Nolan Bushnell
22.junho.2005
Tania Menai, de Nova York
Os relógios marcavam uma, duas, três, quatro da manhã, quando o estudante de engenharia Nolan Bushnell invadia os laboratórios da Universidade de Utah. A década era de 60 e o jovem queria, simplesmente, jogar Space War e Fox e Geese. Contudo, na época, jogos como estes eram instalados apenas em computadores que valiam sete milhões de dólares. Em 1968, Nolan pegou sua família e mudou-se para o Vale do Silício atrás de um emprego na área de engenharia. Em casa, preparou um quarto exclusivamente para montar um videogame, coisa que nunca saiu de sua cabeça – o Computer Space. Aos 27 anos e muita criatividade, Nolan fundou a Atari, com 250 dólares de seu próprio bolso, e o mesmo valor do bolso de seu sócio.
Em 1972, ele criou Pong, o primeiro videogame comercializado. Nolan reforça que não foi ele o inventou do videogame – mas foi ele quem criou o mercado para esta nova brincadeira. No ano seguinte, a Atari já contabilizava 11 milhões de dólares em faturamento. Mais um ano e a cifra batia os 36 milhões. Desde cedo, eles começaram com uma tradição que dura até hoje no Vale do Silício – todos trabalham de jeans, e chefões não tem benefícios a mais do que o resto da serventia. Anos depois, Steve Jobs, que chegou a trabalhar na Atari, adotou este modelo na Apple Computers.
Em 1976, Bushnell vendeu a Atari para a Warner Communications por 28 milhões de dólares, mas continuou como consultor por mais dois anos. Ele deixou a empresa em 1978, antes de ela falir (em 1983, perdendo 539 milhões de dólares). Sua nova invensão foi o Chuck E. Cheese Pizza Town Theatre, uma rede de restaurntes que em cinco anos já tinha 200 lojas nos EUA, Canada, Hong Kong e Australia. O que Nolan gosta mesmo é de abrir uma empresa, vê-la crescer e mergulhar em outro empreendimento. Foi isso que ele fez. Entregou o Chuck E. Cheese para profissionais da cozinha e investiu 500 mil dólares na incubadora Catalyst Technologies, que dava vida à start-ups, incluindo a Etak, que faz sistemas de navegação para carros. Mas foi quando Chuck E. Cheese faliu, que Nolan perdeu tudo, devendo milhões de dólares ao banco. Viciado em sucesso, Nolan teve que aprender a viver modestamente. Mas nunca sem perdeu sua artéria empreendedora.
Hoje, aos 62 anos, pai de oito filhos e avô de dois netos, suas engenhocas da cabeça continuam bolando games e projetos que ele ainda mantém em segredo. Ele vive com a família em São Francisco, mas conversou com a Oi durante uma viagem de negócios a Los Angeles com o seguinte recado: “continuem jogando!”
De quê o senhor brincava quando era criança?
Sempre fui um pensador. Gostava de brincar com pilhas, lâmpadas usadas, interruptores velhos, e coisas assim. Mas em termos de jogos, era ávido por jogo de cartas, e, desde pequininho, era fascinado por xadrez.
Qual diferença entre o Computer Space e o Pong, seu primeiro e segundo videogames?
Pong foi meu segundo videogame. O primeiro foi o Computer Space. Foi muito mais complexo e, francamente, mais difícil de jogar. Senti então que meu próximo jogo deveria ser mais simples. E Pong veio como um projeto de xadrez que eu tinha para um dos meus engenheiros. Foi mais simples do que eu achava necessário – mas era tão divertido, que decidimos colocar no mercado.
E o PacMan ou River Raid?
Estes jogos vieram anos depois. Eram divertidíssimos. PacMan foi desenvolvido no Japão e RiverRaid foi feito por alguns dos meus engenheiros logo depois de eu deixar a Atari.
Quais dos jogos que o senhor criou tem influenciado mais a indústria de videogames?
Qualquer um ligados a direção de automóveis e de esportes tendem a ser o protótipo de algum dos principais jogos de sucesso vendidos hoje.
Por que jogos de Atari com quase trinta anos de idade ainda vivem,
especialmente nas telas dos telefones celulares? O que lhes garante tanta longevidade?
