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Luciana Souza
18.abril.2001

A estrela sobe

Tania Menai

Aconteceu em Manhattan, dezembro passado. A água corria no chuveiro numa manhã de sábado. Luciana Souza massageava a cabeça com shampoo, quando seu marido invadiu o banheiro e colocou o “New York Times” na sua frente. O segundo CD da paulista Luciana Souza, “The Poems of Elizabeth Bishop”, estava na lista dos dez melhores do ano 2000, segundo o crítico de música do jornal Ben Ratliff. “Meu nome saltou do jornal como se estivesse sob uma lupa”, lembra ela. Nascida em berço musicalmente esplêndido, Luciana, 34 anos, é afilhada de Hermeto Pascoal, canta em inglês e é dona de uma voz única que encantou não só ao crítico do Times, mas aos seus colegas da revista Downbeat, que na edição deste mês não economiza estrelas para “The poems...” e “An Answer to Your Silence” (lançado em 1999). Apesar da forte ligação com o Brasil, Luciana fez sua carreira nos Estados Unidos, onde desembarcou aos 18 anos para estudar música. Atualmente vive no Upper West Side, o bairro dos liberais bem-sucedidos de Nova York, mas fica pouco por lá. Sua agenda é tomada por turnês pelo país e pela Europa. Bebericando um chá de camomila, Luciana conversou com o no. sobre sua carreira e sobre música brasileira no Café Mozart, um bistrô decorado com violinos e notas musicais.

Como as críticas que você recebeu nos Estados Unidos estão repercutindo na sua carreira?

Luciana Souza – Está sendo ótimo. Meu CD não está num selo grande, não tenho agente, não tenho nada. Para mim foi um choque. Principalmente a crítica do “New York Times”. O primeiro disco daquela lista era o do pianista Danilo Perez, com quem canto e viajo muito. Me espantei, pois esse crítico nem me conhecia pessoalmente. Eu conhecia seu trabalho, claro. Daí em diante o telefone não parou de tocar. Acabei conhecendo o crítico, mandei um e-mail agradecendo por ele ter escutado a minha música. Ele não tem obrigação. Não foi um assessor de imprensa que empurrou o CD para a mão dele.

E no Brasil?

L. S. – Estive lá no Natal e Ano Novo e senti uma grande repercussão. Isso pode ter duas conseqüências: minha carreira pode “acontecer”, como se diz no Brasil, ou pode ficar do jeito que está, o que é ótimo. Estou fazendo exatamente o que quero, e isso é um privilégio para quem faz música. Consigo viver do que faço, sem precisar fazer nada do que não goste.

E se a sua música “acontecer”? Você pretende se render às exigências de um selo grande?

L. S. – Isso é bem possível e acontece com muita gente. Mas é uma coisa que não me negaria neste momento. Ter ficado sozinha até os 34 anos foi muito bom. A solidão me fez descobrir coisas que nunca teria descoberto caso tivesse alguém metendo o bedelho na minha vida. A fraqueza de ficar sozinha, errando, quebrando a cara, me fez crescer muito. Acho que agora sou capaz de dizer: “Olha, acho essa sua idéia interessante, mas esta outra não. Até aqui eu vou, até ali eu não vou”. Sei de histórias terríveis de pessoas que assinaram contratos com grandes gravadoras e foram cuspidas depois de dois discos porque as vendas não foram suficientes. Isso não existe na minha gravadora. Amanhã vou almoçar com o cara de lá e, provavelmente, vamos conversar sobre cinema, futebol. Mas não sobre música. Não vamos falar de business porque não temos uma relação de business. Não lhe dou nenhum dinheiro e vice-versa. Ele lança os discos que lhe agradam. Eu lhe dou prestígio e ele me dá a oportunidade de lançar o que eu quero. Numa gravadora grande não é assim. Já sentei com muitas delas aqui nos EUA e os agentes só falam em número: “porque fulano de tal vende tanto, beltrano tem tal idade, você vai ter filho ou não vai?” Eles sofrem uma pressão enorme.

Como você define sua música?

L. S. – É difícil falar sobre a nossa própria música, mas faço muita coisa a “la Hermeto”, mais instrumental, e muita improvisação. Acredito que um músico tem de improvisar e criar ambientes harmônicos – escrevendo acordes e harmonias. Temos de deixar “o pau comer”, como diz Hermeto. A improvisação é a única coisa que diferencia o jazz de outros tipos de música. Isso é o que mais me instiga.

E o que você gosta de ouvir de música brasileira?

