Wim Vandekeybus
01.novembro.2000
Movimentos da intuição
Tania Menai
Gritos, sonhos, instintos – e 12 homens no palco. O coreógrafo e bailarino belga Wim Vandekeybus, 37, e o grupo Última Vez apresentam em São Paulo (dia 8 e 9 de novembro no Alfa Real) “In Spite and Wishing and Wanting”, montagem sobre a busca do inconsciente por meio da dança, teatro, cinema e música de David Byrne. Discípulo do ator Jan Fabre, artista multidisciplinar que mescla artes visuais com o teatro dançado, Vandekeybus, de Bruxelas, chegou a levar a sua primeira produção, “What the body does not remember” para o extinto Carlton Dance Festival no Brasil há 13 anos. Desde então, já montou mais 13 peças e agora parte para o cinema – o filme mostrado em “In Spite of Wishing and Wanting” foi escrito e dirigido por ele. O grupo passou este ano em turnê pela Europa, Ásia e Américas. Em julho, se apresentou no Lincoln Center Summer Festival, em Nova York, onde ganhou aplausos de público e críticos. E foi no hall de um hotel novaiorquino que Vandekeybus recebeu no. para uma conversa. Contou detalhes da criação do espetáculo (um dia, por exemplo, foi suficiente para criar a cena onde os atores dançam em pares encaixando metades de laranjas, baseando-se na expressão “el deseo és buscar la otra mitad de la naranja”) e , sobretudo, desfiou o idéario que há por trás de suas montagens.
Os títulos dos seus espetáculos costumam ser frases, como “Inasmuch as life is borrowed” ou “7 for a Secret Never to Be Told”. Elas são bem marcantes, não?
Wim Vandekeybus – Sim - e são muito importantes. Algumas frases eu invento, outras vêm de coisas que leio ou escuto. Às vezes surgem como um estalo. Mas são frases abertas. Gosto de trabalhar com os títulos, não gosto de nomes abstratos. No caso de “In Spite of Wishing and Wanting” (“Apesar de desejar e esperar”), queríamos algo que falasse do desejo das pessoas. A busca que nasce a partir do desejo se torna mais interessante do que sua satisfação. Claro que a satisfação é importante. Mas uma vez alcançada, você parte para uma outra busca. É o que nos mantém seguindo em frente. “Apesar de desejar e esperar”, significa que não sobrevivemos apenas com o que almejamos. E é impossível expressarmos nossos desejos mais profundos – por isso que escolhi as posições de dormir e os sonhos em algumas cenas.
E o que o senhor quis dizer quando um personagem acusa o outro de estar “roubando seus sonhos”?
V. W. – Estamos vivendo uma época de roubar e copiar, principalmente no mundo da moda.Copiamos nossos pais, os hábitos dos nossos países. As pessoas querem ser iguais, de certa forma. Mesmo as emoções muitas vezes podem ser falsas. Você acaba se perguntando: ‘Estou realmente agindo de acordo com meus sentimentos ou devo estar me sentindo assim neste tipo de situação?’ Estamos um pouco alienados de nossos sentimentos mais íntimos.
A relação entre doze homens no palco parece bem harmônica, mas também resultou em atitudes infantis e até inocentes. É impressão?
V. W. – Não, é isso mesmo. As pessoas receiam que um grupo composto por homens acabe sendo uma coisa de macho. Não fugimos desse clichê, mas o resultado foi uma relação bastante tranqüila, e, como você disse, infantil. O trabalho envolveu amizade, o que fica claro na maneira como eles levantam cada um ou dançam entre si. Quando o isolamos das mulheres, é isso que acaba acontecendo – eles não precisam ter essa imagem de macho. Trabalhar apenas como homens também facilita para um substituir o outro, caso haja desfalque.
Como o senhor escolhe os bailarinos e atores?
V. W. – Uns são escolhidos por dançar excepcionalmente bem e outros por serem ótimos atores. Doze homens no palco têm de ser fisicamente distintos entre si. E são. O que eles tem em comum é a habilidade de desempenhar as mesmas funções, mesmo um sendo ator e outro bailarino. Atores devem dançar e bailarinos devem decorar textos .
