Steven Spielberg
10.julho.2005
Tania Menai, de Los Angeles
Guerra dos Mundos, o mais novo filme de Steven Spielberg e Tom Cruise, lançado mundialmente no último dia 29 de junho arrecadou 204.2 milhões de dólares em 78 países nos cinco primeiros dias. Mas não são cifras que fazem o diretor mais reconhecido do mundo sossegar. Famoso por gostar de correr riscos, Spielberg roda hoje um filme ainda sem título que tratará sobre reação de Israel ao atentado palestino que assassinou atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique em 1972. O filme, com lançamento previsto para a véspera deste Natal, já tem garantia no Oscar do ano que vem. Spielberg conversou com a Veja em seu escritório da Dreamworks, de Los Angeles.
O senhor é eclético. Dirige desde filmes que vão de E.T. à Guerra dos Mundos, além de A Lista de Schindler e O Terminal. Seu novo filme falará sobre os agentes secretos israelenses, o Mossad, e o atentado das Olimpíadas de Munique 1972. Como o senhor navega entre diferentes nichos?
Spielberg – Acho que alguns diretores sentem-se seguros dirigindo dentro dos gêneros que eles acham ter sucesso, como M. Night Shamalon, um diretor talentoso, mas que se limita a dirigir filmes sobre temas sobrenaturais. Quentin Tarantino faz outro tipo, Hitchok nunca abandonou sua própria invenção – ele foi o mestre do suspense. Ele cunhou esta moeda e aperfeiçoou o gênero de assassinatos e suspense. Ninguém antes, nem depois dele foi igual. Mas eles nunca sairam de seus gêneros. Desde que eu era um jovem diretor, sempre tive medo de me prender a um gênero. Especialmente quando fiz meus dois primeiros filmes, The Sugarland Express e Duel. Ambos tinham muitos carros. O primeiro era sobre um caminhão seguindo um carro. O segundo era sobre noventa carros de polícia correndo atrás de um carro policial com crianças dentro. E todos os críticos, especialmente na Europa, chegaram à seguinte conclusão: “ah, agora entendemos Spielberg. Não o conhecíamos antes de Duel, ele era novo no pedaço. Mas agora vemos que ele é o mestre das quatro rodas!”. Mal fiz dois filmes e já era o mestre das quatro rodas! Tive que fazer algo radical sobre isso. Então meu filme seguinte foi O Tubarão.
E o que eles passaram a dizer?
Spielberg - “Steven Spielberg é exatamente o que pensávamos – o mestre destes grandes monstros do desconhecido que perseguem as pessoas”. Todas as vezes em que as pessoas tentavam me colocar em alguma categoria, eu tentava me desvencilhar. Nunca quis ser taxado. Meus diretores prediletos faziam filmes variados – Sir David Lean (1908-1991), Henry Hathaway (1898-1985) e Victor Fleming (1883-1949). Adoro John Ford, aprendi muito com ele - mas ele não é o meu diretor predileto. Os diretores que mais admiro são os que não somos capazes de reconhecer, aqueles que não possuem um conjunto de obras em um estilo pré-ordenado ou pré-concebido.Tento cada vez mais ser eclético. Mas ainda honro diretores que não são. Sou o primeiro da fila quando eles lançam um filme novo.
Como o senhor usou ficção científica para contar o que está acontecendo hoje?
Spielberg – Quando H.G. Wells escreveu A Guerra dos Mundos, em 1898, ele estava reagindo contra a colonização britânica. Para isto, ele contou esta metáfora fantasiosa sobre alienígenas vindo destruir o mundo. Politicamente, nosso filme não é um discurso sobre colonialismo ou imperialismo. Tampouco sobre o unilateralismo americano que existe hoje. Considero-me um democrata-conservador, mas certamente entendo que o governo Bush tem sido o mais unilateral de todos os governos deste país. Contudo, trata de um experimento com o terror. É sustentado pelo fato de estarmos vivendo em tempos de muito mais ansiedade e falta de confiança. Desde 11 de setembro o mundo ficou diferente. Há uma nova face do inimigo. É esta idéia aterroriza mais do que os dados factuais – a idéia de que existem terroristas, e que eles estão escondidos atrás da moita, gera uma tremenda ansiedade e paranóia em qualquer sociedade. Especialmente nos Estados Unidos, pois fomos nós que fomos atacados. Todas as versões de Guerras dos Mundos foram feitas em tempos de instabilidade. A versão de rádio foi ao ar em 1938 durante a época da ocupação de Hitler na Europa Oriental. O filme de 1953 aconteceu quando estávamos com medo de os russos nos bombardearem com armas nucleares. Esta nova versão de Guerra dos Mundos não é diferente do resto – mas ela acontece numa atmosfera diferente de ansiedade e medo.
