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Fala-se Português
02.junho.2012

Tania Menai, de Nova York

Na edição de março passado da revista More Intelligente Life, da Economist, alguns correspondentes escreveram ensaios defendendo o idioma dos países onde trabalham. Um repórter defendeu o árabe, outro disse que o chinês era o melhor, e teve até um deles que citou o Latim. Mas a britânica Helen Joyce, que chefia a sucursal da revista em São Paulo desde 2010, listou sólidas razões para dizer que o português é, de fato, a melhor língua para se aprender hoje: o pais tem 190 milhões de falantes, a projeção de crescimento econômico é brilhante, São Paulo é a capital financeira da América Latina, o pais abriga não só a Floresta Amazônica, como a maior diversidade de fauna e flora do mundo, sem contar as belíssimas praias e o clima sempre agradável. Além disso, ela lembra que apenas 10 milhões de brasileiros falam um inglês razoável e , sobretudo, a jornalista se diz extremamente orgulhosa de si ao citar que, no futuro, seus filhos – hoje com dez e cinco anos – citarão em seus currículos um pomposo “fluente em Português”.

Helen, que é PhD em geometria pela University College de Lodres, não está sozinha. O interesse pela língua portuguesa, falada no Brasil, não pára de crescer. O consulado brasileiro em Nova York, que atende também os estados de Nova Jerey, Pensilvânia e Ilhas Bermudas, registrou um aumento de 5% de vistos de turismo e negócios concedidos a estrangeiros entre 2009 e 2010 – de 46.855 para 49.172. E um salto de 14,7% de 2010 para 2011, quando foram emitidos 56.403 vistos. O fenômeno é observado de perto pela carioca Cristhiane Vieira-Rozenblit fundadora da escola “Brazil Ahead”, em Nova York, que desde 2006 ensina português e hábitos culturais brasileiros para estrangeiros. “Quando começamos, a procura pelo Português era mais por lazer – alunos interessados em viajar ou que tinham algum romance com brasileiros”, explica Cris. “O perfil começou a mudar na metade de 2009, quando a economia americana estava em sérios apuros enquanto o Brasil passou a posicionar-se muito bem economicamente para o mundo. Tanto as empresas quanto as pessoas físicas começaram a enxergar que o Português era a próxima língua a ser aprendida, tendo em vista que o inglês não é fluentemente falado no Brasil e eles precisavam entender português para poder fazer negócios naquele país”, diz ela, que atende hoje cerca de 275 alunos, tanto na escola, quanto em empresas.

“Minha intenção é falar português quase tão bem quanto o inglês”, diz o advogado americano William Crosby, que trabalha em uma empresa de propaganda e marketing nova-iorquina, que possui companhias no Brasil. Aluno particular de Cristhiane, ele é responsável por lidar com assuntos de litígios e disputas corporativas, então viaja pelo menos uma vez por ano ao pais para conversar com advogados brasileiros. Ele estuda português há quatro anos e confessa que o português que ele fala é melhor do que o inglês dos brasileiros com quem ele trabalha. “Certamente falar português ajuda a escutá-los e respondê-los na língua deles, em vez de fazer tudo em inglês”. William, que estudou espanhol durante a infância e adolescência na escola, diz que a língua portuguesa é mais desafiante, se comparada ao espanhol, por causa das nuances da pronúncia e de certas regras gramaticais. “Estou mais interessado em aulas de conversação do que textos ligado ao direito. Há sempre alguém para me ajudar quando leio um contrato, então prefiro focar no meu vocabulário e na minha compreensão em geral”, diz ele, que também está aberto a aprender peculiaridades culturais. “Trata-se de uma cultura difícil de entrar, então sinto que os brasileiros apreciam muito o fato de eu tentar falar na língua delas e perceber as diferenças culturais – sempre surpreendo positivamente os locais quando falo em português,” aponta ele. William ressalta que falar espanhol não é suficiente para nevegar no Brasil. “Nunca pensei que um dia eu iria aprender português e hoje sei que é um ponto positivo colocar no meu currículo que eu falo português”, diz ele, que alem de trabalhar é um turista de carteirinha no Brasil.

