatro e, principalmente, com cinema. Ainda não tive coragem, sou muito duro comigo mesmo. Por enquanto, estou apenas aprendendo.”

Geralmente, Vik executa os trabalhos à noite – “nessa hora, o telefone não toca, minha mente já está cansada e posso dedicar minha atenção, que já é mínima, ao trabalho manual. Por outro lado, trabalho com pesquisa e desenvolvimento de idéias que borbulham constantemente”. O processo de ciração, segundo ele, é completamente caótico. “Não anoto as idéias para que elas fiquem mudando dentro da minha cabeça até o momento certo de executá-las. Isso pode durar dois ou três anos,” diz.” Bem relacionado com colecionadores, ele diz que a atual crise financeira vai afetar muito o mercado das artes. Mas acrescenta que nem tudo está perdido: “quando está todo mundo chorando, tem alguém que vende lenço”. Vik explica que os colecionadores sérios - aqueles que compram arte para ter e não para vender - começam adquirindo obras de galerias menores, as chamadas galerias introdutórias. Nelas, os compradores tem chance de se educar sobre arte e, geralmente, são atendidos com simpatia. Anos depois, eles passam a comprar nas galerias de mais prestígio e menos simpatia. “Mas nesta crise, as galerias pequenas vão fechar, e as grandes vão precisar ser mais simpáticas. É mercado de banana e laranja. O nome do jogo é sobrevivência.”

# # #


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

---

voltar