Um dos atores, o marroquino Saïd Gharbi, é cego. Mas por ser totalmente integrado na equipe, isso é quase imperceptível para o espectador...
V. W. – Realmente o público não percebe. Ele trabalha comigo há sete anos e esta é a quinta produção em que ele participa. Na primeira, criei uma montagem para dois atores cegos e oito bailarinos. Ele acabou ficando na companhia, fez filmes no Marrocos e agora ele participa junto com os outros atores normalmente. Não quero mostrar que ele é cego. É impressionante, ele aprendeu muito nestes anos. Sua presença também é importante para o grupo, que deve estar sempre prestando atenção e lhe ensinando.
Os atores vêm de todas as partes do mundo transformando o palco numa Torre de Babel - cada um fala seu próprio idioma. O público, mesmo sem entender as diversas línguas, aprecia a diferença...
V. W. – Acho a mistura importante. Uma vez fui chamado para montar uma peça na Holanda com atores holandeses somente. Recusei o convite. Gosto da diversidade; se este espetáculo fosse feito apenas com atores e bailarinos americanos, esqueça, não sairia a mesma coisa. Os atores acabam aprendendo outros idiomas. Num teste de elenco, perguntei em inglês a um dos atores de origem árabe o que ele sabia fazer. Ele respondeu seu nome. Hoje, fala textos na língua inglesa com perfeição.
Como foi a trabalhar com David Byrne?
V. W. – Sempre gostei de Byrne pela sua música, personalidade e por ele ser aberto para experiências além da composição. Ele é muito fácil de lidar, foi um enriquecimento ver como ele trabalha com tranqüilidade, com decência. Ele esteve apenas duas vezes na Bélgica, nos comunicamos durante o processo de criação e depois voltou à Bélgica para a estréia do espetáculo Montamos tudo em três meses.
A primeira cena, em que vocês imitam cavalos, é memorável. Por que o cavalo?
V. W. – Durante a infância, na Bélgica, meus irmãos e eu andávamos muito a cavalo. Nos dias chuvosos, que são muitos, minha mãe nos proibia de calvagar. Então ficávamos em casa imitando os cavalos. Assim surgiu a idéia. Um homem belo pode ser como um cavalo, há algo de nobre neste animal. E teimoso também. Fala-se muito no Zingaro (companhia de ballet de cavalos), tenho de assistir, deve ser fantástico. Mas procuro algo diferente. Acho mais interessante imitar um cavalo do que colocar o animal no palco. No último show que produzi pendurei atores no teto entre estrelas, como se fossem deuses. É mais interessante pessoas interpretando deuses do que deuses reais. Afinal, o que são deuses de verdade? Muitas pessoas questionam a cena dos cavalos. Uma crítica grega disse que na Grécia Antiga cavalos significavam “Apamos”, palavra que tem duas traduções: sem sentido ou silêncio. Então esta produção seria uma maneira de preencher desejos e expressar sentimentos. Mas a natureza é indiferente à paixão humana, que por sua vez é perigosa e faminta. E o cavalo faz parte da natureza. O ser humano está sempre querendo explicar esta indiferença.
Como o senhor entrou para o mundo das artes?
V. W. – Quando eu estudava psicologia na Universidade de Louven, já era envolvido com o teatro, fotografia e filme super oito – mas nunca havia me aprofundado nestas áreas. Até que fiz um teste com Jan Fabre. Comecei numa peça de cinco horas de duração e 14 atores no palco – participei como ator e bailarino. Como Fabre costumava trabalhar com bailarinos clássicos, o que não era o meu caso, me desliguei da companhia e comecei a participar de wokshops na Espanha e na Itália. E assim acabei criando minha primeira produção, “What the body does not remember”. Eu tinha 24 anos na época.
O seu curso de psicologia ajuda no seu trabalho como criador?
V. W. – Não. Nos dois primeiros anos do curso, estudamos filosofia, o que é interessante. Já no segundo ano eles davam umas aulas de testes de inteligência das quais eu discordava. Acho que estou mais para um “sociólogo intuitivo”. Para lidar com pessoas é preciso ter uma certa postura social, não é muito fácil. Nem terminei a faculdade.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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