Então como o senhor vê esta nova versão da Guerra dos Mundos?
Speilberg - Bastante amendrontadora - ao mesmo tempo, extremamente realista. Em vez de levar para o lado Hollywood, preferi usar o ponto-de-vista “e se acontecesse uma catástrofe assim?”. O Tom faz o papel de um pai de duas crianças, sem muitas habilidades paternas. Não vê os filhos com tanta frequência. Ele é seu próprio filho preferido. No fim-de-semana em que acontece esta catástrofe mundial, ele coincidentemente está com os filhos. O filme inteiro é visto sob seus olhos e os de sua filha. Portanto, o filme se torna muito mais amendrotador e nervoso; não dá muito medo de ver uma pessoa numa montanha olhando para baixo, mas dá bastante medo quando não se é capaz de ver o que está acontecendo do outro lado da montanha. Principalmente quando você sabe algo está acontecendo lá e que este terror está vindo em sua direção. Você pode ver, cheirar, e tem de fugir – e é isso que torna a situação aterrorizante. Eu queria ter feito A Guerra dos Mundos 15 anos antes de eu conhecer Tom Cruise. Cheguei a ir à Paramount do final dos anos 80, ou começo dos anos 90, para fazer Guerra dos Mundos como o principal parque temático do Universal Studios de Orlando – queria criar uma jornada incrível. Mas a Paramount não me cedeu os direitos. Eles disseram que um dia eles mesmos iriam fazer este parque. Claro que eu sabia que eles nunca fariam - e nunca farão. Mas na época, cheguei a perguntar, brincando, se eles me dariam os direitos para um filme. Eles responderam, “Bem, neste caso...”
Então este filme não é uma alusão a nenhuma guerra específica do nosso tempo...
Spielberg – Este filme é sobre qualquer guerra. Mas é uma guerra que une os humanos contra um mesmo inimigo. Às vezes, sinto que todos os nossos esforços para chegarmos a uma anistia global são tão frugais que na minha própria parcimônia, busco uma história assim para trazer alienígenas como um último recurso para unir os nossos países. Talvez seja este o meu próprio esforço para dizer que nós não deveriamos matar uns aos outros. Deveríamos nos ajudar, para criar os nossos filhos numa colaboração global, onde opção sexual, crenças religiosas e desavenças sobre as maneiras como as pessoas conduzem suas vidas na privacidade de seus países deveriam ser honradas e respeitadas. Se tivéssemos curiosidade um pelo outro, não teríamos razão para brigar. Infelizmente, apenas algum de nós tem esta curiosidade. A maior parte de nós age na defensiva e tenta proteger-se dos outros. E esta estranha sensação de auto-preservação tem consequências: só porque o outro não nos é familiar, provocamos essa grande calamidade no mundo. Escutar é a coisa mais importante do mundo. Desde pequeno, aprendi como judeu que a principal reza do judaismo chama-se Shemá Israel – shemá significa escutar. Aprendi a escutar desde crianças. Meus avós nunca diziam que crianças deveriam ser vistas e não escutadas. Eles escutavam o que eu tinha a dizer. Mas da mesma forma, eles esperavam que eu os escutasse de volta. Então aprendi a escutar desde pequeno. Minha vida inteira foi baseada nestes princípios. Se escutássemos mais os outros...
Nos seus filmes, os alienígenas, como E.T, tendem a ser carismáticos. Neste filme não é bem assim. O que esperar?
