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Do Posto Nove para a Madison Avenue
01.junho.2011

Tania Menai, de Nova York

Lidar com prazos apertados, clientes complicados e egos inflados é a parte pouco glamurosa que os publicitários enfrentam diariamente. E fazer isso na cidade mais competitiva do mundo, não é para qualquer um. No entanto, quatro cariocas estão tirando de letra no mercado de Nova York. Eles tem acompanhado a mudança quase radical da mídia tradicional para a mídia digital, tentam adaptar-se `a cultura americana, seja na forma de trabalhar ou de criar, e colocam em suas campanhas o que eles trouxeram de mais valioso na mala: a criatividade brasileira. “Nunca estive no Brasil, mas o que sei é que sei se trata de um país de cores brilhantes, música incrível, arte vívida e um cenário deslumbrante”, diz a redatora senior Elizabeth King, da Kirshenbaum, Bond & Parters (KBP), de Nova York. “Tudo isso entra nos genes dos criativos brasileiros. Todos os que conheci, incluindo minha ex-dupla de criação, tem esta característica. Certamente, não se trata de uma coincidência”.


SUZANA APELBAUM

A carioca Suzana Apelbaum aterrissou em Nova York há apenas um ano, mas já chegou na cidade pela porta da frente. Aos 37 anos, ela veio ocupar o cargo de diretora executiva da agência Strawberry Frog, a convite do dono, comandando a conta global das fraldas descartáveis Pampers, entre outras. “Aqui abordagem vão na contramão das demais agências: primeiro tenta-se entender o que está acontecendo na sociedade, para depois criar e adequar uma campanha para o produto dentro daquela realidade”, explica Suzana. No mundo digital há quem se importe com o número de “likes” no Facebook. Mas o importante é saber o que as pessoas vão fazer com esses “likes”, alerta ela, dona de uma energia adolescente e que comanda uma equipe de mais de 20 pessoas, dá aula de publicidade digital no Hyper Island, escola de mídia digital, e “tuita” o dia todo. “Quando a conta da Pampers entrou para a agencia, ela tinha 4 mil fãs no Facebook. Hoje tem 500 mil”, comemora.

Empolgada, Suzana mostra um jogo que criou para celulares, para o cliente Future Friendly, marca sustentável da Procter & Gamble, que ensina crianças a cuidar do meio-ambiente, preservando água, energia e reduzindo lixo – a cada ponto conquistado, preserva-se uma árvore no mundo. “Hoje, se uma campanha não funcionar no meio digital, na mídia social e na móvel, não é uma boa campanha”, afirma a publicitária. Ela chegou com o desafio de trabalhar em inglês, aprender o “idioma” da própria agência e falar com gente de diversos sotaques, pois a agencia tem contas globais e cultiva o multiculturalismo: apenas 20% da equipe são americanos. “Mesmo com inglês ainda em fase de adaptação, tive de tomar decisões importantes perante presidentes de empresas, como o da Procter & Gamble, e criativos de alto escalão”, recorda. “No Brasil, pessoas deste nível me seguem no Twitter. Aqui, sou a Mrs. Nobody”, ri Suzana, que também é atriz, formada pelo Tablado. “Foi um grande exercício de humildade – a dinâmica aqui é muito diferente. Foi um renascimento, até no lado pessoal: tirei todos os meus cachos do cabelo”, diz ela, em uma sala de reunião da agência, onde figura uma ilustração sapo vestido de Che Guevara na parede.

Sua experiência começou quando a própria internet usava Pampers, há mais de dez anos. Suzana trabalhou na agência paulistana AgênciaClick – quando ela entrou a empresa contava com 30 pessoas; quando ela saiu, quatro anos mais tarde, o corpo de baile somava 300. De lá, ela foi para a J.W.Thompson, pois buscava um lado mais sólido – como estratégia – e a possibilidade de criar para todas as mídias, alem da digital. “A midia digital é uma das melhores ferramentas para se poder viabilizar comunicação. Mas uma idéia precisa de várias plataformas, por isso é arriscado ter uma agência apenas focada no mundo digital”, argumenta. Agência Click, ficou quatro anos quando a Internet começou a aparecer, 30 pessoas, saiu de lá tinham 300 pessoas, passou pela J.W.Thompson, ela estava apaixonada por internet mas começou a sentir falta de estratégia, poder criar para todas as mídias. Dois anos mais tarde, foi chamada pelo empresário Nizan Guanaes para digitalizar a agência África, um processo desafiador – pois a maior parte do time não entendia a importância daquela revolução. “Foi um processo sofrido: durante dois anos inseri a cultura da interatividade para agência. E isso vai além da criação: todos os setores tem de estar envolvidos”, disse ela, que criou a trinca de criação, no lugar da tradicional dupla. O terceiro era o responsável pelo lado online da campanha. “Por um ponto não fomos a agência digital do ano”, sorri. O sucesso animou Nizan, que abriu a agência Hello – mas a idéia foi melhor do que a estratégia e a Hello acabou fundindo com outras empresas do grupo. “Este foi um dos episódios mais doloridos e fascinantes, além de um aprendizado incrível. Era uma agência tida como criativa, mas com sócios errados”. Foi este o timing certo para ela, finalmente, aceitar o convite da Strawberry Frog – feito cinco anos antes - e mergulhar de cabeça em Nova York.


