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Anita Roddick
28.novembro.2001
A guerrilheira
Ativista. Contestadora. Polêmica. Assim é Anita Roddick, a mulher que - ao apoiar causas sociais e criticar o jeito tradicional de ganhar dinheiro - transformou a britânica Body Shop num fenômeno empresarial
Por Tania Menai, de Nova York
Com 58 anos, pouco mais de 1 metro e meio de altura, duas filhas, sotaque britânico e alma italiana, a inglesa Anita Roddick é o tipo de empresária que - à primeira vista - qualquer aspirante ao mundo dos negócios deveria querer ser quando crescesse. Ela faz (muito) sucesso. Uma das 30 mulheres mais influentes no mundo dos negócios na Europa, segundo o Wall Street Journal Europe, Anita é a fundadora da Body Shop, que, além de ser a maior empresa inglesa de varejo, com 12 000 funcionários no mundo todo (1 500 apenas na sede, em Londres), é uma das marcas internacionais símbolo de responsabilidade social. Ao divulgar sua lista, o Wall Street Journal lembrou que as mulheres mais poderosas acabam sendo as que remam contra a maré, em vez de seguir carreiras hierárquicas dentro de empresas tradicionais. Anita Roddick, fã de James Dean, é uma dessas rebeldes corporativas.
Com uma postura progressista, a Body Shop, fabricante de varejo de produtos de beleza que vão de xampu a maquiagem, tem hoje quase 2 mil lojas em 52 países. Nada mal, considerando que tudo começou em 1976, com uma pequena loja na Inglaterra. Mas a maior vitória de Anita foi fazer com que seus consumidores comprassem algo que vai além dos cremes hidratantes ou dos condicionadores para cabelos secos. No fundo, eles adquirem uma idéia: a de fazer negócios respeitando a natureza, os próprios funcionários e colaborando com as comunidades fornecedoras de matérias-primas. "Fazer negócios não é apenas acumular dinheiro para si mesmo. É buscar a felicidade de dar algo de volta à comunidade", diz Anita, que, em breve, abrirá sua primeira loja Body Shop no Brasil. "Estamos buscando os parceiros certos, além de ingredientes que podemos cultivar no país. A idéia é ter poucas lojas e trabalhar com a venda direta. Assim, poderemos criar mais empregos."
A Body Shop virou do avesso o cenário de negócios na Inglaterra e, gradualmente, está influenciando com seu estilo empresas de todo o mundo. Um exemplo de sua atuação é a campanha contra testes em animais, comuns em indústrias como a de cosméticos. "Ninguém sabia que animais eram mortos na busca pela beleza", disse Anita, em entrevista ao GUIA EXAME DE BOA CIDADANIA CORPORATIVA. "Mudamos as leis na Inglaterra. Cerca de 4 milhões dos nossos consumidores escreveram para o governo, exigindo o fim dos testes." Na área de venda de imagem da marca, a Body Shop, que não teve um departamento de marketing por 17 anos, dispensou modelos esquálidas e irreais. (A mesma linha publicitária foi adotada pela brasileira Natura.) "Celebramos mulheres - e não apenas jovens musas", diz Anita. "Nossas consumidoras nunca se deparam com fotos de modelos, muito menos com anúncios de cremes antienvelhecimento. Esses produtos são uma grande mentira. Desafiamos o setor de cosméticos de dentro para fora."
Anita explica que essa é uma indústria administrada por homens, ou seja, as mensagens veiculadas para as consumidoras são de homens para mulheres. Todas as mensagens se resumiriam em: "Cale a boca e estique o rosto".
A Body Shop também inovou na forma de se relacionar comercialmente com as comunidades fornecedoras, unindo o uso de matérias-primas com o desenvolvimento sustentável. Há 15 anos a empresa usa o óleo de castanha-do-pará produzido pelos índios Caiapós da Amazônia, além de comprar óleo de gergelim de fazendeiros de Chiapas, no México. "Compramos diretamente das comunidades - assim, elas tornam-se capazes de construir escolas, clínicas médicas e de gerar riquezas", diz Anita. "O interessante é que não temos lojas em muitos dos países onde fazemos negócios, como é o caso do Brasil, de Bangladesh, da Índia e da Rússia."
Uma das crenças da Body Shop é que a implementação de uma mentalidade de responsabilidade social corporativa tem de partir de cima, da cúpula da empresa. "Os presidentes de corporações de todo o mundo sabem que seus negócios afetam milhões de pessoas. Se não tivermos um código de comportamento... que Deus nos ajude", diz Anita. Para ela, nem a religião nem a política teriam, hoje, tanto poder e influência quanto os negócios. Daí a necessidade, cada vez maior, de as empresas assumirem uma liderança moral diante das questões sociais. E a melhor forma de convencer os homens e as mulheres de negócios da necessidade de uma postura responsável seria analisar e expor o efeito de sua ausência na reputação e nos resultados de grandes empresas, como a Exxon Mobil, a Gap ou a Nike. "Elas estão com sua imagem totalmente machucada", diz Anita.
Desde que a Gap - uma das mais populares marcas de roupas dos Estados Unidos - ficou conhecida por usar mão-de-obra de malharias nicaragüenses e asiáticas que reuniam centenas de pessoas sob péssimas condições de trabalho, sua clientela passou a cobrar informações sobre as mudanças nos processos de produção. A Exxon Mobil, maior empresa mundial na área de petróleo, chegou a ser boicotada por consumidores revoltados com a falta de investimentos na reparação de danos ambientais. "Meu recado para essas empresas é o seguinte: as pessoas não querem só sentir simpatia pelo produto, mas também pelas empresas", diz Anita.
