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O melhor de dois mundos
05.janeiro.2009

Tania Menai, de Londres

Caso o nadador e campeão olímpico americano Michael Phelps trabalhasse no terceiro setor, talvez ele teria algumas semelhanças como a “meio mineira, meio paulistana” Daniela Barone Soares, de 38 anos. Apesar de desfrutar apenas de uma piscina inflável na varanda de seu apartamento de Londres, cidade onde vive desde 2002, Daniela também coleciona medalhas. Em 2008, por exemplo, ela foi citada pelo jornal britânico The Independent, entre as cem pessoas que fazem do Reino Unido um lugar melhor. É ela a CEO da Impetus Trust, a ONG local que ganhou o Charity Awards no mesmo ano, o equivalente ao Oscar das organizações filantrópicas inglesas. A Impetus aplica os conceitos de venture capital no mundo da filantropia, dando assistência a 12 ONGs inglesas que lidam com causas que incluem educação e readaptação de ex-detentos na sociedade, atividades que previnem membros de gangues voltar par ao mundo do crime e iniciativas de prevenção de HIV e AIDS em comunidades carentes. Essa parceria tem aumentado a capacidade de impacto social desssas ONGs em 53% ao ano. Capa de revistas britânicas especializadas e autora de artigos publicados nos mais respeitados veículos do país, como o jornal The Guardian, parte do sucesso de Daniela foi ter construido uma carreira no mercado financeiro para depois converter suas habilidades para o terceiro setor, uma área sempre ávida por profissionais com visão pragmática e estratégica.


Diplomada em economia na Unicamp, Daniela trabalhou no Citibank, por três anos e meio, em São Paulo. Seguiu então para a Universidade de Harvard, onde cursou o MBA. De Boston, mudou-se para Nova York, onde trabalhou no banco Goldman Sachs. Ingressou em private equity e venture capital no BankBoston Capital, primeiro em Boston e depois em Londres. Após sete anos no mercado financeiro, entrou no terceiro setor, em 2003, sem olhar para trás. “As pessoas se impressionam com o fato de eu não ter ficado no desejo - mas ter mudado de profissão. Na verdade nada é tão rápido e nem tão radical assim. Essa transição demorou três anos, envolvendo muita pesquisa e reflexão”, conta Daniela, sentada no sofá branco da sala seu apartamento londrino, onde vive sozinha. Para explicar o papel da Impetus, Daniela diz que ela traduz o modelo do setor privadp para o terceiro setor. “Em private equity não se investe num setor da fábrica e se esquece do outro. A idéia é criar valor para vender aquela empresa pelo dobro ou triplo do que você comprou. Da mesma forma, no terceiro setor não investimos em projetos isolados. Olhamos a ONG como um todo”, explica. “Focamos na qualidade do conselho e na administração – esta ajuda faz parte do planejamento de crescimento. Queremos que aquela organização passe a valer mais e aumente seu impacto social”, afirma Daniela. As ONGs atendidas não dependem só da Impetus; elas são de pequeno-médio porte e contam também com fundações que dão dinherio de uma forma restrita. A Impetus, então, avalia onde mais estas ONGs podem pedir recursos. Desta forma, a ONG passa a ter capacidade de avaliar seus projetos, de ser transparente, de captar recursos, de se comunicar com o público. O CEO deixa de ter a única função de ser um captador de recurso e passa a usar seu tempo para fazer novas estratégias. “Muitas vezes eles não têm tempo para mais nada, já que vivem captando dinheiro de mês a mês; com esta capacitação tudo melhora”, diz Daniela.