L. S. – Gosto de todo mundo que é da Bossa Nova, da Tropicália. Adoro Caetano, Gil, Milton, Djavan, Ivan Lins. Tem também muita coisa desse pessoal que não me agrada, mas aprecio o trabalho deles. Aí tem essa coisa nova: Marcos Suzano, Lenine, Guinga, Rosa Passos. Talento é o que não falta no Brasil. Agora, não sei se as pessoas daqui escutam isso. Elas ouvem Carlinhos Brown, que vem tocar no festival de jazz ou Marisa Monte, que é maravilhosa. O que chega até aqui não é necessariamente o melhor, porque isso é um business. No Brasil sim, há uma abundância musical. Me espanto cada vez que vou lá. O Lenine é um monstro. Incrível. Apesar de Caetano, Chico e Djavan ainda estarem aí, é legal de ter essa nova geração. Mas estão todos lutando por um espaço mínimo. Para o Lenine acontecer, ele deve ter feito um esforço desumano. Ao mesmo tempo, há uma falta de gosto tomando conta da música comercial – todo mundo cantado ruim e desafinado. Assistir televisão aos domingos no Brasil leva qualquer um ao suicídio!

Você foi criada numa família de músicos, seus pais escreviam jingles para a Rádio Eldorado em São Paulo e sua casa vivia em um constante entra e sai de músicos amigos deles. Como isso influenciou teu trabalho?

L. S. – Tive contato com um núcleo bem interessante, incluindo Milton Nascimento e Hermeto Pascoal, meu padrinho de batismo. Sempre me senti muito estimulada. Minha mãe diz que comecei a cantar antes mesmo de falar, mas aí já não sei se é folclore de família. Desde pequeninha gravava jingles. Lembra da bala Soft, da boneca Suzi e do mini-aspirador da Estrela? Meus pais chegaram a abrir uma poupança para mim com o dinheiro dos jingles. Me sinto privilegiada de ter nascido com uma vocação, mas tive escolha. Quando tentei ir para qualquer outro lado, a gravidade sempre me puxou para a música.

E quando você resolveu se dedicar à música?

L. S. – Estudei piano e violão, mas nada com muita dedicação. Depois de ter vindo para os EUA descobri que o Brasil, para mim, era um ambiente muito dispersivo. Sempre tinha um amigo em casa depois da escola, por exemplo. Apesar de ser boa aluna e ter um talento inato, nunca tive disciplina para os estudos. Quando fiz 18 anos, meu irmão, que já estudava em Berkeley, em Boston, me incentivou a ir para lá. Acabei ganhando uma bolsa de estudos e em três anos completei meu bacharelado em composição de jazz. Casei em 1989 com um canadense, David Korchin, de Saskatoon. Ninguém nunca ouviu falar da cidade, mas Joni Mitchell nasceu lá! David era baterista e tocou comigo algumas vezes – hoje ele é diretor de criação de uma grande agência de publicidade nova-iorquina. Ele tem talento para tudo inclusive é o autor e fotógrafo do meu website.

Qual seu contato com o Brasil atualmente?

L. S. – Depois de Berkeley voltei para o Brasil, comecei a lecionar na Unicamp e iniciei minha carreira solo. Também cantei em coros em São Paulo, gravei dois discos com Hermeto e cantei em músicas, digamos, “menos sofisticadas”, para não dizer bregas. Meu marido foi também ao Brasil e fez uma boa carreira, como jazzista estrangeiro. Depois de quatro anos na Unicamp, ganhei uma bolsa para fazer mestrado em Boston. Além disso, dei aula de voz, teoria musical para cantor, harmonia, arranjo e percepção oral. Eram 17 horas de aula semanais. Aqui em Nova York tenho tentado não dar mais aula. Tenho feito muitas turnês. Estou aproveitando enquanto não tenho filhos.

Como é a sua rotina?

Estudo todos os dias – é o meu ganha pão, tenho de estudar e praticar. Noites de jazz não costumam terminar cedo – às vezes vou a shows que começam às 23h. Quando não estou cantando, estou escutando um amigo. Se durmo tarde, acordo tarde. Estudo pela manhã. Tenho de manter a voz fazendo aula e quando viajo, levo o gravador para rever as aulas ou transcrevê-las no avião. Mantenho um diário de bordo, coisa de Start Trek. Registro o que fiz, o que preciso estudar e o que não está bem vocalmente. A voz é um instrumento muito ingrato e frágil. Por outro lado, é maravilhoso porque ela se recupera, caso você dê chance para isso.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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