Setenta por cento dos alunos do Brazil Ahead, localizado na Avenida Lexignton, no centro de Manhattan, são jovens entre 25 a 32 anos que trabalham para empresas que fazem negócio com o Brasil. “A outra parte se constitui de pessoas que amam o Brasil, sua cultura, comida, música. Muitos querem se aposentar e morar lá”, conta Cristhiane, que é diplomada em Letras com especialização em Português como Língua Estrangeira e Língua de Herança. “Os serviços mais procurados são Português para Negócios e Apresentações, Português para Falantes de Espanhol e Conversação, Traduções e Apresentações “cross-cultural” para os que estão se mudando para o Brasil e precisam entender os hábitos e costumes dos brasileiros”, diz Ella. “Um outro curso que vem crescendo em demanda é o nosso curso preparatório para o Celpe-Bras que é o “TOEFL” brasileiro, já que vários alunos pensam em fazer mestrado no Brasil.

De malas prontas para se mudar de Nova York para São Paulo, o banqueiro japonês Tsuyoshi Yoneyama começou a estudar português com Cristhiane em fevereiro passado. Vivendo em Nova York com a esposa e três filhos desde 2006, o plano é levar a tropa toda para o novo país, onde o plano é morar de três a cinco anos. A decisão é de seu empregador, um grande banco japonês, onde ele trabalha no departamento de América Latina. “Não sou mais criança, então aprender um segundo idioma nesta idade não é uma das tarefas mais fáceis”, brinca ele, que tem aulas particulares duas vezes por semana. “É sempre melhor falar o idioma local, não só para fins de negócios, mas para a vida pessoal. Posso aproveitar o pais de uma forma muito mais plena”, lembra ele que domina fluentemente o inglês. “Antes de morar em Nova York eu nem sabia qual idioma se falava no Brasil”, diz Yoneyama, cuja esposa também está aprendendo a nova língua. “Ela se formou em francês na universidade – isso facilita bastante”, conta ele. “Para mim, memorizar novas palavras é a parte mais complicada do processo, além de escutar e compreender o que é dito”, diz ele. “Pelo menos, meus filhos de 9, 7 e quatro anos vão aprender a terceira língua, além do japonês e do inglês, num ambiente natural”, comemora .

Para ensinar estrangeiros, não basta falar português. Os professores da Brazil Ahead são brasileiros, formados em universidades no Brasil, muitos eles em Letras ou pedagogia. A minoria tem formação em Administração de Empresas, Finanças e Ciências Políticas – e são estes que ensinam português para negócios aos executivos nas empresas nova-iorquinas. A professora Aparecida Teixeira, dona da escola “Brazil Station”, divide a mesma opinião. Ela começou dando aulas particulares de português para estrangeiros em Nova York em 2003, e hoje sua empresa emprega 12 professores. “A maioria de nossos alunos fazem algum tipo de negócios com o Brasil: trabalham em bancos, empresas de investimento, escritórios de advocacia e financeiras.”

“Hoje temos 100 universitários aprendendo português em diversos níveis, incluindo literatura”, diz o professor José Antônio Castellanos, coordenador do curso no Departamento de Cultura Latina Americana e Ibérica da Universidade Columbia. Castellanos, que leciona na universidade há 15 anos, notou um aumento na procura de alunos, de graduação e pós-graduação nos últimos três anos. “Temos gente que estuda Relações Internacionais e outras cadeiras, mas a maioria são alunos de Direito e MBA que já falam espanhol”, diz ele, que ensina até 17 alunos por turma. Além de oferecer cursos que tratam até da cultura brasileira, no ano passado, eles iniciaram um projeto que leva estudantes para aprender português no Rio de Janeiro por seis semanas. “Este ano levaremos 10 pessoas”, comemora.

Daniela Zollo, que coordena o curso de extensão de idiomas estrangeiros da Universidade de Nova York (NYU) também sentiu aumento na procura. “Nossas turmas de iniciantes já estão lotadas e tivemos de aumentar o numero de classes dos níveis mais avançados”, diz ela. A NYU oferece um certificado em português, aberto para qualquer interessado (não apenas para os universitários) – o aluno deve escolher no mínimo quatro cursos dos sete que a faculdade oferece.

