Pamela York Klainer
01.dezembro.2002
Converse mais sobre dinheiro
A psicóloga americana ensina como vencer a inibição de discutir questões financeiras em família e mostra como os filhos podem se beneficiar muito disso no futuro
Por Tania Menai, de Nova York
A americana Pamela York Klainer, 57 anos, pertence a uma geração que cresceu no clima de euforia e temor que se seguiu à Grande Depressão, como ficou conhecida a mais severa recessão econômica dos Estados Unidos, nos anos 30. Pamela tornou-se uma "psicóloga financeira" e acredita que foi decisivo em sua carreira ter crescido numa família humilde e só ter alcançado a prosperidade depois de muito trabalho. Mesmo assim, confessa que o pavor da pobreza nunca a abandonou. No livro How Much Is Enough? (Quanto É Suficiente?), Pamela defende a tese de que a maneira como os pais lidam com o dinheiro é o elemento crucial na determinação do sucesso profissional e emocional dos filhos. Nesta entrevista, ela diz que muita gente se beneficiaria de uma "terapia financeira" para aprender a lidar melhor com o dinheiro e com a escassez dele.
Veja – Como planejar uma vida financeira num país de economia tão instável como o Brasil?
Klainer – Em nações de moeda sólida, o poder do dinheiro é usado para fazer negócios, filantropia e realizar novos projetos. Nesse caso, é seguro arriscar-se, pois, se houver perda de dinheiro, é fácil recuperá-lo. Já numa economia volátil, como no atual caso do real, a população tem de usar o poder do dinheiro para criar estabilidade para si e para a família, além de administrar os riscos. É uma posição defensiva, em vez de criativa ou produtiva. Essa situação ainda coloca uma questão para as pessoas ricas: "Você se preocupa apenas consigo e manda dinheiro para o exterior ou tem compromisso com a cidadania e responsabilidade suficiente para usar o poder de seu dinheiro para aumentar a estabilidade econômica de seu país?". Temos de usar o poder de nosso dinheiro para criar riquezas em nossa comunidade. Tirar o dinheiro de países de economia fraca é destrutivo, além de ser uma atitude individualista. Isso tem a ver com a moral de cada um.
Veja – A senhora escreveu que "o que nós queremos do trabalho, o que esperamos do dinheiro e o tempo que gastamos em busca dele têm relação com o resto de nossa vida". Parece óbvio. Por que tanta gente esquece isso?
Klainer – Nos Estados Unidos, as pessoas são definidas pela profissão que exercem. Ao serem apresentadas, a primeira coisa que se pergunta é: "O que você faz?". No Panamá, onde trabalhei, as pessoas são identificadas por suas conexões familiares ou posição na sociedade. O trabalho é capaz de testar nossas habilidades, de nos desafiar e de nos estimular a realizar projetos. Mas ele não preenche todas as lacunas de nossa vida. Psicólogos dizem que, para sermos felizes, precisamos nos autotestar no trabalho, sentir confiança no que fazemos e ter a habilidade de formar e manter relacionamentos. Executivos globais, focados no trabalho quase 24 horas, não costumam ter relações muito profundas. Por mais que amem a família, eles não têm tempo de estar com ela.
Veja – Em que ponto da vida as pessoas costumam buscar a "terapia financeira"?
Klainer – Em etapas diferentes. Muitos são empreendedores, executivos ou profissionais que trabalham excessivamente e sentem que falta algo mais em sua vida. Eles questionam: "Por que não sou feliz, já que tenho todo esse dinheiro e sucesso?". Ou então: "Já alcancei muito na vida. Será que é só isso que existe?". Sou procurada também por casais que gastam demais e por pessoas com tensão no trabalho e na família. São inúmeros os exemplos de indivíduos que precisam de orientação para que consigam harmonizar as exigências profissionais com a vida em família e em sociedade.
Veja – E como lidar com mudanças bruscas de realidade, como perdas repentinas?
Klainer – Não existe regra para essas mudanças repentinas de rumo. O interessante é que elas são perturbadoras também quando se ganha muito dinheiro. Tive uma cliente divorciada, mãe de dois filhos pequenos. Como professora de enfermagem, seu salário era minguado. Quando sua madrasta morreu, ela herdou nada menos que 21 milhões de dólares. É como se você dirigisse a vida toda um Fusquinha e de repente ganhasse uma Ferrari. As pessoas começam a olhar para você de modo diferente. Elas acham que você precisa repartir com elas parte da riqueza. Elas esperam doações. Isso pode infernizar a vida de uma pessoa.
Veja – Algumas mulheres ganham mais que o marido. Outras gastam mais, bem mais que ele. Como o dinheiro interfere no casamento?
Klainer – O número de decisões que tomamos em relação a dinheiro é maior que o número de vezes que comemos, rezamos ou temos relações sexuais. Só no trabalho, há quem faça centenas de decisões financeiras por semana. Mesmo assim, não conversamos o bastante sobre dinheiro e as questões que ele levanta. Muitos casais estão juntos há décadas e nunca conversaram sobre finanças. Com freqüência, eles precisam de ajuda de fora para começar a falar desses assuntos. Por isso eles me procuram. Isso envolve muita emoção.
Veja – E traz diversos outros assuntos à tona...
Klainer – Exato. Dinheiro tem dois significados. O literal diz respeito às questões de quantidade. "Quanto você ganha?" "Quanto custa sua casa?" "Quanto você pode gastar?" Já o sentido simbólico do dinheiro representa poder e sucesso. Tendemos a achar que pessoas endinheiradas têm sucesso, mesmo que elas sejam seres humanos horrorosos. Dinheiro também pode simbolizar amor – pais e mães ausentes costumam entupir os filhos de presentes, para compensar o afastamento. Não há assunto mais complicado que o valor simbólico do dinheiro. Por exemplo, uma promoção no trabalho significa, literalmente, que você tem mais dinheiro e, simbolicamente, que passou a valer mais. A demissão significa, literalmente, que você tem menos dinheiro e que, simbolicamente, para a empresa é mais vantajoso, em termos financeiros, se livrar de você.
Veja – Será que nos tornamos escravos do dinheiro?
Klainer – O dinheiro é sedutor. Se não tomarmos cuidado, nunca nos livraremos da angústia de não ter bastante. Visitei amigos que moram num luxuoso condomínio fechado na Flórida, protegido por seguranças. A casa deles vale meio milhão de dólares. A primeira coisa que eles fizeram quando cheguei lá foi me levar para conhecer outros condomínios onde as casas valem de 800 000 a 1,5 milhão de dólares. Foi patético. Eles já possuem uma casa com piscina e campo de golfe e ainda estavam olhando para quem tinha ainda mais. Chamo de "disciplina espiritual" a capacidade de saber o que podemos comprar e não precisar competir com os outros.
Veja – Como passar uma mensagem positiva sobre dinheiro aos filhos?
Klainer – A maneira como nossos pais lidam com dinheiro tem imenso impacto em nossa vida. As crianças imitam os pais, mais do que os escutam. É necessário dizer às crianças quanto ganhamos, de onde vem o dinheiro e o que fazemos com ele. Ensinamos as crianças a atravessar a rua e a dirigir com segurança. Mas não as ensinamos a lidar com o dinheiro de forma segura. Precisamos falar e estar prontos para responder a perguntas. A dificuldade que as pessoas têm de conversar sobre dinheiro ainda é um mistério para mim. Entrevistei uma menina de 20 e poucos anos que vive na Argentina. Ela é filha única e não tem idéia das posses dos pais. Se algo acontecer com eles, ela não estará preparada para gerir a vida sem eles.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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