Marcelo Ermelindo


Marcelo Ermelindo, 42 anos, está em Nova York há 22 anos, há 12 trabalha na área, depois de se formar e estagiar na área. Há três anos é diretor de arte da J.W. Thompson, onde cria para diversos produtos da Johnson & Johnson. Nosso grupo faz tudo, mídia impressa, eletrônica, digital, “out-of-home” (os displays na rua), jogos para iPad. “Sempre apresentamos todas estas possibilidades – é o que chamamos de 360 graus. “As pessoas estão vendo esta segmentação como um problema – e eu discordo. Na verdade, este é um ativo, uma possibilidade de alcançar um maior número de pessoas. É uma forma de você alcançar a sua história em outro meio”, diz ele, sentado no café da J.W.Thompson. “É muito mais gratificante – uma idéia boa funciona em todas as mídias. Hoje, por exemplo, as pessoas não assistem mais tanta TV – então temos de alcançá-la no iPhone.”

Um publicitário estrangeiro precisa de um tempo para captar as nuances da cultura e passar isto para o trabalho publicitário. Temos que saber sobre o humor, conhecer um personagem que fez sucesso há quatro ou cinco anos; quanto mais tempo num país, melhor. Não que uma pessoa recém chegada não consiga fazer o mesmo; apenas diferente. Um novato vindo de outro país traz outra cultura na bagagem, e isso ajuda muito a executar o seu trabalho. Falar bem é importante, principalmente em publicidade, porque você tem que vender o seu produto. Sempre me incomodava ter sotaque, e de uns anos para cá, tenho conversado com diretores de criação e gente dos quais eu sou próximo, e aprendi que na verdade, para eles ter sotaque é um ativo, é sinal que temos algo para acrescentar. “Certa vez, um diretor de comercial comentou comigo que ele é muito mais propenso a escutar um criativo com sotaque, do que um americano sem”, conta Marcelo. “Comecei a encarar meu sotaque, do qual não consigo me livrar, como um ponto positivo”. De qualquer forma, ele acrescenta que é importante falar bem, usar os verbos e entonações corretamente. “Ao contrário do que muitos pensam, inglês não é um idioma fácil; eles tem palavras para tudo.” Antes da J.W. Thompson, Marcelo fez estágios e trabalho de freelancer, até ser chamado para a formação de uma agencia nova chamada Union. “Eram cinco pessoas, os donos e eu – fazíamos de tudo. Filmei muito mais comerciais lá do que eu filmo aqui: com isso, aprendi em três anos o que eu teria aprendido em seis numa agência como a que trabalho hoje”, explica ele. “Agências grandes são muito segmentadas, então você não tem acesso ao todo.” No entanto, Marcelo conta que trabalha com um diretor de criação mais novo do que ele, super inteligente e antenado. Ao mesmo tempo, eles trabalham com uma conta difícil, porque a Johnson & Johnson é uma marca voltada `a família então qualquer nuance pode ofender consumidores. “Aqui nos EUA, os consumidores ligam mesmo”.

ALESSANDRA LARIU

Não é qualquer um que figura na lista das “100 Pessoas Mais Criativas de 2010” da revista americana Fast Company. E lá está Alessandra Lariu, 38 anos, ocupando a 29a posição. Carioca, ela trabalha em Nova York desde 2008, depois de viver em Londres desde 1995, onde começou sua carreira e conheceu seu marido, também publicitário no meio digital. Alessandra estudou produção editorial na UFRJ – sempre gostou de design gráfico, ela trabalhava para o jornal da faculdade, e lá tinha acesso a computadores. “Sempre fui nerd, aprendi tudo sozinha, queria saber fazer eu mesma”, conta Alessandra, sentada num café da Orchard Street, rua histórica em Manhattan. “O sistema ainda era o DOS, mas eu era teimosa, ficava lá até entender aquilo”. Ao terminar a faculdade, ela ganhou uma bolsa para fazer publicação eletrônica e começou criando CD-ROMs; fez a primeira página de internet em 1995, começou a trabalhar em design interativo até conquistar a posição de diretora de arte. Sua carreira decolou em Londres, onde ela passou por diversas agências especializadas na área digital. “Antes mesmo de existir e-card, eu fazia cartões digitais em CD-ROM e disquetes!”, lembra ela, que viveu em Londres até mudar-se para Nova York.

Em 2008, ela ingressou na McCann Ericson, de onde saiu em abril passado para se dedicar de cabeça ao SheSays, um projeto que ela criou em 2006, em parceria com uma outra publicitária, ainda em Londres. “Criamos o SheSays, para incentivar mulheres no meio de mídia digital. Até então apenas eu e a Laura éramos chamadas pra julgar prêmios e dar palestras. “Queríamos competição, então em vez de ficar reclamando, criamos este movimento”, diz Alessandra. A idéia era fazer com que as mulheres alcancem cargos elevados nos meio digitais. A cada mês, elas organizavam palestras em agências, escolhendo um tema e chamando as mulheres chaves nas áreas em questão para palestrar. “O grupo de Nova York já tem mil mulheres e o de Londres já passa disso. A divulgação foi toda boca-a-boca,” orgulha-se ela contabilizando 3 mil publicitárias em 10 cidades. “O mais interessante é que não há hierarquia; não cobramos taxa para nada, e os temas são sugeridos pelas próprias mulheres. Uma vez escolhido o tema, chamamos as mais experientes para palestrar.”