A mudança do perfil de quem busca aprender português vem mudando conforme a economia. “Minha nova leva de alunos são os chineses”, diz a carioca Denise Coronha Lima, autora do livro “Ensinando Português no Mundo Corporativo”, lançado no Brasil pela editora QualityMarkt em fevereiro deste ano. Denise vive no Rio de Janeiro dá aula para executivos expatriados na cidade desde a década de 80. Ela escreveu o livro para compartilhar sua técnica com outros professores. “Os chineses são excelentes – eles se ajudam durante as aulas. Não há o conceito de aula individual, o que os difere de outras culturas, onde os alunos competem entre si ou preferem não se expor em aulas em grupo”, diz ela, que ensina executivos de diversas nacionalidades, incluindo noruegueses, tailandeses, americanos e suíços. Além disso, Denise dá aulas de cultura local, onde são tratados assuntos como falta de pontualidade, problemas com prazos de entrega, estilos de reuniões e espaço interpessoal. Ela diz que há vinte anos, o perfil do executivo expatriado era homens mais velhos, casados com mulheres que largavam suas carreiras para acompanhar o marido. Hoje, cresce o numero de executivas mulheres e profissionais solteiros.

“Há vinte anos, os executivos achavam que o Brasil era o fim do mundo – para eles, era um sacrifício estar aqui. Por isso, eles tinham uma postura de distanciamento da língua. Eles aprenderiam o português apenas como ferramenta de comunicação e nada mais”, recorda. “Na década de 90, muitos vieram para o Brasil na onda das privatizações – estes já viam o Brasil como um pólo de oportunidades e queriam aprender o português para se sobressaírem dos demais”, ressalta ela. E o cenário só melhorou a partir do ano 2000, com a internet. Os alunos de Denise já chegam falando várias palavras e sabendo exatamente o que querem aprender em nas aulas. Muitos destes expatriados já moraram em outros países, como Líbia, Casaquistão, Malásia ou Singapura. Naqueles países eles falavam inglês – mas no Brasil, a grande massa não fala inglês, então o idioma é o primeiro choque cultural.

Em contrapartida, em Nova York há quem lute também para a preservação do português em famílias multiculturais, especialmente filhos de casais mistos – de brasileiros com uma segunda nacionalidade. Em Nova York, há pais que tentam manter o português em casa e até colocam as crianças em aulas formais. Muitos procuram a “Brasil em Mente”, uma organização cultural que oferece, desde 2009, aulas para bebês, crianças e adultos, e até mantém uma biblioteca infanto-juvenil com mais de 500 livros, toda em português. “O meu maior estímulo para criar este projeto foi perceber a quantidade de famílias de pelo menos um pai brasileiro, e mais ainda de famílias de dois pais brasileiros, que não estavam falando português com seus filhos. Seus motivos eram diversos, entre eles, a falta de tempo e recursos”, diz a professora paulistana Felícia Jennings-Winterle, radicada em Nova York, ela mesma casada com um americano. Felícia ensina cantigas de roda, promove festas juninas, bazares e diversos eventos que promovem a cultura brasileira na cidade.

Aulas para crianças também são oferecidas na escola pública Adda-Merrit, em Miami, que segue um currículo bilíngüe em inglês e português. Este é um grande passo, considerando que o segundo idioma no ensino público dos EUA normalmente é o espanhol. A diretora Carmen Garcia, em entrevista ao Miami Herald, disse que, “sem dúvida, o interesse pelo idioma cresceu”. Segundo ela, o numero de candidatos para o maternal quase triplicou desde 2005. Naquele ano, a procura era de 50 alunos. Para o ano letivo de 2012, que começa em setembro, a procura é de 130 crianças. O objetivo da escola é transformar estes pequenos em cidadãos bilíngües - e letrados com igual fluência - até a oitava série. Isto reflete o peso que os brasileiros tem tido na vida e dos negócios na parte sul da Flórida. Trata-se do grupo estrangeiro com mais influência na região, além de ser a pérola dos agentes imobiliários: os brasileiros tem comprado tantos apartamentos por lá, que o piloto Cristiano Piquet, filho de Nelson Piquet, mergulhou nesta corrida: abriu a Piquet Realty, uma agência imobiliária em Miami, e garante que dentre seus 75 funcionários, os que mais vendem apartamentos são os que dominam o português.

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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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