Os critérios para escolher quem será ajudado são bem firmes, dado que os recursos são limitados. Daniela diz que ao pesquisar as causas, nota-se que todas merecem ajuda. Por isso, ter foco é fundamental. Hoje, a Impetus concentra-se em duas frentes: em ONGs que lidam com pobreza e ONGs tenham resultaods em geração de emprego, ou seja, aquelas que lidam com cursos técnicos e educação: iniciativas que colquem as pessoas num estado de independência econômica. Ao checar uma ONG, a Impetus analisa se problema está sendo tratado pela raiz, se o modelo é replicável, e se há capacidade de crescimento. Também analisam a liderança. Querem saber se o CEO tem uma ambição social para a organização. Segundo Daniela, nem todos têm. “Apoiamos gente faminta por ter um impacto social ainda maior, mas que hoje não consegue por falta de recursos. Queremos estas pessoas”, revela. Várias ONGs atendidas pela Impetus já deixaram de ser locais para serem nacionais. A Speaking Up, por exemplo, que ajuda pessoas com deficência mental a ter independência, aumentou 50 vezes: de 50 pessoas ajudadas, hoje eles contabiliza 2.500. “Em quatro anos eles passaram de um projeto para 27 na Inglaterra toda”, comemora Daniela. A Impetus é dividida em três áreas: operacional, investimento, e comunicação – a última lida com a midia e com os investidores, que recebem um boletim sobre o impacto social do trabalho. Daniela considera a parte de investimentos o coração do negócio: é a equipe que vai atrás de co-investimento, da captação de recursos e de recursos probono, uma ferramenta importantíssima para o setor. “Não queremos um consultor para servir sopa aos pobres. Queremos que ele ajude com consultoria. Também queremos um diretor financeiro que guie as ONGs em suas estratégias financeiras. Tudo isso requer um planejamento imenso”, nota.

O dia de Daniela é eclético. Além de acordar diariamente antes das galinhas – às quatro da manhã - para praticar meditação, sua agenda pode incluir no mesmo dia um almoço com a princesa Anne e uma visita a um presídio. É ela que lida com a parte externa da organização: fala em conferências, conversa com órgãos do governo inglês, com membros do estado, membros da monarquia e com endinheirados que potencialmente vão doar para a Impetus. E é ela que também vai até as ONGs, acompanha os programas e entra em contato com os beneficiários. “Gosto muito de ser uma ponte entre estes dois mundos – mundos que, na verdade, deveriam ser muito mais próximos”, diz ela. “Não deveria haver a mentalidade de ‘ah, deixa as ONGs fazer, o governo fazer’. A pergunta é ‘o que que eu posso fazer?’ E isso não significa largar o emprego de banco e ir para a ONG, como eu fiz.”

Seu papel de embaixadora busca unir esses lados – Daniela diz que há muito preconceito e muita falta de compreensão entre eles. Mas segundo ela, ser brasileira numa cultura tão tradicional tem suas vantagens – em suas palavras, há algo de exótico. “As pessoas não conseguem encaixar um estrangeiro numa sociedade onde as famílias sabem deonde cada um vem”, explica. “São famílias que vêm do século 15, com um certo sobrenome. Até pelo sotaque, eles sabem se você é pobre, rico, ou vem de alguma parte do país. Mas o fato de alguém ser de fora, abre a cabeça dos ingleses para o novo; e isso é uma grande vantagem”, celebra. Por outro lado, ele revela que por não ser de lá restringe o acesso a certos círculos. No entanto, o sucesso da Impetus tem aberto muitas portas, dando à Daniela sinal verde a círculos seletos.

Daniela faz trabalho voluntário desde os 12 anos. Estudante do colégio São Luiz, em São Paulo, ela foi incentivada a visitar creches, asilos e casas para deficientes físicos e mentais. “A escola trocava dias de aula por estas inciativas – era algo opcional, mas eu sempre ia. Fazíamos teatrinhos com as crianças, conversávamos com os idosos - e lidávamos com deficientes físicos e mentais, o que era mais desafiador”, lembra. “Sempre quis ajudar de uma forma eficaz pois cresci no Brasil vendo as discrepâncias sociais - eu tinha uma educação privilegiada, e a capacidade de fazer alguma coisa boa”. Inicialmente, Daniela pensava em construir uma carreira que lhe rendesse muito dinheiro para, posteriormente, doar recursos para alguma fundação e projetos de educação do Brasil. Só que ela passou a se perguntar quanto tempo isso levaria, o quanto seria suficiente e qual idade ela teria até isso acontecer. “Eu não queria esperar, queria fazer esta diferença agora”, conta. Ela queria aplicar o jeito de pensar e visão do mundo corporativo no terceiro setor. “A maior parte das pessoas que funda e lidera uma ONG têm muito contato e conhecimento sobre a parte social do problema. No entanto, na hora em que a organização cresce, ela precisa de habilidade de gerenciamento – é aí que eu poderia fazer diferença”.

