Todas as entrevistas

Outras entrevistas de: O Globo

George Soros
01.junho.2004

A Bolha da Supremacia Americana

Tania Menai, de Nova York

Para o bilionário investor americano Georges Soros, a bolha da supremacia americana estourou quando popularidade do presidente George Bush começou a afundar. “E tudo aconteceu mais rápido e mais dramaticamente do que eu previ em meu livro”, disse ele ontem em entrevista a imprensa brasileira em seu escritório nova-iorquino. O livro em questão é “A Bolha da Supremacia Americana – Corrigindo o Abuso de Poder dos Estados Unidos”, recém lançado no Brasil (Editora Record, 224 páginas, R$ 29,90) e em mais 20 países e no qual ele critítica o governo de George W. Bush em todos os aspectos. Além disso, diz ele, a economia americana também está sendo revertida. “O país invadiu o Iraque tanto com objetivos declarados e não declarados. Hoje, a prioridade é diminuir o número de soldados mortos – tudo o que ele quer é evitar mais casualidade de agora até novembro, mês das eleições”, lembra. Soros aponta ainda a conexão na intensidade dos ataques terroristas de 11 de setembro e das torturas cometidas contra os prisioneiros do Iraque. “A comparação entre a brutalidade dos dois eventos ainda não foi digerida pelos americanos. Ao torturar prisioneiros, os EUA cometeram um erro primário: o de criar novas vítimas para lutar contra o terrorismo”

Soros comentou ainda que a política adotada pelo governo Bush no Iraque prepara os iraquianos para um cenário similar da Bósnia: um país onde três grupos étnicos eram donos de suas próprias milícias e exércitos, caminhavam para uma eleição que elegeria seus parlamentares ou líderes preparados para brigar entre si. “Esta é uma prospecção muito perigosa. Quanto mais cedo reconhecermos isso, é mais facilmente evitaremos que o Iraque chegue esta situação”, diz ele. O investidor apoia uma maior autonomia para os grupos principais e uma estrutura mais confederada para o Iraque. “Contudo, quando há petróleo, alguém tem de protegê-lo”, lembra.

Nascido na Hungria de uma família judaica, Soros conta em seu livro que passou na infância em plena Segunda Guerra Mundial. Depois disso, ainda viveu a ocupação soviética.“Aprendi muito cedo que os sistemso políticos podem afetar a nossa própria sobrevivência”, escreve ele ao lembrar do discurso em que bush dita que “quem não está com os EUA está com os terroristas”. Contudo, ele diz que os próprios republicanos estão mais enfurecidos com o atual governo do que os democratas. E aponta um grande perigo: ao falir no Iraque, os EUA vão se recusar a ter uma posição ativista nas relações internacionais. Segundo ele, os países estão cada vez mais interdependentes por causa dos mercados globais. E o que acontece nas demais nações é de vital importância para os EUA. “É necessário saber que tipo de regime há no Afeganistão ou Arábia Saudita, para se saber prevenir um ataque como o do World Trade Center”, afirma. Soros acredita que os EUA precisam melhorar as formas de interveção em países onde existem regimes corruptos, agressivos ou estados falhos. Ele condena maus governos por serem, segundo ele, a maior causa da pobreza no mundo. “ Falta de qualidade se combate com melhores governos. Este é o problema insolúvel do nosso sistema global”, diz. E lembra que quem quer que seja o próximo presidente americano, ele terá de encarar muitas dificuldades no Iraque.

ECONOMIA

“No mercado financeiro, sempre faço apostas para ganhar. Mas no cenários político, nem sempre aposto no que vai ganhar, mas no que vai acontecer”, diz ele. Soros avalia que atual economia não vai de vento-em-popa, apesar da leve melhora apresentada no último trimestre. Ele acredita que o Fed esteja aquém do esperado, e que isso não significa que superará expectativas depois das eleições americanas. O fato de haver um atraso nas taxas de juros também não significa que haverá uma mudança até as eleições. "Isso também vale para o ano que vem, porque estamos caminhando para uma estagnação da inflação crescente, o que leva a um vagaroso crescimento econômico". É isso que ele prevê para 2005. Ele não chega a apostar em um cenário amargo, devido à melhora da economia global. Mas ele prevê um freio e o resultado disso, segundo o investidor, é difícil de prever. Mas acrescenta que 2005, e até 2006, será mais fraco que 2004.

Soros não têm comentários sobre o Brasil por estar focado em demais economias, como a China. "Houve muito esforço de aumentar a economia chinesa - hoje há o mesmo esforço para diminuir seu ritmo." China e os EUA, segundo ele, seriam as duas grandes economias previstas para diminuir o ritmo em 2005. Soros acrescenta ainda que o caso da Argentina (default) não se aplica ao Brasil – "os fundamentos do Brasil são bem melhores do que eram os da Argentina na época do default. Seria uma atitude pouco inteligente para o Brasil sequer contemplar a idéia de default." No caso da Argentina, diz ele, o default foi beneficiário, porque quando a situação está demasiadamente deficitária, o alívio de não pagar a dívida dá a economia um impulso imediato. É o que aconteceu com os argentinos. Mas é importante para os governos saberem usar esta oportunidade para consolidar os ganhos. Apesar da boa recuperação econômica, os argentinos estão sofrendo escassez de energia, transporte e afins, o que necessita de investimento. E se esse investimento não acontecer, acredito que a prosperidade não irá durar.

Soros diz ainda que o terrorismo já afetou o preço do petróleo e que esta é uma preocupação crucial. Hugo Chávez poderá ter uma atitude mais controladora, pois sabe que o mundo precisa de petróleo - e ele está “ao volante” da questão. "Se tivermos sorte, e a Arábia Saudita conter o terrorismo, poderá haver alguma saida. Não sei se isso vai acontecer, mas pode acontecer. Não posso prever se o óleo vai subir ou descer." Soros acredita que já que a economia em 2005 apresentará certa vagarozidade, o mundo precisará de uma nova forma de estímulo. Ele sugere que uma boa forma de investimento seria colocar dinheiro nos mercados emergentes. Em seu livro, ele diz que para o milênio o mundo precisa de 50 bilhões de dólares por ano, sendo que 16 bilhões teriam de vir dos EUA.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

---

voltar