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De boca cheia
01.agosto.2012
Tania Menai, de Nova York
Caso a sul-coreana Sonya Thomas se arriscasse no jogo do bicho, ela torceria para dar elefante na cabeça. Este ano, ela completa 45 anos, pesa ínfimos 45 quilos e no último 4 de julho engoliu 45 cachorros-quentes em 10 minutos no maior concurso mundial gastronômico da categoria, que acontece anualmente no dia da independência dos Estados Unidos, em Nova York. Promovido há quase cem anos pela tradicionalíssima casa de cachorros-quente Nathan’s Famous, em Coney Island, no Brooklyn, o evento é tratado com a seriedade de uma competição olímpica: é transmitido mundialmente canal de esportes ESPN. A emissora distribui banners onde se lê “It’s not crazy, it’s Sports”, em meio `as 40 mil almas que enfrentam um bafo de 35 graus em pé para ver tudo de perto. Divididos em categorias masculina e feminina, os competidores sobem ao palco um a um, enquanto o mestre de cerimônia narra as respectivas carreiras gastronômicas: são arrematadores de canolli, de cupcakes, de hambúrguer, de sushi, de aspargos fritos. São 15 homens e 14 mulheres vindos de diversas partes do país, em busca dos 10 mil dólares destinados a cada vencedor. Para estarem ali, todos foram qualificados em concursos prévios. No centro da mesa, ficam os favoritos: curiosamente, os mais em forma.
Não é a toa que Sonya leva o apelido de “Viúva Negra”. Incansável, ela quebrou seu próprio recorde de 2011, ano em que engoliu 41 HDs – abreviação de hot dogs, usada carinhosamente pelos competidores. No entanto, este não é seu prato predileto. “Amo batata frita, mas cortei do cardápio quando meu médico reclamou da minha taxa de colesterol”, contou ela, que gerencia uma loja de fast food em uma base militar em Alexandria, perto de Washington DC. “Trabalho 15 horas por dia em pé, adoro esportes e competições – jogo boliche, pingue-pongue, basquete e o que mais aparecer”, diz ela, com porte atlético e 1,67 de altura. A sul-coreana participa de 12 a 15 competições gastronômicas por ano e é a número quatro da “Major League Eating”: ela abocanhou cerca de 40 prêmios mundiais, além de ser a invejável dona do titulo de mais rápida comedora de ostras do globo terrestre. “Engoli 564 ostras em oito minutos. Também tracei quase três quilos de asas de galinha em 12 minutos. Ninguém me supera. Nem mesmo os homens”, comemora, sem modéstia. Ela nem chega a mencionar outras medalhas de ouro, como 274 jalapeños em 10 minutos, 26 dúzias de mariscos em seis minutos, cinco quilos de cheescake em nove minutos, dois quilos e meio de peru em 10 minutos e 65 ovos cozidos em seis minutos.
No caso dos HDs, sua técnica é apurada: na véspera da competição Sonya come apenas uma salada. Quando é dada a largada, ela molha os pães na água (quatro copos d’água ficam disponíveis para cada competidor), e coloca dois sanduíches de cada vez na boca. Mastigar, nem pensar. “ Assim eu perderia de um a dois minutos”, explica. “No oitavo minuto, começo a passar mal – mas não posso desistir”. Um fenômeno ainda a ser explicado pela ciência é ver a barriga de Sonya permanecer intacta logo após a competição. Radiante, ela é carregada nos ombros de um organizador como mártir em meio a multidão, abraçada `a bandeira dos Estados Unidos, seu país desde 1997. O mesmo não pode ser dito sobre a pança do californiano Joey Chesnut, de 28 anos,100 quilos, 1,86 de altura, e 68 HDs esôfago abaixo. Recém formado em engenharia civil, e vencedor de 2011 e 2012, ao subir no palco para receber o prêmio, sua barriga igualava-se a de uma parturiente. “Sentimos uma sede imensa depois da competição”, conta Sonya, que caminha bastante para ajudar na digestão dos HDs, processo que leva de 12 a 24 horas. Boa parte deste tempo é passado no aconchego do banheiro. “ A quantidade eliminada é muito, muito, muito mais do que o normal!”, gargalha.
Sonya e Joey subiram `a balança um dia antes da competição ao lado de Michael Bloomberg, nos jardins da prefeitura. “Trata-se, literalmente, de uma briga de cachorros”, declarou o prefeito, que aproveitou para saborear um HD com molho de picles e mostarda. Apesar de lutar contra a obesidade na cidade, Bloomberg é bom administrador o suficiente para saber da importância do Nathan’s no turismo de Nova York. Tudo começou em 1916, quando um imigrante judeu polonês, Nathan Handwerker, abriu uma carrocinha de cachorro-quente com sua esposa, que tinha uma receita infalível de salsicha. A carrocinha virou loja, que permanece na mesma esquina até hoje – é na lateral desta loja, que acontece a competição desde o ano da inauguração. Hoje, os HDs são vendidos em todos os 50 estados do país: só em 2011 foram 425 milhões deles, fora os 100 mil doados anualmente ao banco de alimentos para pessoas carentes em Nova York.
Em meio a platéia do dia 4 de julho, estavam o neto, o bisneto e o tataraneto de Nathan, falecido em 1974. Nenhum deles seguiu no negócio da família, mas prestigiam o evento. “Ninguém sabe do que é feito uma salsicha. Então meu bisavô oferecia cachorro-quente de graça para os médicos de um hospital que funcionava em frente. A condição era comer de jaleco e estetoscópio, dentro na lanchonete. Assim, o público pensava: se os médicos comem, podemos confiar”, conta Ivan Basch. Por lá passaram Al Capone e Cary Grant. Barbara Streisand mandou entregar dezenas deles em uma festa que promoveu em Londres. O presidente Franklin Roosevelt abriu precedente em 1939 quando levou HDs de presente para o rei e rainha da Inglaterra. Jerry Seinfeld criou um episódio sobre a lanchonete, o ex-prefeito Rudy Giuliani insiste que este é o melhor HD do mundo e Nelson Rockefeller, governador de Nova York de 1959 a 1973, jurava que nenhum político local ganharia eleições sem ter sido fotografado abocanhando um Nathan’s Famous. Mas um só um bastava. # # #
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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