Todas as reportagens

Outras reportagens de: Airbone

A Bela na Tela
01.janeiro.2010


Tania Menai, de Nova York

A linha G do metrô demora. A rua, no Brooklyn, é inóspita. No entanto, ao tocar a campainha do estúdio da artista plástica meio brasileira, meio alemã Janaina Tschäpe deixamos o preto e branco do mundo do lado de fora. Aos 36 anos, e um corpo esguio de 1,78 m, Janaina recebe esta reportagem com um grande sorriso. Ela veste calça jeans, sandália, camiseta preta sem manga, com as alças de veludo do sutiã `a mostra. Seus longos cílios emolduram olhos cor de mel, os longos cabelos loiros estão presos num rabo de cavalo, e nos dedos, dois anéis dourados gigantes. Janaina, que hoje é representada por galerias em Nova York, Paris, Tóquio, Bruxelas, São Paulo, Berlim e Atenas, é de uma autenticidade ímpar. Avessa ao mundo das celebridades, revistas de fofocas e notícias do gênero, ela coloca seu trabalho `a frente de si. Como boa nova-iorquina, ela aprecia o que a cidade tem de melhor: o anonimato. “Para um artista isso é muito importante. Ao contrário do Brasil, ninguém pergunta de quem você é filho. E diferentemente da Alemanha, ninguém pergunta com quem você estudou”, aponta.

Seu estúdio reflete a leveza de seus trabalhos. As paredes são branquíssimas, o pé direito alto, e a luz entra de vários lados, inclusive do teto. Ali estão suas obras de fotografia, aquarela e óleo sobre tela, além, é claro, de rabiscos em “giz de cera sobre parede” de sua filha Mina, de quase quatro anos, cujo pai é o fotógrafo paulistano Vik Muniz. Uma sala de estar fica ao lado de uma estante onde figuram livros de arte e no centro do estúdio uma mesa enorme agrega uma quantidade incalculável de pincéis, tubos de tintas e lápis de cor. “Não tenho paciência para lavar pincéis – compro os mais baratos e os jogo fora depois de usar”, diz a irreverente artista. Haja pincéis. Contrastando com todo este branco, o fundo do estúdio está revestido pelo novo trabalho da artista: duas telas que formam um quadro de 2,5 metros por 4 metros, ainda sem nome, que ressalta a principal característica do trabalho de Janaina: cores, natureza e umidade. Suas pinturas transmitem sensação de pântanos mágicos, com uma textura que, vezes, lembra os traços do pintor austríaco Gustav Klimt. Ela chega ao estúdio diariamente `as dez da manhã e lá fica até as seis da tarde. Fecha a porta que a divide de sua assistente, liga a música, e produz.

Até mudar-se para Nova York, em 1997, Janaina se equilibrou entre suas duas nacionalidades. Ela nasceu em Munique, de pai alemão e mãe brasileira. A família mudou para o Brasil quando ela tinha apenas um ano de idade; morou em São Paulo e no Rio, mas aos onze anos voltou para a Alemanha, onde viveu até os 16 anos. Fez a mala novamente e foi morar em Curitiba. Cursou o terceiro ano colegial, e retornou `a Alemanha, desta vez, sozinha, para cursar a Academia de Arte em Hamburgo. Mudou-se para Berlim e, aos 21 anos, deu coceira de novo. Morrendo de saudades do Brasil, foi viver por um ano em Salvador, onde estudou na Escola de Belas Artes. Mais uma vez, Janaina voltou para Alemanha, onde terminou a faculdade, em Berlim. De lá, seguiu para um mestrado na School of Visual Arts, em Nova York. Abandonou o curso depois de um ano. “Eu era rebelde”, diz ela rindo de si. Decidiu, então, fazer mestrado na Alemanha, mesmo morando em Nova York. “Eu fazia os trabalhos aqui e mostrava para os professores lá. Os alemães são mais liberais; .basta apresentar o seu trabalho e manter contato com os professores”, diz ela, sentada no sofá, mordendo uma pizza de mozzarela, acompanhada por uma lata de Coca-Cola. Seu primeiro bairro em Nova York foi o East Village, o epicentro da arte vanguardista. Em 2000, mudou-se para o Brooklyn, onde vive até hoje, com Mina. “Não consigo me ver morando em nenhum outro lugar”, diz ela, que acaba de tirar carteira de motorista e comprar um jeep para explorar as redondezas da cidade. “Berlim está borbulhando culturalmente. Mas nenhum lugar é como Nova York”, diz ela, com sotaque carioca. “Aqui, as pessoas se jogam mais. Como a cidade é muito cara, artistas são representados por galerias muito mais cedo do que na Europa”, revela Janaina. “Quando cheguei aqui, aos 24 anos, eu era ambiciosa e ansiosa, por isso me dei bem nesta realidade,”diz lembrando que, na época, freqüentava inúmeras vernissages e devorava quadros do Metropolitan Museum of Art.