Spielberg – Algo bem realista e voraz – este é um alienígena que eu não gostaria de ter como animal de estimação. Desta vez, estou saindo do meu personagem comum. Normalmente, minha personalidade olharia para o céu e diria que há apenas amizade e esperança por lá. Até hoje sou bastante otimista sobre o que existe no universo – gosto de acreditar que existam apenas forças positivas e que somente a Terra seja um lugar de conflitos. Contudo, diverti-me tanto dirigindo estes alienígenas maquiavélicos e suas máquinas que achei razoável deixar de lado a minha banalidade e entrar na ficção científica e no horror. Sempre digo que todos os alienígenas por aí são bonzinhos; mas estes não.
Como o senhor balanceou o uso de efeitos especiais com o trabalho dos atores?
Spielberg – O equilíbrio entre os efeitos especiais e os personagens está sempre no roteiro. Nesta história, o personagem vem em primeiro lugar; os efeitos especiais em segundo. Fiz o máximo para que os efeitos especiais não ofuscassem os personagens. Mas, não preciso dizer que no terceiro ato a ficção os ofusca porque este é o clímax onde tudo acontece – é aí que está a maior parte dos efeitos especiais. Mas a grande coisa desta história é que os efeitos especiais só são bem-sucedidos porque o público se preocupa com os personagens. Você torce, reza , treme de medo por eles. E espera que eles sobrevivam. Então você não vê a cena como efeitos especiais, mas como uma ameaça, como o antagonismo. Mesmo com tantos efeitos, espero que o público veja este filme como um filme de personagens.
Por exemplo...
Spielberg - Um dos pontos deste filme é: nada passa a ser normal. Nem mesmo sentar sobre degraus. Tudo se transforma em um novo mundo. Quando estes invasores atacam os nossos países, tornamo-nos refugiados americanos. E isso nunca aconteceu antes na história – a experiência de ser um refugiado americano. E como refugiado, você se agarra às memórias de como o mundo era antes do ataque. Para mim, aquela escada representa algo em comum entre todas as casas. Não importa em que lugar do mundo você esteja; se você vir uma escada, você vai se lembrar da sua casa. Então perguntei ao Tom o que aquela escada o lembrava. E ele disse que lembrava de sua casa antes do ataque dos alienígenas. Então por que a gente não filma a cena sobre a escada para que você e a sua filha sintam como se quase estivessem de volta para casa?
O que o senhor acha dos críticos de cinema?
Tom Cruise e eu temos uma coisa em comum: as pessoas acham que quando assistimos a um filme, comparamos a tudo o que já fizemos. Não é nada disso. Quando vejo um filme ou mesmo um filme que não é bom, mas que tem aspectos bons, eu deixo-me levar. Esqueço que sou um diretor – e o Tom esquece que é um ator. Apenas entro na onda do filme e dos personagens. E no final, apenas agradeço pelo fato de eu não ter que fazer nenhuma crítica. Certa vez, sentei ao lado de um crítico famoso para assistir a um filme. Não sei como ele foi capaz de resenhar alguma coisa – ele anotava o tempo todo. Por isso, acho que todos os críticos devem assistir a cada filme duas vezes – a primeira vez, apenas para anotar o que eles precisam. A segunda, para analisar. Mas a maior parte dos críticos escreve enquanto assiste. Como alguém é capaz de julgar um filme quando você passa a maior parte do seu tempo escrevendo?
O senhor assiste filmes estrangeiros?
Spielberg – Sim. A maior parte das vezes na época do Oscar, entre novembro e janeiro, quando os filmes estão à mostra para votação. Ou então quando estou em Nova York, uma cidade muito mais conveniente para isso do que Los Angeles. Basta caminhar pela área do Lincoln Center e assistir os tantos filmes estrangeiros por lá. Por sinal, o melhor filme entre todos os que assisti no ano passado, incluindo os americanos, foi o espanhol Mar Adentro, do Alejandro Amenábar, que fez um trabalho magnífco – ele é um grande diretor. Quanto a Javier Bardem, que ator espetacular.
Quantas horas por dia o senhor trabalha?
Spielberg – Quando estou filmando, trabalho muitas horas, umas 14 horas por dia. Quando não estou filmando, levo meus filhos para a escola todas as manhãs - dependendo do rodízio de carros dos pais, chego aqui no escritório entre 8.30 e 9.15 da manhã – a escola de um filho é mais longe do que a do outro filho. E saio do trabalho às 5.30 da tarde, estou em casa para o jantar.
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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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