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O Missionário da Caipirinha
05.dezembro.2009

Tania Menai, de Nova York

Steve Luttmann não conteve a alegria ao saber que o Rio de Janeiro sediará a Olimpíada de 2016. Não, ele não mora no Rio. Tampouco é atleta. Ele é o empresário por trás da cachaça Leblon, a bebida com nome de bairro carioca que é líder de mercado nos Estados Unidos.

Steve – uma espécie de exército-de-um-homem-só na divulgação do destilado brasileiro pelo mundo – tinha razões para comemorar. Naquele dia de outubro, segundo ele, pela primeira vez o nome “caipirinha” foi usado no título de uma matéria na imprensa americana.

“No dia da vitória, a Associated Press espalhou para o mundo que os cariocas estavam ‘bebendo caipirinha pelas ruas do Rio de Janeiro’ ”, lembra o executivo na sede de sua empresa, um grande loft de Manhattan onde reluz um alambique em meio a computadores e fotos da bela praia vizinha a Ipanema.

Steve e seus sócios produzem (no Brasil) e vendem cerca de 450 mil garrafas de Leblon por ano, espalhando potencialmente 7 milhões de caipirinhas pelo planeta. Apenas 16% da produção fica no Brasil – o resto é exportado para 12 países.

Mas o empresário faz mais do que produzir e distribuir a purinha. Ele mesmo se atribui duas missões: a primeira é educar os americanos sobre a cachaça e a caipirinha. E outra é fazer com que o governo de seu país reconheça de papel passado a identidade própria da cachaça, no lugar do infeliz rótulo “Brazilian Rum”, como a caninha é classificada oficialmente por lá.


Caipirinha, só de cachaça

Há ainda uma terceira missão, especial para o Brasil: Steve quer lembrar aos brasileiros da classe A que caipirinha se faz com cachaça. Vodca é coisa de russo. “Vodca não tem gosto, em todos os sentidos da palavra”, diz o americano. “Já a cana-de-açúcar traz para a cachaça aroma, sabor, personalidade e camadas de complexidade, da mesma forma que a tequila traz para a margarita.”

Nessa tarefa, ele tem um aliado: o premiado chef brasileiro Alex Atala, que escolheu a Leblon para fazer as caipirinhas do Dalva & Dito, seu restaurante de comida brasileira em São Paulo. Atala diz que concorda em gênero, número e grau com Steve.

“Margarita sem tequila é margarita?”, pergunta o chef. E responde: “Não é, não”. Pois o mesmo critério deve valer para a caipirinha. “Vamos usar a vodca para fazer o que deve ser feito com ela”, diz Atala. “É preciso respeitar a cachaça, e a vodca também”.

Nos EUA, a campanha de Steve se chama “Legalize Cachaça”. No Brasil, “Salve a Caipirinha!” Ambas são divertidíssimas. Quando o Rio foi eleito para a Olimpíada, a Leblon promoveu caipi-hours em bares de dez cidades americanas.

Ele criou até uma caipirinha especial para a ocasião, nas cores da bandeira brasileira: limão verde, limão galego e blueberry. E não se esqueceu das cidades derrotadas. “Também oferecemos a versão ‘Consolação’ para Chicago, além de duas receitas lembrando Madri e Tóquio – as quatro são deliciosas”, diz.


A causa da cana

A Leblon também promove festas e passeatas com o tema “Legalize Cachaça” em bares de Nova York, no meio do trânsito de Los Angeles e na Bourbon Street, a rua dos levantadores de copo de New Orleans.

Numa segunda-feira, PIB acompanhou a turma em um dos três bares nova-iorquinos por onde passou a peregrinação do dia. Steve estava lá, em meio a cartazes e bandejas de caipirinha. Está tudo registrado no YouTube, que a Leblon também usa para divulgar receitas e ensinar a pronúncia e origem da “ka-SHA-sa”.

Munidos de cartazes e megafones e vestidos em camisetas verdes com o logo da campanha – o Legalize Cachaça! –, os propagandistas da bebida não passam despercebidos. Fazem grande algazarra, como quem defende uma causa política.

Às vezes, chegam a ler em público uma suposta declaração a favor do reconhecimento oficial da bebida. Em New Orleans, usaram até aquelas perucas brancas empoadas que fazem parte do ritual dos tribunais de tradição anglo-saxã.


A educação do consumidor

O lançamento da Leblon nos EUA teve o assessoramento da consultoria britânica McKinney Rogers, especializada em desenvolver estratégias de negócios e expansão internacional de marcas globais, especialmente do ramo de bebidas.

Damian McKinney, CEO da consultoria, esteve recentemente em São Paulo, onde inaugurou o primeiro escritório da empresa na América Latina. Como foi trabalhar uma bebida tão identificada com o Brasil no mercado americano? “Foi fácil”, respondeu McKinney, destacando a maneira criativa como Steve tenta tornar a cachaça popular entre os norte-americanos.

Steve explica a razão de sair da rotina: a empreitada de educar o consumidor americano tem de começar pela mudança na mentalidade de importação. Seria muito mais fácil e barato alguém em São Paulo ou Belo Horizonte fechar o contêiner com as bebidas, enviar para os EUA e deixar o resto do trabalho para o importador e distribuidor.

“Mas não é assim que funciona”, ensina ele, que trabalhou na divisão de destilados finos da grife francesa LVMH (Moët Hennessy Louis Vuitton). Lá, aprendeu uma lição: quando os franceses quiseram vender champanhe nos EUA, se mudaram para cá, em vez de simplesmente exportá-la da França. “Eles se integraram ao mercado local e ensinaram os americanos a falar ‘cham-pa-nhe’ ”.