“Quando trabalhava no BankBoston eu fazia bastante voluntariado. Meu dilema era unir ambas atividades”, lembra. Então ela deu início a um programa através do qual, ex-estudantes de MBA de Harvard, residentes na Inglaterra, passaram a colaborar com ONGs. “Isso abriu muitas portas para mim, conheci muita gente – e acabei fazendo um projeto de consultoria em meio ambiente que acabou sendo meu pontapé inicial nesta área”, conta Daniela. Este projeto mostrou a ela, quais eram seus motivadores: em primeiro lugar, o projeto precisa ter impacto social, independente do que seja; em segundo, é preciso que lide com pessoas que ela respeite e que divida o mesmo valor. E em terceiro, é necessário que tenha uma cultura empreendedora, onde Daniela tenha espaço para dar forma ao negócio. Com esta visão, ela ingressou na ONG inglesa Save the Children, onde ficou por dois anos, consolidando assim sua carreira no setor e onde ela teve total liberdade de atuar nas áreas onde liderava. Daniela conheceu os fundadores da Impetus em 2002, quando ela ainda trabalhava no BankBoston. Adorou a idéia, mas na época a organização ainda estava nascendo. Anos mais tarde, quando ela trabalhava na Save the Children, Daniela foi foi numa reunião no mesmo prédio onde fica o escritório da Impetus. Passou brevemente para fazer uma visita e soube que eles precisavam de uma CEO – no entanto, aquele era o último dia para enviar o currículo. Ainda assim, Daniela foi escolhida entre 150 candidatos. “Para mim, este é o emprego dos sonhos, não apenas pelas pessoas que trouxe para o time – quando começei tinham 4 pessoas e este ano já são 13 – mas por poder transformar uma idéia boa, numa organização que vai além da dupla de fundadores”, sorri. Hoje, ambos servem no conselho e como presidente e vice-presidente, e participam de projetos especiais.

Alguma vontade de contribuir com o Brasil? Sim, mas ainda é cedo. “Quando entrei na Impetus eu tinha um objetivo era fazer uma organização do futuro, com sustentabilidade – ser uma instituição e um exemplo de liderança na Europa. Estou no meio desta transformação. Não quero largá-la neste momento”, diz ela, que até recebeu um convite para ser membro de conselho no Brasil. Seletiva, ela recusou. Ela explica que se para se comprometer com algo extra, ela tem de ter tempo. “Se lançaram uma Impetus Brasil, eu adoraria estar envolvida – mas isso não quer dizer que seja eu quem vá tocar. A Impetus poderia ser replicável no Brasil e na América Latina, inclusive participei da Conference of the Americas, em Miami, que lida com estas questões, e reparei que está todo mundo pronto. Daniela lembra, no entanto, que as ligações filantrópicas no Brasil, e na América Latina, ainda são familiares. Na maior parte das vezes, ajuda-se um primo, um parente em vez de uma causa específica, diferentemente da cultura anglo-saxã.

Daniela lamenta ainda que, no Brasil, uma pequena porção de ONGs corruptas fazem a fama das demais. Ela diz que na Inglaterra as pessoas também desconfiam das ONGs, mas de uma maneira diferente: questionam a forma que elas usam e administram as doações. “Esta pergunta é feita em qualquer país do mundo, porque não existem métricas concensuais de mensurar o retorno. Mas no Brasil questiona-se ainda a legitimidade das ONGs”, diz ela. Os ingleses contam com a Charity Commission, um órgão respeitado no país, que monitora e valida as ONGs. “Quem não é idôneo, fica de fora. E nunca li uma notícia deste gênero”, afirma. “Na Impetus ainda estamos aprendendo, mas já existe uma propriedade intelectual. Estamos, inclusive, estudando propostas que recebemos para fazer replicar nossa organização na África e na Austrália. Há vários modelos de parceria que poderiam ser aplicados,” conclui.

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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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