Orin Smith
15.julho.2002
Cobrar mais para vender mais
CEO da Starbucks fala da estratégia de valorização do produto e da expansão da cadeia de cafés americana - inclusive para o Brasil
Por Tania Menai, de Seattle
Tall Mocha Decaff Frappuccino? Iced Grandi Skim Tazzo Chai? Giganti Caramel Machiatto? Quem costuma se encostar no balcão da padaria e pedir uma simples "média" não imagina que um dia esse pedido custará mais do que uma palavra e muito mais do que um mero realzinho. Mas a rede americana de café Starbucks já provou que é possível injetar cafeína e inovações no primitivo hábito de tomar café. Descoberta e revigorada pelo empreendendor Howard Schultz há 31 anos, a rede ainda mantém sua primeira loja no tradicional Pike Place Market, em Seattle, na costa oeste americana. Desde então, a logomarca verde da Starbucks é vista exaustivamente nas esquinas, aeroportos e livrarias dos Estados Unidos e do mundo - sem falar nos filmes de Hollywood, como Austin Powers. Desde o dia em que estou escrevendo esta entrevista, sentada numa poltrona de veludo, bebendo um Skim Chai Latte, ouvindo jazz e conectando meu laptop numa Starbucks da vida, até o momento em que você a estiver lendo, a rede já terá inaugurado mais umas 50 lojas - a média é de três por dia.
A Starbucks ainda leva crédito por ter preocupação com responsabilidade social e criar cooperativas, como em Chiapas, no México, que melhoram e aumentam o cultivo de grãos de café. Com esse ritmo frenético, pode-se imaginar que nas veias de Orin Smith, 60 anos, CEO da Starbucks desde o ano 2000, corre nada além de cafeína. Mas seu estilo zen e fala mansa provam que ele está mais para chá de camomila, mesmo orquestrando uma empresa mundial com receita de 2,6 bilhões de dólares em 2001 e 55 000 funcionários (ou parceiros, como são chamados), com mais de 19 milhões de clientes por semana, nas mais de 5 000 lojas nos Estados Unidos e 1 000 no resto do mundo. Nascido na bela Seattle, Orin tem um diploma de MBA em Harvard, foi diretor de orçamento do estado de Washington durante cinco anos e executivo da empresa de consultoria Deloitte & Touche por mais 13. Foi quando conheceu Schultz, em 1990, e resolveu trocar sua estabilidade e o bom salário pelo saboroso mundo do café. Em 1992, liderou, como diretor financeiro, a abertura do capital da empresa. Dez anos mais tarde, já não acha mais tempo para jogar golfe ou praticar esqui. Smith recebeu EXAME em seu escritório, na sede da empresa, e falou sobre a Starbucks e os projetos de fincar bandeira no Brasil.
O que faz as pessoas desembolsarem 3 ou 4 dólares por um cafezinho?
Sempre digo que antes de a Starbucks existir ninguém jamais tinha pensado em pagar 3 ou 4 dólares por um copo de café. Existem algumas razões para isso. Uma é que a experiência vai além do copo de café. A atmosfera das lojas, a conexão com as pessoas que trabalham lá - tudo isso faz o produto deixar de ser apenas um copo de café. Outra coisa é que este é um produto que foi feito artesanalmente para o consumidor. Não se trata de um café feito na máquina de coar. Bebidas feitas artesanalmente sugam bastante mão-de-obra. Mas os consumidores estão cientes de que não podem comprar esse produto por menos de 1 dólar. Além disso, eles ainda gostam de andar pelas ruas segurando o copo com a logomarca da Starbucks. Tudo isso está incluído no preço. Muitas vezes, ainda, o público interessado em responsabilidade social aceita pagar mais. Isso nos torna capazes de pagar o preço mais alto de café do mundo para os fazendeiros.
O que a Starbucks trouxe para o setor de café?
Tiramos do café o caráter de produto primário. Antes de chegarmos a esse setor, a única coisa que importava era o preço. Quanto mais barato, melhor era o café. Os grandes torradores cortaram custos para tornar seus produtos baratos. Depois, começaram a subsitituir cafés caros por grãos de qualidade e preço inferiores. Além disso, usaram seu poder de compra para forçar os fazendeiros a baixar os preços. Assim, os torradores podem vender café cada vez mais barato. Mudamos esse paradigma. Hoje, há um mercado onde o preço e a qualidade são superiores. Outros estabelecimentos que vendem café ainda não chegaram ao nosso nível, mas, sem dúvida, melhoraram a qualidade de seu café. A Starbucks ainda fez o volume de consumo de café subir tremendamente. Por décadas, o consumo estava em declínio. Ainda inovamos a maneira como se bebe café: alguns vêm com leite, outros com uma varidedade de sabores ou ingredientes. Não é apenas café preto. Abrimos também um canal novo de distribuição com as nossas garrafinhas de Frappuccino, vendidas em supermercados e lojas de conveniência. Isso é positivo para o setor de café dos Estados Unidos e é ótimo para os produtores. Sem essas inovações em escala global, a demanda ficaria estagnada.