O lobby da cachaça

Steve segue o mesmo caminho: “Vendemos Brasil numa garrafa”, resume. “Ao beber uma caipirinha, as pessoas viajam por alguns instantes para o Rio de Janeiro sem ter de comprar uma passagem aérea”, diz com um sorriso, lembrando que uma garrafa de 750 ml de Leblon custa entre US$ 25 e US$ 30.

Steve conta com um time de bartenders-celebridades espalhados pelos EUA que o ajudam a disseminar a caipirinha e os drinques feitos com a cachaça (são pagos para isso). São figuras conhecidas no ramo, donos dos próprios bares, que criam bebidas e se dizem “mixologists”.

“Passamos muito tempo com eles, ensinando e os inspirando” diz Steve. O resultado? “Eles criam receitas incríveis, nos ensinando de volta.” O caminho é longo. Nos EUA, a margarita é ainda o coquetel número um.

Mas Steve lembra que, quando os mexicanos entraram no país com a tequila, sofreram o mesmo que ele está sofrendo agora: para os americanos, a tequila era o Mexican Rum.

O processo burocrático para extirpar o nome Brazilian Rum das garrafas da branquinha vendidas nos EUA está, afinal, chegando ao fim, segundo Steve.

“Foi difícil: o governo brasileiro está há dez anos tentando que o nome ‘cachaça’ seja aprovado pelo governo dos Estados Unidos, e o pedido foi recusado algumas vezes”, conta ele.


Questão de batismo

Qual a razão? Os americanos não entendiam o que é uma birita legítima e tentavam rotulá-la a partir do ponto de vista técnico, relacionado à matéria-prima e ao processo de produção.

“É como chamar de Mary uma pessoa que nasceu e cresceu Jane”, ele compara. “Não se pode trocar o valor cultural de um produto pelo critério científico, sem falar que o sabor de cachaça em nada lembra o do rum; é muito mais parecido com o da tequila”, argumenta.

Mas o mercado da caninha vem aumentando nos EUA – a Leblon lidera com um terço do total, seguida por Pitu, 51 e Sagatiba – mesmo que apenas 20% dos americanos conheçam a existência da bebida, segundo Steve (ainda assim, é o dobro do ano passado).

Além disso, o Instituto Brasileiro de Cachaça (Ibrac) contratou um lobista, levou o problema à embaixada do Brasil e, juntos, foram explicar à agência americana responsável por rotular as bebidas que, como diz a marchinha, “cachaça não é água, não”. Muito menos rum.

O próprio Steve se envolveu no processo e diz que a resolução mudando a classificação da bebida deve ser aprovada a qualquer momento. Uma vez publicada, torna-se lei em 60 dias.

Steve foi apresentado à caipirinha em 1997 em São Paulo, onde chegou a morar. Apaixonou-se ao primeiro gole. Manteve-se incrédulo durante anos ao ver que seus conterrâneos não conheciam a bebida favorita dos brasileiros.

Ao notar o sucesso do mojito – drinque cubano feito com rum, limão e hortelã – entre os americanos, percebeu que a caipirinha também poderia ter sua vez. “O mojito quebrou a barreira que os bartenders tinham para socar o limão, coisa que se exige na caipirinha”, diz. “Eles gostam mesmo é de misturar.”

Steve juntou essa visão à sua experiência, adicionou uma crise de meia-idade, deu uma chacoalhada com grande dose de entusiasmo, mais umas pitadas de açúcar, e fundou a Leblon, em parceria com o sogro brasileiro, Roberto Stoll Nogueira, um sócio francês, Gilles Merlet, mais um inglês e um africano.

“O Brasil tem tudo o que torna uma marca vibrante: festa, gente bonita, beleza e o Plano Real, que trouxe muitos benefícios ao país”, diz ele, casado com uma paulistana.


Destilaria mineira

O nome Leblon nasceu na própria praia, ao lado do morro Dois Irmãos. “São duas sílabas, um som meio francês, um pedigree, um bairro sofisticado e conhecido”, explica.

Depois de viajar de carro durante alguns meses em busca da destilaria certa, Steve, o sogro, o sócio francês e o inglês encontram a menina dos olhos em Patos de Minas, na região do Alto Paranaíba (MG).

Compraram a fazenda com a aprovação total de Gilles, que de consultor virou sócio, trazendo o know-how de sua família, dona de uma destilaria na França. A cada ano, eles melhoram a propriedade, hoje rebatizada Maison Leblon. “É um pedaço da França no meião do Brasil”, define Steve.

Ele diz que os sócios já investiram mais de US$ 15 milhões na Leblon, que tem 60 funcionários, divididos meio a meio entre a destilaria brasileira e a operação comercial e de distribuição nos EUA.

No Brasil, a Leblon tem uma abordagem diferente da usada nos Estados Unidos: “Celebrem o Brasil, celebrem essa fantástica bebida!”, diz Steve. Foi esse mote que o levou a juntar-se a Alex Atala – conhecido por usar ingredientes brasileiros – para levantar a bandeira da campanha.

Atala explica que escolheu a Leblon para as caipirinhas do Dalva & Dito porque é uma cachaça que alia alta qualidade ao volume de produção. “O fato de terem um mestre-destilador francês com experiência em conhaques já indica um trabalho sério”, afirma.

Steve ressalta que o Brasil tem ótimas marcas da aguardente de cana, mas os consumidores precisam entender a diferença entre uma pinga industrial, que, para ele, lembra a produção de etanol, e a aguardente de alambique. “A segunda é totalmente artesanal e pura; utiliza-se cada centímetro da cana”, explica. “E o melhor: não provoca aquela dor de cabeça no dia seguinte”. Dito isso, saúde.

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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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