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David Kleeman
19.abril.2004

Pela violência responsável na TV
19.abril.2004

Tania Menai

Aos 46 anos, o americano David W. Kleeman ainda curte o Scooby-Doo, ri do Salsicha e adora Garibaldo. Há mais de vinte anos envolvido com mídia infantil, Kleeman é hoje o diretor-executivo do American Center for Children and Media (Centro Americano para Crianças e Mídia) – organização sediada em Chicago que presta consultoria e monitora a qualidade de toda a programação despejada diariamente para crianças. Criada há 15 anos, a organização vem acompanhando as mudanças meteóricas da mídia – tanto, que em 1999 deixou de se chamar American Center for Children’s Television para ganhar o nome atual.

Ainda nos tempos em que estudava psicologia na Universidade de Harvard, com o intuito de se tornar professor, Kleeman assistiu à palestra de um dos criadores do seriado “Vila Sésamo”. Foi então que decidiu que com a televisão poderia alcançar muito mais crianças do que em uma sala-de-aula. Trabalhou por cinco anos no próprio “Vila Sésamo” até engajar-se na organização em que atua hoje.

Pai de duas filhas, de 16 e 12 anos, ele desembarca no Rio de Janeiro nesta segunda-feira para participar da 4ª Cúpula Mundial Para Mídia de Crianças e Adolescentes, que acontecerá de 19 a 23 de abril na Escola Naval. Desde 1995, a cúpula reúne a cada três anos os principais nomes do cenário nacional e internacional no setor.

Mas a agenda carioca de Kleeman não será recheada apenas de mídia. Treinando para uma maratona marcada para maio, ele poderá ser visto suando a camisa na praia de Copacabana.

O que mudou na mídia infantil nos últimos 30 anos?

Tudo. Na década de 70, os Estados Unidos tinham apenas quatro canais de televisão que lidavam com mídia infantil em parte de sua programação. Não havia Internet, viodecassete, DVDs – as opções de mídia eram muito limitadas. O “Vila Sésamo” foi criado há 35 anos. Estávamos começando a ver uma programação que, de fato, levava em consideração os estágios de desenvolvimento intelectual infantil e construía seu conteúdo baseado no aprendizado. Além do “Vila Sésamo” tínhamos “Mr. Rogers” e “Capitão Canguru”. Nada muito além disso.

O “Vila Sésamo” é um sucesso até hoje. Qual a razão?

A maneira sábia como eles se desenvolveram, fazendo pesquisas constantes para saber sobre as mudanças no mundo infantil. A infância não muda – as crianças ainda têm de passar pelos mesmos estágios de desenvolvimento emocional e intelectual. O que muda é o ambiente que as circunda. O “Vila Sésamo” captou o que é essencial para a infância e formata o programa de maneira que as crianças continuem interessadas.

Inclusive para a versão da África do Sul foi criada uma personagem portadora de HIV – e na versão israelense, personagens árabes e judeus convivem na mesma rua...

Este é um dos brilhantismo do programa. Apesar de o “Vila Sésamo” vender a versão americana para alguns países, ele tem a genialidade de desenvolver versões locais para cada realidade. Por exemplo: hoje não precisamos ter um personagem portador de HIV na versão americana do programa, porque aqui o problema não atinge a maioria das crianças com idade pré-escolar. Mas na África do Sul este é um cotidiano tão devastador que é importantíssimo para as crianças de lá aprenderem, principalmente, a ter compaixão com as outras pessoas. E é isso que o programa tem feito lá ou em países como Rússia, China, Alemanha ou México. Eles sempre pesquisam sobre as necessidades das crianças de cada cultura.

Algum exemplo positivo na mídia brasileira?

Sim. Estamos assistindo a um crescimento no número de canais dedicados à educação comunitária. A TV Futura, por exemplo, usa a mídia para estimular mudanças essenciais em comunidades carentes. O programa “Cocoricó”, da TV Cultura, concorreu à premiação do Festival de Mídia Infantil Prix Jeunesse. O Brasil ainda tem excelentes canais como a TVE. Comercial e politicamente, a Globo ainda é a emissora que tem mais influência. Mas há dez anos se trouxe o programa da Xuxa para os Estados Unidos e ele não teve êxito.

