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O Discreto Charme de Laurene
01.novembro.2011


Tania Menai, de Nova York

Em um dia qualquer de 1990, Steve Jobs foi palestrar para alunos no campus da Universidade de Stanford, na Califórnia. Mal sabia o mago da tecnologia colorida que aquele simples evento mudaria sua vida. Na platéia, uma loira, chamada Lauren, aluna de pós-graduação em MBA chamou sua atenção. “Eu não conseguia tirar os olhos dela”, recordava Steve. Eles trocaram um dedo-de-prosa e seus números de telefone. Mas não fizeram planos imediatos. Naquele dia, Steve teria uma reunião de trabalho. No entanto, no estacionamento da universidade – e já com a chave na ignição – Steve mudou de idéia. Saiu do carro, cruzou o estacionamento, deu uma leve chutada de balde no compromisso profissional e chamou a loira para jantar. “Pensei o seguinte: se aquele fosse o meu último dia na Terra, eu gostaria de passá-lo em uma reunião ou com esta mulher?”. E foi com ela, Lauren Powell Jobs, que ele passou aquele dia, e também todos os seguintes de sua vida. Incluindo, de fato, o último: dia 5 de outubro de 2011. Eles se casaram no dia 18 de março de 1991, numa cerimônia conduzida por um monge zen budista no Hotel Ahwahnee, que fica dentro do belíssimo Parque Nacional Yosemite, na Califórnia, considerado um Patrimônio Mundial, com 95% de vida selvagem, incluindo vales e cachoeiras.

Lauren, 47 anos, dividia com Steve um de seus maiores ativos: a discrição. Ao contrário das esposas de celebridades, e até das chamadas “casadas com a tecnologia” – mulheres de CEOs do Vale do Silício - , Lauren não desfila para as câmeras da mídia, preservando também seus três filhos Reed, de 20 anos, Erin, de 16, e Eve, de 13. A família vive em Palo Alto, epicentro tecnológico dos Estados Unidos. A casa, de sete aposentos, é toda de tijolos, estilo britânico, construída em 1930. Os vizinhos do bairro, sim, via o casal caminhar de mãos dadas na rua, até os últimos dias da vida de Steve. Ele era um homem “família”, que colocava as crianças para dormir e disse, certa vez, que “ter se tornado pai foi dez mil vezes melhor do que qualquer outra coisa que ele já fez”. Aos 23 anos , Steve teve uma filha, Lisa, hoje com 33 anos, com uma antiga namorada com quem ele nunca casou; a menina viveu na casa da família quando era adolescente.

Assim como seu falecido marido fazia, Lauren segue rigidamente a dieta vegan. No cardápio, nada de carnes, leite ou ovos. Em seu jardim, ela mantém flores selvagens e uma horta com legumes e ervas. Em 1997, uma repórter da revista TIME jantou na casa da família e descreveu o menu: massa com tomates crus, milho fresco colhido da horta, couve-flor no vapor, e salada de cenouras ralada. “Enquanto os adultos jantavam,”, escreveu a repórter, “o filho (de então seis anos) colhia limão verbena e ervas da horta para o chá que seria servido após a refeição.” A repórter também registrou a simplicidade dos ambientes; sem badulaques, apenas o essencial. De mais relevante, apenas obras do fotógrafo e ambientalista americano Anselm Adams (1902-1984), famosos por imagens preto-e-branco de paisagens de montanhas e natureza, incluindo o próprio Yosemite.

Nascida em Nova Jersey, Lauren estudou economia na Universidade da Pensilvânia e começou sua carreira no mercado financeiro: trabalhou nos bancos Merryl Lynch e Goldman Sachs. Anos mais tarde, mergulhou na pós-graduação em Stanford, uma das melhores faculdades do país. Depois de se casar, ela co-fundou uma empresa de alimentos orgânicos chamada Terravera, cujos produtos são hoje distribuídos para 300 comerciantes no norte da Califórnia. Ela se envolveu nos negócios da empresa até recuar aos poucos, a medida que a família cresceu. E também até o dia em que um amigo de faculdade, o jornalista Carlos Watson, lhe telefonou para contar sobre a realidade dos alunos de colegial na região de East Palo Alto, uma cidade onde vivem comunidades negras e latinas, de baixa renda. “Fiquei chocada com o que vi”, contou ela em uma conferência. E isso foi o que ela viu: 50% das crianças daquela região, deixava de estudar depois do colegial – e não contava com ajuda de casa ou da comunidade. Depois de ser voluntária em uma escola, Lauren mergulhou de cabeça para entender o problema e buscar mentores e fundos para programas educacionais.

