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Larry King
12.junho.2002
As lições de Larry
O rei das entrevistas diz que o segredo é deixar o convidado à vontade, não colocá-lo na defensiva e sempre perguntar "por quê?"
Tania Menai, de Nova York
"Já me disseram: 'Você faz a câmara e o microfone desaparecer'. É o sinal de que se estabeleceu um elo, deu um clique"
Aos 7 anos, Larry Zeiger, um típico menino judeu do Brooklyn, em Nova York, já tinha o apelido de "Tagarela". Aos 23, morando em Miami, foi contratado por uma rádio. O diretor achou seu sobrenome difícil e, inspirado no anúncio de uma casa de bebidas estampado num jornal sobre sua mesa, mudou-o para King. Nascia Larry King. Desde então, mais de 40.000 pessoas já passaram por seu microfone – uma parte delas diante das câmaras da CNN, a emissora de notícias a cabo da qual Larry, como todos os entrevistados o chamam, se tornou a marca registrada. Aos 68 anos de idade e 45 de carreira, ele está tendo os melhores momentos reprisados. O difícil é escolher. Larry King já entrevistou todos os presidentes americanos vivos, além de líderes políticos da estatura de Mikhail Gorbachev, Margaret Thatcher e Nelson Mandela. A lista de celebridades passa por Madonna, Michael Jordan, Prince, John Kennedy Jr. e, claro, Pelé. Perito em estabelecer um clima controladamente descontraído, ele mostra, aqui, que é tão bom entrevistado quanto entrevistador.
Veja – O senhor diz que "por quê?" é a melhor pergunta de uma entrevista. Por quê?
King – Porque essa pergunta não pode ser respondida com uma só palavra. Ela força o entrevistado a pensar e a elaborar a resposta com profundidade. Para o entrevistador, é fundamental saber ouvir. Sempre presto atenção no que o entrevistado diz. Sou forçado a isso até porque sempre uma boa resposta leva a outra pergunta. Saber ouvir é tão importante quanto saber perguntar.
Veja – Qual é a pergunta que o senhor se arrepende de não ter feito e a quem?
King – Faz muito tempo. Foi a John Sculley, o chefão da Apple Computers, contratado pelo fundador da empresa, Steve Jobs. Ele havia ficado muito poderoso. Conversamos no rádio ao vivo durante duas horas. Depois que ele foi embora, um ouvinte ligou e disse: "Larry, John Sculley mandou Steve Jobs embora! Você não perguntou nada a respeito!". Eu deveria saber disso porque leio muitos jornais, mas não fazia idéia. Esse episódio me incomodou demais. Não poderia ter deixado isso escapar. Mas ninguém jamais faz a entrevista perfeita, sempre falta alguma coisa.
Veja – E qual a pergunta que o senhor se arrepende de ter feito?
King – Certa vez, ainda na época do rádio, no começo da minha carreira, perguntei a um padre quantos filhos ele tinha. Foi uma situação muito constrangedora.
Veja – Com os escândalos que estão vindo à tona hoje na Igreja...
King – Está vendo? Eu somente estava à frente do meu tempo!
Veja – Qual foi a resposta mais surpreendente que o senhor já obteve?
King – Frank Sinatra dizendo que ainda ficava nervoso logo antes de entrar no palco. Apesar de tudo o que já havia conquistado, existia aquele momento de dúvida, de não ter certeza se ainda possuía a voz. Barbra Streisand, que tem um talento enorme, está sempre insegura. Ela se considera apenas razoável e acha que poderia ser bem melhor. Isso me surpreendeu.
Veja – O que faz seus entrevistados se sentirem tão à vontade?
King – A CNN é uma marca muito famosa no mundo todo, os convidados sabem que serão tratados de maneira justa, vão conseguir transmitir suas mensagens e não serão editados, já que o programa é ao vivo. Além disso, nunca fui processado e eles sabem que o que disserem será ouvido tanto na Índia quanto no Brasil ou na Califórnia. O formato do programa também é muito humano, não é um julgamento nem uma coletiva de imprensa. Certa vez, um ator me disse que gostava que lhe fizessem perguntas que nunca tinham sido feitas antes – isso o forçava a pensar. Uma boa entrevista força o entrevistado a pensar.
Veja – O senhor perguntou ao presidente Bill Clinton como ele se controlou emocionalmente durante o escândalo Monica Lewinsky. Foi difícil fazer uma pergunta tão pessoal como essa para um presidente?