Eles eram todos desenhados com simplicidade – eram mais focados no jogo em si do que em ilustrações. Naquela época não era fácil criar bons desenhos em telejogos. Por isso, este tipo de jogo é perfeito para celular – os aparelhos têm uma tela tão pequena, que não daria para criar gráficos muito elaborados.
Em que momento o senhor percebeu que o Atari era um sucesso?
Lembro quando cheguei de carro no trabalho, um certo dia, e o estacionamento em volta do prédio da Atari estava lotado de carros. E pensei: “nossa, de alguma forma, todos estes carros estão sendo pagos pela Atari! Há bastante atividade econômica acontecendo por aqui”. Esta foi a primeira vez que me dei conta disso, provavelmente em 1974.
Mais de 20 empresas já foram criadas por meio de uma incumabora que o senhor criou. O senhor gosta deste início de operações ou se cansa da rotina corporativa?
Gosto da parte corporativa misturada com as diversas invenções. Adoro a opção de criar uma empresa a partir de uma nova idéia e fazê-la crescer até a sua “adolescência”. Acho fascinentes acompanhar os estágios de formação de uma empresa – é aí que criamos e resolvemos a maior parte dos problemas. Depois disso, acabamos fazendo mais ou menos sempre a mesma coisa, maior e melhor. Mais tarde, a empresa torna-se menos interessante para mim. De fato, do zero a 200 milhões é a parte mais divertida.
Logo depois de sair da Atari você fundou a Chuck E. Cheese? Como foi esse salto na época? Como você pensou que seria uma boa idéia juntar pizza e videogames?
Foram negócios totalmente diferentes. Problemas distintos para serem resolvidos. De certa forma Chuck E. Cheese era puro porque eu estava fazendo apresentações diretamente para o público. Quando você cria um produto, existem vários elementos entre você e o público, incluindo as lojas. Passamos boa parte do tempo lidando com intermediários. No Chuck E. Cheese, lidávamos diretamente com o público, que avisa logo se está insatisfeito ou feliz. O feedback era muito bom e, é claro, queríamos sempre ver os clientes felizes.
Você ainda joga videogames?
Certamente. Ontem à noite joguei Worldcraft 3. Ontem à tarde joguei um dos meus jogos, por cerca de meia-hora. Anteontem joguei alguns jogos no Yahoo, como Swaplt, e um jogo de gols, com algumas pessoas da China.
O senhor tem oito filhos e dois netos. Eles jogam?
Claro! Todos eles. Alguns preferem o Dance Stand Revolution, minha filha mais velha gosta de um que eu fiz, chamado Blocks.
Você obriga seus filhos a praticar esportes e ler um pouco ou os deixa
jogar videogames o dia inteiro?
Limitamos as horas de jogo. Às vezes isso é difícil. Não acredito que as pessoas não devem jogar muitos videogames. Acho que duas horas por dia é o máximo que alguém pode jogar.
Há uma preocupação grande entre os pais sobre a quantidade de jogos
violentos, especialmente em consoles como o PlayStation. Qual sua
opinião?
Acho que muita violência apresentada a crianças pequenas não é boa coisa e eu, certamente, limitaria jogos extremamente violentos - especialmente os que são socialmente indesejados. Assim como na área de música, existem muitos jogos que dão péssimos exemplos para crianças. É imperativo que os pais limitem o uso destes jogos.
Mas as pessoas e empresas que criam estes jogos também não deveriam encarar alguns limites?
Havia uma época em que tinham uma regra que dizia que podíamos explodir um avião ou um tanque, mas não podíamos atirar ou machucar uma figura humana. Hoje isso soa antiquado, mas as regras eram assim.
O que o senhor acha sobre o impacto dos games em crianças?
Pesquisam mostram claramente que crianças que jogam com moderação, têm um melhor desempenho do que as que não jogam. Não conheço nenhum programador de computação de primeira linha que não jogue videogame. É quase impossível ser um bom profissional de tecnologia e não jogar games. Parece também que crianças que jogam games tem um Q.I. mais elevado – os exercícios para cérebro, estimulados pelos jogos, acabam sendo muito benéficos. Por outro lado, crianças que jogam de três a quatro horas, ou mais, de videogames por dia, acabam tirando notas ruins na escola. Então acho importante os pais estimulares seus filhos a jogarem um pouco, sem deixar os jogos chegarem ao nível da obsessão.