Em 1997, Lauren co-fundou, com Watson, uma organização sem fins lucrativos, em East Palo Alto, chamada College Track. Trata-se de um programa extra-curricular que guia alunos para que eles continuem os estudos até a universidade. A organização – que não ajuda escolas, e sim, indivíduos comprovadamente esforçados - já opera com centros em quatro outras cidades, com outras localidades na lista de espera. Hoje, Lauren faz parte do conselho de sete organizações dedicadas `a educação, alem de se envolver com filantropia. “Nós [americanos] liderávamos o ranking mundial de pessoas com diplomas universitários. Hoje, estamos em 14o lugar”, escreveu ela numa página de opinião no site “Politico”, em setembro do ano passado. “A competição global está mais acirrada e ter uma mão-de-obra educada academicamente é vital para os nossos empreendimentos de longo prazo”, continuou. Em dezembro do ano passado, Lauren foi escolhida pelo presidente Obama para fazer parte do Conselho para Soluções Comunitárias da Casa Branca – isso significa, que ela é uma das pessoas que ajuda o presidente a apontar formas eficientes para ensino e criação de empregos no país.

Delicada e bem articulada, sempre que Lauren participa de debates sobre educação e filantropia, ela, respeitosamente, nunca é apresentada como “esposa de Steve Jobs” - hoje, viúva. O nome do ídolo nem é citado. Isto seria uma ofensa dado que sua carreira independe do sucesso do marido. “Buscamos e levamos alunos que não dispõem de transportes até os centros do College Track - não há desculpas para não participar das atividades”, contou ela em uma conferência. Resultado: 100% dos jovens assistidos seguiu para o curso de quatro anos da universidade e 70% terminou o curso universitário em seis anos; o que significa 46% acima da média nacional no grupo de alunos considerados “primeira geração”, ou seja: seus pais não foram para a escola. Incansável, Lauren também é fundadora e presidente do Emerson Collective, uma organização que investe em trabalho de empreendedores que criam soluções inovadoras para reformas sociais, sobretudo nas escolas públicas dos EUA. Ela ainda investiu e serviu no conselho de uma iniciativa chamada Achieva, que cria ferramentas educacionais online.

Diz-se que Steve Jobs colaborava financeiramente para a causas filantrópicas da esposa – e que ele não precisava participar de festas de gala para isso. Apenas doava, na moita, e pronto. Chegou a ser criticado na mídia, dado que os americanos gostam de comprar de empresas reconhecidas por ajudar causas nobres. Na época, foi defendido publicamente pelo cantor e ativista irlandês Bonovox, que deve conhecer bem as ações filantrópicas do casal. Além de doar fundos para a campanha de Hillary Clinton, em 2005, Lauren co-liderou a arrecadação de 20 milhões de dólares para a organização “Global Fund for Women”, que investe em iniciativas locais nas áreas de saúde e educação pelo mundo. Na campanha de 2005, o foco era ajudar rapidamente mulheres iraquianas, certamente afetadas pela guerra. Hoje, ela também apóia financeiramente a “Eastern Congo Initiative”, uma organização criada pelo ator Ben Affleck, dedicada exclusivamente `a República Democrática do Congo – o terceiro maior país africano, com 68 milhões de habitantes.

Recentemente, ambos, Ben e Lauren, participaram de um evento onde ela o entrevistava sobre a iniciativa. “Enquanto as crianças americanas reclamam para ir para a escola por não poder ficar seis horas longe de um videogame, 60 crianças congolesas aglomeram-se em uma só sala de aula e não param de levantar a mão para participar”, disse Ben. Lauren é capaz de se envolver em tudo isso, e, ao mesmo tempo, criar três filhos, além cuidar de um marido devastado por um dos tipos mais cruéis de câncer. Ela enterrou Steve em uma cerimônia obviamente reservada, da forma como eles sempre viveram. A jornada de Lauren reforça a frase mais clichê e verdadeira do mundo: “por trás de um grande homem, há uma grande mulher”. Pense nela quando você ligar seu iPad. Steve pensava.

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PS – Escrito em um Mac. ; )


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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