King – Foi bastante difícil. Mas a pergunta errada teria sido "o que aconteceu entre você e a Monica?". Assim, você coloca o entrevistado na defensiva e nunca chega à verdade. Mas se abordar o assunto pelas beiradas, e perguntar sobre as reações, os sentimentos do entrevistado, não estará insinuando nada. Quando deparamos com qualquer acontecimento extraordinário, como o 11 de setembro ou um presidente enrascado, o segredo é pensar: "O que eu faria se um parente meu estivesse numa das torres gêmeas?" ou "O que eu faria se me pegassem tendo um caso extraconjugal?". Todos nós pensamos isso.
Veja – O senhor também toca em assuntos mais complicados, como drogas, no caso do ator Dennis Quaid, e alcoolismo, no de Liza Minnelli. Como eles se sentem falando de suas fraquezas na televisão?
King – A maioria das pessoas que se recuperaram de algum vício gosta de falar no assunto. É uma boa terapia para elas. Não ligo para esse tipo de assunto, a não ser que esteja nas manchetes.
Veja – Para Paul McCartney o senhor perguntou se ele achava que John Lennon havia sido mais valorizado que ele ao longo da carreira.King – Foi uma pergunta adequada. A passagem do tempo permitiu que eu colocasse essa questão. Não sei se perguntaria isso no dia seguinte ao assassinato de John Lennon. Talvez tivesse perguntado, mas de uma maneira diferente. Não tenho problemas com essas perguntas. É importante deixar o convidado à vontade e saber até onde se pode ir com ele. E Paul McCartney estava sendo bastante receptivo naquela entrevista. Quando isso acontece, você leva o entrevistado para o lado que quiser. Já me disseram: "Você faz a câmara e o microfone desaparecer". Isso é sinal de que se estabeleceu um bom elo com o entrevistado, que deu um clique. Também é importante mostrar interesse real pelas respostas. Clinton tem de perceber que eu quero mesmo saber o que ele está sentindo. Paul McCartney tem de notar que me preocupo em saber o que é fazer parte de um grupo famoso no qual outra pessoa fica mais famosa. Quando se pergunta sem tom de crítica, é fácil obter a resposta.
Veja – E quando o senhor perguntou ao ex-presidente Richard Nixon o que ele pensava cada vez que passava de carro em frente ao edifício Watergate, em Washington?
King – Isso é o que eu chamo de "pergunta lógica". É uma coisa que passa pela cabeça de todo mundo. "Como você se sente quando vê o prédio onde o seu governo foi aniquilado (devido a uma malfadada missão de espionagem ordenada por gente de Nixon)?" E ele me deu uma grande resposta: "Não, nunca estive no Watergate – mas, infelizmente, outras pessoas estiveram".
Veja – O senhor já disse que gosta mesmo é de entrevistar comediantes. Por quê?
King – Adoro rir. Não conheço ninguém que não goste. Comediantes nos fazem rir. Eu me divirto e também faço as outras pessoas rir. Discursar em público é a coisa que mais me dá prazer. Nessas ocasiões, só conto histórias engraçadas. Fazer as pessoas rir é como um caso de amor. É possível ter uma reação imediata do público, arrancar gargalhadas de 1 800 pessoas. Dá uma sensação de euforia. Na televisão, não existe isso.
Veja – Recentemente, seu programa tem recebido pessoas que dizem falar com espíritos, inclusive de parentes mortos de telespectadores. É disso que o público gosta?
King – Sou aberto a tudo, mas não escolho pessoalmente os entrevistados. Isso é tarefa dos produtores. Não acredito nem desacredito em nada. Apenas faço as perguntas e deixo os telespectadores chegar a suas próprias conclusões. Por exemplo, não faço idéia se há vida depois da morte. Espero que eles estejam certos, e que exista mesmo outra vida. Então seria bobagem da minha parte rir deles. Muita gente acredita que esses médiuns estão certos. Secretamente, porém, desconfiam disso. No fundo, acham que, quando morremos, já era. A crença é, em grande parte, uma necessidade, uma muleta. Eu adoraria acreditar que existe vida após a morte. Então não vou brincar com pessoas que acreditam.
Veja – Como entrevistar uma pessoa desse departamento extra-sensorial?
King – Certa vez, morri de rir quando entrevistei um autor muito sério que dizia ter sido abduzido para o espaço. O livro era um sucesso e os produtores me disseram apenas que ele havia escrito sobre o espaço. Pensei que era coisa da área de astronomia. Quando me sentei diante dele, o escritor disse que tinha sido levado para o espaço, mas, antes disso, seres minúsculos haviam entrado em todas as reentrâncias de seu corpo. Não agüentei e caí na gargalhada. Comecei a bater na mesa de tanto rir e não conseguia parar. Ainda bem que ele levou minha reação numa boa.