O SheSays ainda promove um programa de mentoras, entre elas, chamado Who’s your Momma? Alessandra ainda planeja cursos práticos, onde homens são bem vindos -, além de um braço da empresa dedicado a recrutamento de profissionais. “Estou sempre recomendando profissionais para lá e para cá”, diz ela. “O reconhecimento do meu trabalho na Fast Company me deu a confiança que eu precisava para criar meu próprio negócio”, diz ela, que dá aula em três escolas diferentes na área digital. “As pessoas que vêm para este curso tem de estar aberto para o digital; muitos publicitários ainda tem resistência, principalmente os mais velhos.” Alessandra costuma dizer que Nova York suga as pessoas. “Você sai um bagaço do outro lado”, diz ela. “Tento sair duas vezes por semana em eventos da área e as outras noites faço coisas pessoais, alem de cuidar de uma obra de uma casa de campo que eu e meu marido estamos construindo perto da cidade”. Para dar um freio na vida, Alessandra pretende trabalhar desta casa pelo menos uma vez por semana, cercada pelo verde.


DANIELA GANEM VOJTA

“Estou nos EUA há 16 anos - talvez seria um choque maior trabalhar no Brasil do qua para o mercado americano”, diz Daniela Ganem Vojta, 36 anos, diretora de criação Saatchi & Saatchi. Sua maior conta é o detergente Tide, líder de mercado, cliente para qual ela trabalha para toda a America do Norte. “Esta é a cultura que eu vivo então criar para os americanos não é um desafio.” Daniela diz que ao conversar com colegas brasileiros, ela repara que os prazos para executar trabalhos nas agencias de Nova York são maiores do que no Brasil. “Receber um briefing para entregar no final do dia raramente acontece aqui – os projetos são mais organizados neste sentido”, repara. “Temos projetos nos quais estou trabalhando hoje que só vão ao ar em 2012”, conta a publicitária. A vantagem de ter mais tempo, segundo ela, é a possibilidade de trabalhar melhor uma idéia. Sem falar nos orçamentos, que são sempre gordos. “Minha última produção foi de 2 milhões de dólares, incluindo mídia impressa, televisão e outros meios”, revela. “Isso nos possibilita trabalhar com os melhores editores, fotógrafos e produtores”. Por outro lado, ela reparar que hora de almoço quase não existe num escritório americano.

Daniela conta que para conseguir um emprego na área é preciso já vir da faculdade com um portfólio de primeira. Ainda assim, segundo ela, não basta ter uma boa idéia: o maior obstáculo sempre é vender esta idéia para o cliente. Pela primeira vez ela está gravando um comercial que será veiculado em 40 países, incluindo o Brasil. “Um ponto bom de estar em Nova York é a possibilidade de trabalhar com projetos globais, como este”. Ela acrescenta que o trabalho está cada vez mais diversificado em mídia social e digital. “Nos EUA ninguém mais assiste TV em tempo real. Então estamos criando para todas estas plataformas – inclusive, fazemos parcerias com outras agências”, diz ela. Seu dia-a-dia tem diversas reuniões. Você não imaginaria que um detergente tenha mais de mil projetos acontecendo no mundo. Isso é incrível. Acabamos de voltar de Los Angeles, onde ficamos três semanas produzindo um comercial para TV e mídia impressa. Ainda supervisiono trabalho de outras equipes”, diz ela, ressaltando que, ao contrario de alguns diretores de criação, ela ainda faz lay-out e coloca a mão-na-massa. Muitos só supervisionam o trabalho alheio.

Ela estudou na Escola Superior de Desenho Industrial, no Rio de Janeiro, fez faculdade na Pensilvânia, e também se formou pela School of Visual Art (SVA) em Nova York. Seu primeiro emprego foi na New York Magazine, como designer gráfica, quando ela ainda estudava: a jornada ia de quatro da tarde `as três da manhã. Logo depois já ingressou em publicidade, passando por uma agência pequena de quatro donas, seguida da Publicis e Kirshenbaum, Bond & Parters (KBP) e relembra com carinho de uma campanha que ela trabalhou probono para a causa da adoção. “A qualidade criativa foi alta, fomos para Cannes – esta foi tida uma das melhores campanhas do ano. O número de adoções a partir desta campanha resultou em 20 mil adoções no país”, sorri. “Foi possível mensurar o numero de pessoas que entrou no site em questão depois de a campanha veicular e seguir o processo de adoção a partir de lá. Foi um trabalho de equipe da Publicis, que não recebeu nada em dinheiro. Mas não há maior gratificação do que o retorno social”. ###


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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