Paul Slovic
01.dezembro.2002
Como conviver com o risco
O americano sustenta que os governos têm obrigação de alertar as pessoas sobre os riscos financeiros e os de outra natureza
Por Tania Menai, de Nova York
O psicólogo americano Paul Slovic não salta de asa-delta nem é piloto de provas. Mas ele sabe o que significa arriscar-se. Professor de psicologia da Universidade de Oregon, Slovic é presidente da Decision Research, organização criada em 1976 para ajudar indivíduos, governos e diversos setores a entender os riscos da vida moderna e a lidar com eles. Em seu livro A Percepção do Risco, ele analisa como as situações de risco têm impacto sobre nossas decisões, medos e confiança. Em cidades violentas, o risco de assaltos, roubos ou seqüestros faz cada vez mais com que as pessoas mudem sua rotina e passem a investir mais dinheiro do que tencionavam em segurança. Slovic ainda alerta que é crucial que os governos promovam campanhas informativas sobre os riscos aos quais as pessoas estão expostas e sugere que os criadores de leis escutem mais a ciência e as estatísticas.
Veja – Líderes e responsáveis por decisões que afetam a vida de milhares de pessoas têm mais percepção de risco?
Slovic – Isso varia de pessoa para pessoa. Algumas se arriscam mais. Por exemplo, acho que o presidente George W. Bush se arrisca bastante. Outros presidentes eram mais cautelosos. Não sei se há um traço em comum que faça líderes se arriscarem mais ou menos ou necessariamente os torne bons nisso. Muitos deles trabalham cercados de consultores – então as decisões são tomadas em grupo.
Veja – Em seu livro, o senhor diz que pessoas com diferentes níveis educacionais têm diferentes percepções de risco. Por quê?
Slovic – Pessoas que tiveram menos oportunidade de estudar são mais vulneráveis, ou, pelo menos, sentem-se assim. Se a pessoa percebe que tem controle de sua vida, que a sociedade a trata com justiça e que ela tem oportunidades, ela acaba se dando liberdade de arriscar mais. As situações não lhe parecerão tão arriscadas e isso dá mais coragem. Por outro lado, se a pessoa se sente discriminada e sem controle, o mundo lhe parecerá bem mais perigoso. Nos Estados Unidos, homens brancos tendem a controlar a sociedade. Eles criam tecnologia, administram as empresas, obtêm os lucros e, por isso, sentem-se mais seguros. Quem não tem essa posição vê maior número de riscos na vida.
Veja – Pessoas com paixão pelo risco necessariamente têm personalidade mais forte?
Slovic – As pessoas são diferentes nesse sentido. Muitas vezes, essas diferenças são internas, associadas à forma como o sistema nervoso é conectado – algumas pessoas têm um sistema nervoso mais reativo, elas ficam com mais medo e mais ansiosas do que outras. E isso inibe o ato de arriscar. Outras pessoas já adoram montanha-russa. Recentemente, um homem bateu o recorde mundial depois de ficar dias numa montanha-russa. Mas tem gente que nem chegaria perto de uma. A outra diferença é externa. Um alpinista aprende técnicas, precauções e, por isso, tem controle da situação. Ele pode não achar arriscado o que faz. Quem desconhece as técnicas pode até pensar que alpinistas estão em constante risco.
Veja – Será que esse controle é o mesmo de pessoas que têm de tomar decisões milionárias?
Slovic – Possivelmente. Depende da pessoa. Algumas fazem isso o tempo todo e já estão acostumadas. Elas nem chegam a ver essa situação como risco, apesar de mexer com imensas quantias de dinheiro. Outras devem gostar de passar constantemente por situações arriscadas.
Veja – O que faria os investidores se arriscar a colocar dinheiro na América Latina?
Slovic – No mundo da bolsa de valores há um fenômeno interessante. As pessoas preferem sempre investir no próprio país, mesmo quando há excelentes chances de investimento em companhias no exterior. Isso tem sido mostrado em estudos nos Estados Unidos e na Europa. Americanos quase sempre investem em ações de empresas dos EUA – e assim acontece com outros países. Agora que a economia está fraca, esses investimentos tendem a minguar no próprio país e simplesmente se extinguir no exterior. Para mudar essa situação, é preciso uma evidência espetacular o suficiente para convencer de que tal investimento é atraente. Do ponto de vista da percepção de risco, entramos no terreno do conhecido e do desconhecido. Investir em outras economias é o desconhecido – as pessoas se sentem mais confortáveis com o que elas conhecem.
Veja – Será que os recentes escândalos nas empresas americanas estão tornando os investidores menos abertos a riscos na hora de comprar ações?
Slovic – Não estudei esses escândalos de perto, mas tem-se discutido muito sobre quanto esses episódios abalaram a confiança que as pessoas têm na administração de muitas empresas gigantes, antes vistas como confiáveis. Despenca também a confiança nas informações produzidas por essas empresas. A confiança é um elemento extremamente importante na percepção do risco. Leva-se muito tempo para construir confiança – e minutos para destruí-la. Há quem diga que essa é a razão pela qual os mercados desabaram nos últimos meses. No longo prazo, esperamos que auditorias e maior controle empresarial ajudem a restaurar a confiança do investidor.
Veja – Quem tem mais dinheiro costuma arriscar mais?
Slovic – Essas pessoas podem até estar arriscando muito dinheiro, mas, como têm mais ainda, o risco significa uma pequena porcentagem de suas posses. Contudo, a quantia pode parecer alta para quem não tem todo esse dinheiro. Isso levanta uma questão: o que o risco significa para as pessoas? Não tenho uma resposta simples.
Veja – As profissões que escolhemos têm a ver com quanto estamos abertos a riscos? Por exemplo, no caso de pilotos ou cirurgiões.
Slovic – Talvez sim. Mas esses profissionais são altamente treinados para isso. Claro que existem cirurgias em que é difícil driblar altos riscos. Contudo, essas pessoas não se vêem lidando com riscos – sentem-se preparadas o suficiente para exercer suas funções. Elas tentam controlar os riscos.
Veja – Uma situação de risco nos prepara para outra?
Slovic – Podemos aprender se enfrentarmos diversas vezes a mesma situação. Mas não acho que dê para transferir o aprendizado de uma situação de risco para outra experiência. Digamos que você seja um investidor no mercado de ações. Suas experiências na bolsa de valores não irão ajudá-lo a lidar com sua saúde. O aprendizado é bem específico.
Veja – O terrorismo e a consciência do risco alteraram o comportamento das pessoas nos Estados Unidos?
Slovic – O risco é associado às imagens e aos sentimentos associados a elas. Uma das imagens dominantes do 11 de setembro, por exemplo, é a vulnerabilidade. Nesse caso, a nação mais poderosa do mundo foi desestabilizada rápida e dramaticamente por um número relativamente pequeno de pessoas. Uma das imagens de risco do século passado foi aquela imensa nuvem em forma de cogumelo, conseqüência da bomba nuclear. Essa imagem é tão assustadora que colaborou para estancar o desenvolvimento do poder nuclear nos EUA e em outros países. Hoje, as imagens das torres gêmeas em chamas e, posteriormente, desabando ficarão na mente de todos por muito tempo. Ainda é difícil prever como isso afetará nossa vida, mas sem dúvida nos fará pessoas mais cautelosas tanto nos investimentos quanto nas outras esferas da vida.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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