Segundo a revista Fortune, a Starbucks é uma das 100 melhores empresas americanas para se trabalhar. O que vocês oferecem?
Fomos a primeira empresa a oferecer benefícios médicos para pessoas que trabalham meio expediente. Fomos pioneiros ainda, tanto entre as públicas como entre as privadas, em oferecer ações da empresa na bolsa de valores para os nossos parceiros, incluindo os que trabalham meio expediente. Mas não é só isso. Não acredito que se possam pagar pessoas para que elas gostem de suas tarefas. Nós criamos um ótimo ambiente de trabalho, tratamos todos com respeito.
No filme Mensagem para Você, Tom Hanks diz que na Starbucks, por 2,95 dólares, um sujeito incapaz de tomar qualquer decisão na vida não só bebe um café mas pode definir sua personalidade ao pedir um Tall Decaff Cappuccino entre as diversas opções. Como vocês escolhem os nomes das bebidas?
Começamos pegando emprestado os nomes dos italianos. Mas, à medida que desenvolvemos novidades, passamos a nos divertir com a criação dos nomes. Escolhemos os que têm a ver com o produto e "italianizamos". Colocamos algo de divertido em todos eles.
E qual a função do projeto "Adote uma loja", em que os executivos trabalham nos pontos-de-venda?
Bem, adotei uma loja na Broadway não muito longe da minha casa, aqui em Seattle. E as pessoas me fazem trabalhar lá. É uma grande experiência. Tenho a oportunidade de observar os consumidores, ver com o que nossos parceiros lidam, conferir se o sistema de apoio facilita as tarefas. Eles me contam sobre suas dificuldades e vemos o que podemos resolver juntos. Nosso sucesso deve-se também ao entusiasmo e à energia das pessoas que trabalham atrás do balcão. Elas recarregam a nossa bateria. Se ficamos todo o tempo trancados na sede da empresa, acabamos esquecendo da alma desse negócio. É importante se reconectar. Durante as festas de fim de ano, quando o fluxo de consumidores aumenta, muita gente do escritório é realocada para as lojas, nem que seja para a limpeza.
Quão importante é a relação entre a Starbucks, fazendeiros e cooperativas?
Essa é uma parte crucial de nosso negócio e para todo o setor de café. Estamos crescendo muito rápido, portanto, a cada ano precisamos de mais fornecedores. Ou seja, é importante para nós que esses fazendeiros estejam produzindo. Por isso, pagamos acima do mercado. Em vez de pagar 40 ou 50 centavos por libra, preferimos pagar 1,25 dólar e cobrir todos os custos do fazendeiro. Não fazemos isso tudo sozinhos -- existem 13 000 lojas de café nos Estados Unidos. Temos 30% delas. Todas estão pagando bem aos fazendeiros. E o melhor que podemos fazer para esses cultivadores de café é vender, vender, vender. Quanto maior a nossa fatia de mercado, melhor e maior o impacto nas fazendas. Além disso, temos programas filantrópicos. Mas acredito que a aplicação de ações de responsabilidade social em seus negócios ainda tem maior impacto do que filantropia. Em vez de dar subsídios, fazemos um marketing que conscientize o consumidor sobre o corte de árvores, por exemplo. Na área de filantropia, ajudamos escolas, não apenas construindo, mas fazendo com que parcelas do que pagamos aos fazendeiros sejam alocadas aos professores e às escolas.
Como vocês selecionam os grãos de café pelo mundo?
Temos duas maneiras. A primeira e mais importante é por meio dos milhares de amostras que recebemos anualmente, já que hoje temos contato com fazendeiros no mundo todo. Nossa equipe tosta as amostras, testa o paladar e verifica se elas se encaixam aos nossos padrões. Uma vez aprovadas, fazemos os pedidos e, quando os grãos chegam aqui novamente, há um novo teste de paladar. Se nesse novo teste os grãos não forem aprovados, pedimos para que nosso intermediário venda para outro cliente. Não vendemos o que não aprovamos. Outra maneira é passando bastante tempo nas fazendas. Vamos lá e testamos o café. Nossos fazendeiros já nos conhecem tão bem que sabem o que devem e o que não devem nos mandar.