E como anda a mídia infantil na América Latina?

Tenho participado de várias conferências e vejo uma grande discussão entre os produtores latinos sobre a criação de uma rede de produtoras e emissoras para mídia infantil. Acredito piamente que a América Latina está a prestes a ter uma imensa explosão de criatividade de produções de excelência neste setor. Os produtores estavam trabalhando até hoje isoladamente e nunca tiveram oportunidades de dividir idéias entre si. Estas novas conexões só trarão bons frutos, dada a tradição de contar histórias que existe na região. A idéia de não ter de importar programação americana e poder produzir histórias latinas é simplesmente fantástica.

Muitas crianças de países em desenvolvimento ainda estão – e estarão por muito tempo – desconectadas da Internet. O quanto isso aumenta o abismo que já existe entre estas nações e o Primeiro Mundo?

A Internet é um meio de diálogo entre todos os países – por isso, as comunidades conectadas, de fato, ganham mais, pois o mundo pode ouvir suas histórias. Eles deixam de ser apenas receptores para se tornar protagonistas. Ainda assim, devemos olhar para cada país individualmente e avaliar quais os recursos de cada um. O que vale é a elaboração de um bom conteúdo e boas mensagens – basta adaptá-los ao melhor meio. Para alguns países, é o rádio. Então, que se produza um excelente programa infantil de rádio. Vários países, como a Índia, não desenvolveram recursos significativos para a televisão – pularam diretamente para a Internet. Isso tem a ver com oportunidades e investimentos em tecnologias.

Tanto pais quanto professores tinham no passado controle sobre o aprendizado infantil. Qual o papel da escola e dos pais de hoje, já que as crianças dispõem de tantas outras fontes de informação?

Este é um assunto que tratarei no painel “Desafios para a Televisão Responsável” na Cúpula do Rio de Janeiro. É impossível para os pais controlar este bombardeio de informações. O problema não é só em casa. Os produtores de mídia infantil sabem que, para alcançar as crianças de hoje, eles têm de estar em todos os cantos. Não sei se algum de nós, envolvido no assunto, já tem uma resposta para isso. Ainda precisamos de muita discussão e colaboração – todos os envolvidos precisam ser mais responsáveis.

Em uma pesquisa publicada pelo American Center for Children and Media, uma menina de nove anos diz que, se tivesse de optar entre todas as mídias disponíveis, abriria mão da televisão. Segundo a menina “não há nada para fazermos com ela”. É por aí que está caminhando este setor?


Acredito que muitas crianças responderiam a esta questão da mesma forma. Contudo, ainda acho que haverá um lugar para se contar histórias, como fazem os programas infantis de televisão. Sentar no sofá e escutar uma história, sem ter de participar de nada, é uma parte essencial do desenvolvimento infantil. Mas muitas crianças de hoje estão rodeadas de DVDs, videogames, CDs, Internet e câmeras digitais e estão cada vez mais exigentes em relação a estes meios. Elas estão se tornando seus produtores de mídias e diretores de programação e frustram-se quando sentem que ninguém as está escutando. Reconheço, obviamente, que não são todas as crianças do mundo que têm acesso a tudo isso.

Como o fato de a criança produzir sua própria mídia desafia os profissionais do setor?

Estes profissionais têm de escutar seu público cada vez mais. Há 30 anos, os publicitários eram os que mais conheciam as crianças – eram eles que perguntavam e as escutavam. Os produtores de mídia infantil têm de ser informados sobre essa forma de ação para poder elaborar soluções inteligentes. Não há um bom produtor que não pesquise muito sobre seu público. As crianças de hoje detectam imediatamente alguém que as trata com desdém ou alguém que apenas finge que as está entendendo. Elas não dão papo para aqueles que querem apenas explorá-las. Então, os produtores têm de ser muito autênticos.

Uma de suas filhas tem 12 anos. O que o senhor gosta, ou gostaria, de vê-la assistir?