Você disse uma vez que lamenta por ter deixado o centro de gravidade do mercado de jogos mudar dos Estados Unidos para o Japão. O que os orientais têm que nós não temos?
Acho que eles querem investir em um nível de pesquisa em videogames, coisa que as empresas americanas – depois do Atari – passaram a não fazer. Contento-me em dizer que, em termos de software, acredito que os EUA continuem na frente. Há mais softwares sendo produzidos aqui do que em qualquer outro lugar. Mas fiquei triste por termos perdido o lado dos hardwares.
O Brasil é um país de poucos computadores e muitos videogames e celulares. Você acredita que o videogame possa desempenhar algum papel na inclusão digital?
Não até que qualquer destas coisas estejam conectada à Internet. Ter videogames não é suficiente. Para um país se tornar virtual, as pessoas tem de ter conexão à Internet, ter um browser. Não há dúvidas sobre isso. Há muita informação e muito conhecimento disponível na Internet – a sociedade que não tiver esta ferramenta terá problemas. Videogames sozinhos não resolverão esta divisão digital. Eles são insuficientes. Talvez eles ajudem, mas as pessoas tem de estar conectadas, além de ter um browser. Esta é a chave.
Se voltássemos à década de 70, você faria algo diferente? Não teria
vendido a Atari, por exemplo?
Arrependo-me de ter vendido o Atari todos os dias da minha vida. Mesmo assim, diverti-me muito com Chuck E. Cheese. Mas fico triste que o Atari acabou bagunçado pelos caras para quem vendi a empresa. Eu era orgulhoso do Atari. Ainda sou. Adoraria ter motivos para continuar tendo este mesmo orgulho hoje.
O auge da Atari foi praticamente contemporâneo do sucesso da trilogia Guerra nas Estrelas. Enquanto um fascinava pelos efeitos especiais revolucionários, os videogames ainda eram bastante limitados,tecnologicamente. Vocês queriam fazer mais, mas a tecnologia da época não permitia?
Não chegava a desapontar, mas a situação era a seguinte: os videogames tinham que operar em computadores bastante simples e baratos. Tínhamos limitações – mas tínhamos orgulho do custo-benefício do que conseguíamos fazer. Acredito que levou alguns anos para a tecnologia alcançar nossas idéias.
Quais os pontos-chave da história do videogame?
A primeira versão do Pong, que era operado com moeda, foi o primeiro passo. O segundo foi quando fomos capazes de colocar os chips nas casas das pessoas. O terceiro foi quando fizemos os jogos programáveis com com cartuchos. O quarto foi quando os jogos foram relançados com uma programação visual mais elaborada – alguns foram feitos pelo Nintendo na década de 80. O quinto, e grande, passo foi quando os jogos foram conectados à Internet. E o próximo passo, que deverá vir nos próximos três ou quatro anos, será quando os jogos se tornarem genéricos e não sistemas fechados. Hoje a economia dos jogos é fechada – quando ela se abrir, teremos espaço para mais inovações.
Qual a importância dos jogos como produtos culturais?
A tecnologia dos jogos podem ser uma ferramenta educacional bem poderosa. Ela não tem sido usada desta forma e estou bastante desapontado neste sentido. Esta é uma área que está começando a receber alguma atenção. O serviço militar dos EUA começou a usar simulações usando tecnologia de videogames para treinamento e estratégias. Acredito que em dez anos, crianças passarão 30% ou 40% do tempo usando videogames com conteúdo educacionais nas escolas. Isso terá um benefício maior do que outras táticas educaionais usadas hoje.
Quais os projetos em que o senhor está envolvido?
Ainda não posso falar muito sobre isso, mas é um projeto fascinante. Mas deixa eu lhe contar uma coisa: videogames, de certa forma, podem ser um instrumento de isolamento. Uma criança, uma tela. Um adulto, uma tela. Alguém sozinho, numa sala escura, jogando com uma tela. Talvez tenha dezenas de outras pessoas na mesma sala jogando o mesmo jogo, mas você nem sabe. Eles podem até se comunicar digitalmente, mas não é o que eu chamo de uma experiência social plena. Acho que está faltando um ambiente de videogame totalmente social, no qual as pessoas podem jogar juntas e se olharem ao mesmo tempo. Historicamente, jogos eram sociais. As pessoas jogavam por causa da sociabilidade que eles proporcionavam. Perdemos isso – e vou tentar trazer este aspecto de volta.
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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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