Além das poltronas de veludo, jazz como música de fundo e conexão de alta velocidade para os portadores de laptop, o que mais vocês planejam trazer para as lojas?
O pedido expresso. Já testamos o sistema numa região de Seattle e em Denver, no Colorado. Ele permite que o consumidor apressado peça seu café por telefone ou online quatro minutos antes de passar na loja. O pagamento também é automático -- eles criam uma conta no website da Starbucks com determinada quantia de dinheiro e o pagamento é debitado na hora. A máquina registradora imprime um adesivo a ser grudado no copo. Então o consumidor entra na loja, pega a bebida já pronta e vai embora. Isso é excelente para quem está a caminho do trabalho de manhã e não tem tempo para gastar em filas.
Vocês estão se expandindo tremendamente. Como adaptar a marca Starbucks às diferentes culturas, incluindo Viena, tradicional cidade do café?
Fomos muito cautelosos ao entrar em países que têm centenárias casas de café. Deixamos para o fim países de tamanho significativo, como Suíça, Áustria, França, Alemanhã, Itália e Espanha. Não sabíamos como lidar com eles, a princípio. Entramos primeiro na Suíça, em Zurique, que foi um marco para nós. Já em Viena, foi uma das melhores aberturas que tivemos -- a loja fica de frente para a Ópera, em meio a lojas de café muito tradicionais. A Starbucks está encontrando seu lugar. Há algo de muito valioso na tradição das lojas antigas, mas, especialmente para a nova geração, é bom ter novidades para explorar -- e isso podemos oferecer.
Quais os planos da Starbucks para o Brasil?
Estamos pesquisando. Já temos várias empresas brasileiras nos contatando, algumas que já atuam no setor de café. Teremos um parceiro no Brasil, assim como temos em todas os países do mundo. Isso serve para que possamos nos adaptar à cultura local. Estamos também analisando Chile, Venezuela, Colômbia e Argentina. O Brasil será um grande mercado para nós. Isso vai acontecer nos próximos dois anos, ou um pouco mais. Não temos data marcada. Em cada país, dependemos de um parceiro -- é isso que vai determinar a nossa entrada no Brasil.
Um parceiro significa...
...que não se trata de um franchising como o McDonalds. Normalmente investimos junto com o parceiro e, eventualmente, em dez anos formamos uma joint venture. Tipicamente, eles estão ligados ao setor do café, então já têm experiência. Também analisamos se o parceiro tem a mesma maneira que nós de lidar com o pessoal. É importante que tenhamos valores compatíveis.
A Starbucks trabalharia com fazendeiros brasileiros?
Temos uma boa fonte de café no Brasil - pelo menos três fornecedores, um deles no sul de Minas. Há uma grande ênfase no país, hoje, em produzir café de boa qualidade. E isso é muito estimulante para nós, porque com as expectativas que temos em relação à escala global precisaremos cada vez de mais café. Estamos criando um mercado que dá aos fazendeiros uma oportunidade, e respondem produzindo um bom café. O Brasil tem várias regiões cujo clima é bastante apropriado e nos servirá muito bem.
O que o fez largar uma sólida carreira, trocar um bom salário por ações e apostar num negócio de café que estava começando?
Na época, a empresa era bem pequena. Tínhamos 45 lojas - hoje abrimos mais do que isso a cada mês. Isso significa que tive uma redução significativa de salário e adicionei incertezas na minha vida. Mas adorei a idéia de construir algo do começo, gostei das pessoas da empresa e das lojas, da atmosfera, do produto. Há algo de místico na Starbucks. Era uma oportunidade de alto risco e alta compensação -- algo bem diferente do que eu já tinha feito. Foi uma fase da minha vida em que eu tinha de realizar algo desse tipo.
Quais são as diferenças entre o senhor e Howard Schultz?
Dividimos os mesmos valores, caminhamos na mesma direção, mas por rotas distintas. Howard é bom na área criativa do negócio, lançando conceitos e produtos. Minha função é torná-los realidade. Ambos os aspectos são necessários, mas muitas vezes não encontramos tudo isso numa mesma pessoa.
O senhor gosta de café?
Sim, adoro. Bebo até demais. Acredito que temos um dos melhores cafés do mundo - torramos de uma forma que faz que as pessoas notem a diferença imediatamente. Depois de experimentá-lo, é difícil achar outro café que agrade, especialmente os cafés dos Estados Unidos, geralmente fracos. Eu costumava achar que aquilo que eu bebia era café de verdade, e agora sei que não é.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
---
voltar |