Veja – O senhor fala outros idiomas além do inglês?
King – Não. Sou péssimo para línguas. Estudei espanhol no colégio e a professora disse: "Larry, levante-se e diga 'estou com dor de cabeça'.". Levantei-me e disse "Yo tengo un headachecario", ou seja, inventei a palavra. Ela pegou um pedaço de giz e jogou em mim. Acertou na testa. Daí, parei de estudar espanhol. Mais tarde, tive algumas aulas de italiano, aprendi algumas músicas, mas não sei falar nada. Simplesmente não tenho inclinação para outros idiomas. Nem mesmo para o inglês!
Veja – Por que o público é tão fascinado por celebridades?
King – Porque a maior parte da população não tem vida fascinante e imaginamos que os famosos vivem num clima eternamente espetacular. Às vezes as pessoas se chocam ao me ver andando pela rua. Por que não? As pessoas também se perguntam o que fariam se fossem ricas. Muitas pensam nisso. Ficam impressionadas porque acham que os ricos podem fazer uma coisa que elas não podem, ou seja, comprar o que quiserem. Quem gosta de esporte pensa sobre como seria chutar uma bola de futebol. É um fenômeno mundial. Os famosos ficam famosos pela própria celebridade. Ozzy Osbourne é uma celebridade, da mesma forma que Madre Teresa.
Veja – O senhor já se sentiu intimidado por gente muito famosa?
King – Já, nos primeiros dois minutos em que conheci Frank Sinatra. Ele era o meu ídolo, eu sempre assistia a seus shows quando era garoto. Também me intimidei na primeira vez em que fui entrevistar um presidente na Casa Branca. Mas isso passa depois que começa a conversa. No caso de Marlon Brando, ele veio me buscar de carro e demos uma volta antes da entrevista. Foi um pouco constrangedor porque era ele que dirigia, e lá estava eu no carro com Marlon Brando. Mas você supera, porque a bola está na sua mão, o programa é seu, é você quem está fazendo as perguntas, então o controle é seu.
Veja – E como manter esse controle?
King – Não há como perdê-lo, pois o programa é ao vivo e escolho as perguntas. Se o convidado começa a falar loucuras, sempre se pode dizer "voltamos depois dos comerciais", ou "obrigado por vir, boa noite".
Veja – O senhor entrevistou todos os presidentes vivos. O que descobriu de novo?
King – Ronald Reagan me disse que não sabia que tinha levado um tiro até a hora em que chegou ao hospital (no atentado de 1981). Ele não sentiu a bala entrando no corpo. Jimmy Carter admitiu que chorou na noite em que soube que perderia a Presidência. George Bush, pai, me mostrou a carteira de motorista quando perguntei em qual Estado ele votava. Durante uma entrevista com Clinton na Casa Branca, chegou a notícia de que Vince Foster, seu amigo e assessor jurídico, havia cometido suicídio. Tivemos de reduzir a entrevista em meia hora, pois os produtores ficaram com medo de alguém contar a ele durante o programa. Só nos disseram o que havia acontecido quando acabou. Foi inesquecível.
Veja – Quem é a personalidade que o senhor sonha entrevistar?
King – O papa João Paulo II. Duvido que hoje ele tenha condições físicas, está muito fraco. Mas o papa me fascina, por ser tão conservador no campo religioso e tão liberal no campo político – é quase um socialista. Ele sofreu um atentado a bala, fala diversos idiomas, escreve peças e poemas, viveu numa época em que existiam tanto Hitler quanto Stalin. É uma vida fascinante. Um papa polonês que cresceu cercado por judeus – a maior parte de seus amigos de infância eram judeus.
Veja – O senhor se considera um jornalista?
King – Em alguns dias sou jornalista, em outros sou um profissional de entretenimento. Chamamos de "infotenimento", tentamos fazer jornalismo num formato de entretenimento. É como a revista VEJA, que é colorida. Cor não tem nada a ver com jornalismo, certo? A revista poderia ser inteira em preto-e-branco que ficaríamos sabendo de tudo da mesma forma. As cores são o entretenimento. Acho graça quando jornalistas criticam colegas por não se comportarem como jornalistas: "Por que ele precisa de uma bela gravata se pode usar uma camiseta?", "Por que precisa do teleprompter?", "Por que a luz azul por trás dele?". Porque é entretenimento. A notícia é a notícia. Sou um jornalista que fornece informação de uma forma que entretém.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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