Autora de livros como Business as Unusual (em português, algo como Negócios Incomuns) e o recém-lançado Take it Personal (Tome isso como algo pessoal, numa tradução livre), Anita diz que o primeiro passo a ser dado por um empresário rumo à responsabilidade social é agir localmente, perguntando-se: Como trato meus funcionários? As mulheres têm uma creche onde deixar as crianças? Suas famílias estão protegidas? "Minha prioridade são os funcionários", afirma ela. "Queremos saber se os estamos tratando bem e sendo honestos." A Body Shop oferece creche para crianças, filhos de funcionários, até 5 anos de idade. Durante as férias, as crianças mais velhas freqüentam os escritórios e desenvolvem atividades artísticas. "É uma forma de humanizar o ambiente de trabalho", diz Anita. A sede da empresa, em Londres, tem um grande mural, estátuas, fotos de visitas dos funcionários a comunidades africanas e nicaragüenses.
Da janela do escritório da presidente - uma espécie de ativista, sempre polêmica e muitas vezes explosiva - é possível ver uma placa incrustada no jardim na qual se lê "Boicote a Exxon Mobil - a maior poluidora do mundo". Quando o assunto é meio ambiente, Anita costuma ser radical: "Se você polui, você tem de limpar", diz. Ninguém da Body Shop circula em carros grandes, para economizar combustível e preservar o meio ambiente. É pouco. Mas é uma questão de atitude e até de coerência.
A segunda prioridade da empresa são as comunidades fornecedoras. "Vários dos nossos funcionários estão na Romênia, construindo novos vilarejos, um projeto que temos há 12 anos", diz Anita. Na Inglaterra há uma lei, intitulada Articles of Association and Memorandum, por meio da qual as empresas declaram suas missões. Na declaração da Body Shop há o compromisso com mudanças sociais e com direitos humanos: 70% de todos os investimentos vão para essas áreas. A empresa promove campanhas na área de justiça social, meio ambiente e desenvolvimento da auto-estima em mulheres jovens. Para isso, mantém parceria com organizações como o Greenpeace e a Human Rights Watch. Há quatro meses, Anita esteve com alguns dos fazendeiros mais carentes dos Estados Unidos e passou a estudar meios de unir a oferta de açúcar e batata-doce cultivados por eles às necessidades de empresas de seu relacionamento.
É claro que Anita usa seu lado radical e ativista em proveito da imagem de seu próprio negócio - e não há nada de errado com isso. Ela também não ignora - nem poderia ignorar - os anseios e as exigências dos investidores, que compram ações da Body Shop desde 1984, quando a empresa abriu capital. Desde então, Anita e seus funcionários tiveram de se submeter a algumas regras. "Não podemos tirar mais férias e crescer menos, e perdemos a liberdade de jogar com nosso dinheiro", diz ela. "Temos de manter os acionistas. Com o dinheiro que atraímos, poderíamos construir 20 mil escolas parecidas com uma que inauguramos recentemente no topo de uma colina em Kosovo. Mas também temos de pensar em outro lado. Esse capital nos permitiu construir fábricas maravilhosas para os nossos produtos." Todos na Body Shop sabem que vender bons produtos e serviços também faz parte da face cidadã de uma empresa.
O maior parceiro de Anita na Body Shop é seu marido, Gordon, que está com ela desde o início da operação. "Quando estamos juntos, ninguém é capaz de nos quebrar." Todo funcionário novo recebe um treinamento de três meses e logo passa a fazer parte da "grande família", como a própria fundadora se refere ao negócio. "Hoje à noite 20 pessoas da equipe irão à minha casa para dar idéias", diz ela. Sua imagem se confunde com a da empresa. São, no fundo, a mesma coisa. Mas Anita parece se incomodar com isso. "Não vim ao mundo para fazer da Body Shop um negócio cada vez mais bem-sucedido. Vim para ser mãe, avó, esposa, amante e ativista." Em agosto deste ano, ela anunciou que venderia 150 milhões de dólares em participações em sua empresa e doaria os recursos para caridade.
Anita exercita suas várias habilidades em uma recém-inaugurada editora de livros e no site TravelResponsible.com, dedicado ao turismo ético, que beneficia as comunidades visitadas em países como Brasil, Filipinas e Nicarágua. Como ela acha tempo para tudo isso? "Nunca circulo em rodas de celebridades. Prefiro a companhia de ativistas. Recentemente estive com um grupo de pessoas que trabalha com a questão das tecelagens que exploram mão-de-obra nas Filipinas e na Nicarágua."
Você pode achar Anita Roddick polêmica, provocadora, rebelde demais. Ela realmente é tudo isso e orgulha-se de ser classificada dessa forma. Diz que as escolas de administração não ensinam ninguém a ter pensamentos "delinqüentes" - termo usado para capacidade de inovação e criatividade -, e os melhores empreendedores vieram de um passado simples e difícil e de uma infância cheia de responsabilidades prematuras. "Normalmente eles são imigrantes, que não gostam de ser controlados. São forasteiros, com grande apreço pela ética no trabalho. Esse traço é muito comum nos judeus, italianos, paquistaneses", diz ela, filha de um casal de imigrantes italianos radicados na Inglaterra. "Essa gente não é tão boa em administrar, mas tem vulcões de idéias, é visionária, vê no dinheiro apenas um caminho para fazer com que suas idéias aconteçam." É exatamente isso que Anita, a guerrilheira dos negócios, vem tentando fazer durante toda a sua vida à frente da Body Shop. E esse, talvez, seja o grande segredo de seu sucesso.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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