Ela assiste bastante a um canal americano chamado The N, feito para crianças da faixa etária dela. Eles mostram séries com atores e animação que lidam com aspectos sociais – como funciona a vida na escola, como ser um bom amigo, como será a época em que surgir o primeiro namorado. Tudo isso é contado com grande fundamento e sensibilidade e sem qualquer exploração infantil. De fato, a programação responde às questões de uma criança de 12 anos. Depois de chegar da escola e fazer o dever-de-casa, minha filha quer simplesmente escutar uma boa história e ouvir idéias que lhe ajudem a lidar com os assuntos que permeiam sua cabecinha.

Certa vez, o senhor elogiou o desenho Scooby-Doo por conter todos os ingredientes de que as crianças gostam – como humor, aventura e mistério – sem usar violência. É por aí que se deve seguir?

Eu não diria para ninguém evitar a violência totalmente. Às vezes, uma mostra responsável do que é violência pode ajudar as crianças a entenderem a razão pela qual a violência é negativa. Se, por exemplo, quiséssemos explicar às crianças que a guerra é ruim, não poderíamos mostrar uma guerra sem violência. As crianças não sentiriam o terror da situação. Contudo, se exagerarmos na violência e apenas focarmos nos atos, e não nas conseqüências, estaremos prestando um desserviço. Quando crianças assistem alguém levando um tiro e não percebem nenhuma dor, sangue, horror ou tristeza, elas entendem que esta violência não é algo sério - e que “na semana que vem terá um novo ator”. Se os produtores de mídia infantil acharem que em certos episódios a violência é algo absolutamente necessária, eles não devem deixar as conseqüências dos atos violentos de fora. Que mostrem os estragos.

Ainda assim, as crianças são expostas à violência em filmes e novelas mostradas na televisão em horários em que estão acordadas. Qual a saída?

Esta é uma questão bastante difícil. A responsabilidade cabe a duas partes. Uma é das emissoras de televisão, que devem pensar nos horários, no público e nas mensagens que veiculam. Assisto, por exemplo, ao programa “The American Idol”, do canal Fox, em companhia das minhas filhas. Nos divertimos e conversamos sobre ele. Os produtores da Fox têm de estar cientes de que muitas famílias assistem a este programa juntas – por isso, devem se preocupar com o que anunciam nos intervalos. Já os pais têm a outra porção de responsabilidade: estabelecer limites sobre os horários e programas que seus filhos vêem.

O que pensa sobre a violência de alguns videogames?

Fico triste e chocado com as decisões dos profissionais de videogames, assim como de alguns do setor de televisão. Pergunto-me: quem acha uma boa idéia criar um jogo em que o usuário é premiado por cometer atos de violência? Contudo, o conceito jogo em si é algo positivo, inclusive por estimular o controle entre mãos e olhos das crianças. Em certos casos, cirurgiões que jogam videogames têm um melhor desempenho nas operações em que usam câmeras. Jogar oito horas de videogame por dia é um grande problema. Mas se os pais ajudarem seus filhos a escolher os jogos e as crianças brincarem sem exageros, não vejo mal algum.

Assistindo ao Cartoon Network, contei pelo menos dois ou três anúncios de junk food em cada intervalo comercial. Trata-se de um reforço à epidemia da obesidade e diabetes infantil. Como reverter a situação, já que as emissoras precisam de anúncios publicitários para sobreviver?

Há muitas iniciativas em andamento, mas ainda estamos longe de um final feliz. A obesidade é um dos problemas dos produtores de mídia infantil. Tanto eles, quanto os publicitários e as emissoras, não devem mostrar que o “garoto que come demasiadamente é o garoto legal”. Não adianta elaborarmos um programa sobre boa nutrição e exercício se os comerciais mostram açúcar e gordura.

O que o senhor espera do fórum no Rio de Janeiro?

O valor desses encontros é deixarmos um pouco o nosso trabalho diário e vermos o setor como um todo. A Cúpula nos faz questionar a cada três anos sobre a saúde da mídia infantil, seus maiores desafios e as maneiras inovadoras de lidar com estes desafios. Quando termina, voltamos ao nosso dia-a-dia com mais visão, mais conexões e ainda mais energia.


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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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