“Minha estória com a pintura é aquela coisa clássica, quase brega: aos quatro anos eu já falava para os meus pais que eu queria ser artista”, lembra ela, que seguiu a meta de viver de sua arte, colocando o prazo de 30 anos de idade para alcançar este objetivo. E conseguiu. “Eu desenhava e pintava o dia inteiro. Acho que vi o meu primeiro homem pelado aos onze anos, na aula de desenho. Desenhei o homem inteiro e deixei a ‘tal parte’ em branco”, ri Janaina. “Nem me dei a possibilidade de ser outra coisa. Sempre fui muito focada; e como ninguém da família era artista, tive sempre que provar para todos que meu desejo era sério. Essa foi uma das razões pela qual sai de casa tão cedo”, conta Janaina, que não quis estudar no Brasil pois achava o estilo “muito acadêmico”. “Vários artistas que me interessavam davam aula em Berlim e em Hamburgo; além disso, quis voltar para a Alemanha porque, por ter vivido minha adolescência lá, eu me sentia alemã”, explica. “Meu entendimento de artes plásticas tem base no romantismo e em Goethe, por exemplo”. No entanto, Janaina sentia que suas raízes eram brasileiras. Por isso, em uma de suas estadas no Brasil escolheu Salvador: ela buscava a cultura afro, para entender o Brasil por outro ângulo.

No início da carreira, a artista cortava e rasgava seus quadros. Aos poucos, eles foram virando esculturas. E de escultura, ela começou a produzir objetos infláveis, fáceis de colocar na mala durante a época de suas idas e vindas pelo globo terrestre. “Em vez de usar meu dinheiro para alugar um estúdio, eu comprava passagens aéreas – fui para o Canadá, Tchecoslováquia, para todos os cantos”, lembra. Foi ai que a fotografia e o vídeo entraram em sua vida: ela precisava registrar seu trabalho pelo mundo, inclusive para se comunicar com seus professores. Um de seus projetos foi “100 Little Deaths”, ou ‘As cem mortinhas’, como ela diz, informalmente. Durante sete anos, Janaina fotografou cenas onde ela aparece morta, com o rosto para baixo, em diversos países. “Deixei qualquer escultura de lado e usei apenas o meu corpo”. As primeiras fotos da série, ela mesmo fotografava. Mas depois que uma faxineira de um restaurante em San Sebastian, na Espanha, ofereceu-se para fotografá-la, Janaina passou a pedir para pessoas aleatórias, como turistas, clicarem a cena. “Eu era a musa do meu trabalho”, diz ela. “Era apenas eu e minha câmera. Havia uma auto reflexão sobre a minha cultura e a minha relação nos lugares onde eu estava”. Anos mais tarde, ela queria mais; buscou câmeras maiores, que precisavam de assistentes. Então ela deixou seu próprio corpo para fotografar amigas, muitas vezes com fantasias seres criados por ela, feitos de balões, látex e múltiplas pernas. “Mulheres tem mais facilidade de dialogar com seu próprio corpo do que homem”, acredita.

Depois de dez anos longe dos pincéis, Janaina voltou a desenhar: ela queria explorar como seriam estes seres mágicos, que ela mesmo costura, por dentro. “A pintura é uma arte muito intensa e sedutora. Por isso fiquei tanto tempo sem pintar. Hoje consigo equilibrar a pintura com o vídeo e a fotografia”, celebra. “Na época da faculdade, aquele prazer me consumia, eu queimava e rasgava as telas. Agora tenho uma relação menos emocional e mais profissional com esta arte”. Além disso, a vida de Janaina mudou. Em vez de rodar o mundo, ela tem uma filha, uma rotina e faz pelo menos uma residência artística por, em alguma outra cidade. Em 2008, foi para o Arizona com a Mina, região árida cuja paisagem é antagônica `a chuva, exotismo e brasilidade de suas obras. “Sempre fotografo e filmo na natureza. Não fotografo no estúdio; a fotografia apenas complementa a minha pintura,” diz. “Quando voltei a pintar, minhas fotos ficaram mais coloridas. Na minha arte, uma coisa não existiria sem a outra”, conclui.

# # #


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

---

voltar