Gus Speth
31.julho.2009
"Em breve, não haverá o que proteger"
No livro Red Sky at Morning, o ambientalista James Gustave Speth descreve os estragos já feitos na natureza, relata a postura dos governos em relação ao meio ambiente e avisa que se o ser humano não agir agora, daqui a poucos anos não haverá muito o que proteger. Ele não é pessimista, apenas sabe o que fala: é o que demonstra também nesta entrevista exclusiva
Tania Menai, de Nova York
Planeta Sustentável – 31/07/2009
“Céu vermelho de manhã, marinheiro tome cuidado”, diz o ditado que alerta navegantes. Com o mesmo tom alarmante, o ambientalista americano James Gustave Speth escreveu em um de seus livros “Red Sky at Morning” (Céu vermelho de manhã - Yale University Press), ainda sem tradução para o português.
Diretor e professor do departamento de Estudos de Meio Ambiente e Florestamento da Universidade de Yale, em New Haven, nos EUA, Speth relata que, apesar das negociações e tratados internacionais estabelecidos nas últimas duas décadas, os esforços para se proteger a Terra não estão funcionando.
Com dados e números precisos, ele descreve os estragos já feitos na natureza - como deflorestamento, desertificação, escassez de água e perda de biodiversidade. Relata, ainda, a postura dos governos em relação ao meio ambiente, dedica algumas páginas à Amazônia, e deixa explícito que, se o ser humano não agir agora, daqui a poucos anos, não haverá muito o que se proteger.
Speth não é pessimista – apenas sabe o que fala. Foi Speth quem fundou e presidiu o Instituto Mundial de Recursos, foi conselheiro dos governos de Jimmy Carter e Bill Clinton, presidiu o Conselho Americano de Qualidade Ambiental, e ainda encabeçou o PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Há dois anos, foi condecorado com o Prêmio Planeta Azul, oferecido em Tóquio, por sua liderança na busca por soluções científicas para problemas globais na área ambiental, e por ter fomentado a discussão sobre o aquecimento global no cenário internacional.
Bem-humorado, James Gustave Speth, que conhece bem o Brasil, concedeu esta entrevista de seu escritório, na Universidade de Yale.
Há 30 anos, quando o senhor fazia parte do governo Carter, já se conhecia as ameaças globais ao meio ambiente. Ainda assim, pouco, ou quase nada, foi feito. Se continuarmos negligentes, será que chegaremos a uma situação irreversível?
Já passamos, há muito tempo, do ponto da irreversibilidade. Por exemplo, florestas tropicais estão sendo dizimadas. Com isso, pelo menos 15% das espécies de animais desapareceram. Já no campo da meteorologia, as mudanças climáticas provocarão a perda da grande parte das espécies de corais do mundo. Se não dermos passos positivos agora, o futuro será bastante triste.
Teremos mais eventos extremos, como mudanças nos padrões de chuva, enchentes, furacões, ondas gigantes, tornados, aumento no nível do mar, proliferação de doenças, perda de biodiversidade. Perderemos terras cultiváveis, florestas, teremos um sensível esgotamento da pesca oceânica e severa falta de água potável. É um futuro que não dá vontade de visitar.
Em 2001, o então presidente George W. Bush se recusou a assinar a ratificação do Protocolo de Kioto, que lida com a legislação internacional para a proteção climática. Alegou que seu comprometimento com o tratado, seria negativo para a economia americana. O quão ruim esta decisão está sendo para o mundo?
Este foi um passo terrível tomado pelo país que mais polui o clima no mundo. Historicamente, esta atitude será vista como um dos piores erros de política pública desta era. Nos últimos quatro anos, os EUA fizeram quase nada em relação a política climática. E internacionalmente, isso já freou o progresso e ameaçou todo o Protocolo de Kioto. Esta atitude é crítica porque os EUA são responsáveis por 25% a 30% do problema – e também porque os demais países buscam liderança nos EUA. Então temos aí um país relevante tanto para a causa do problema quanto para sua solução – abandonando um acordo como o de Kioto, os EUA abandonaram o mundo.
Os EUA são o país mais consumista do mundo – e ainda entope suas estradas com SUVs. Como isso fere o meio ambiente?
Os EUA negligenciaram as políticas de energia por muito tempo e, assim, criaram um problema. Por exemplo, o Brasil adotou a política de se mudar para gasolina B e produz combustível renovável. Nos EUA, a única política de energia que temos é a gasolina barata. Temos negligenciado programas que promovem eficiência de energia em nosso país. E tudo isso apenas por motivos políticos.
E como uma Guerra, como a do Iraque, afeta o planeta?
A guerra no Iraque tem um grande efeito indireto porque consome o tempo, a energia, o dinheiro e atenção que deveriam ser dispensados às questões ambientalistas. Há uma preocupação tão grande com o terrorismo e com o Iraque, que estamos deixando de cumprir nossas obrigações em relação ao meio ambiente. É muito difícil chamar a atenção para assuntos de longo prazo. Contudo, o conselheiro científico do então primeiro-ministro britânico Tony Blair, e o Ministro do Meio Ambiente canadense chegaram a apontar que no longo-prazo, problemas ligados ao meio ambiente serão tão ameaçadores quanto o terrorismo. E eu concordo totalmente com eles.
Certa vez, o senhor mencionou que a Europa lidera o mundo na questão de boas políticas ambientalistas. Quais são elas?
Os europeus estão à frente nas áreas de clima - obedecendo o Protocolo de Kioto -, de reciclagem, de impostos relacionados ao meio ambiente, de testes de químicos tóxicos e de energia renovável. Eles ainda obrigam os poluidores a pagarem pelos estragos. Estes exemplos são fáceis de serem copiados. Basta querer.
Mas os países trocam informação e experiências neste setor, ou será que seus interesses políticos e econômicos bloqueiam qualquer diálogo?
Não acho que exista um problema de falta de informação. Existem várias instituições e inúmeras formas de trocarmos informação com a Europa. Por exemplo, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) tem um vasto programa de troca de informações na área ambientalista. O problema ainda são as barreiras políticas que, nos caso dos EUA, está nos segurando e impedindo-nos de seguir o caminho europeu. Não sofremos de falta de informação.
O senhor mencionou certa vez que, exceto o Protocolo de Montreal, os tratados não estão funcionando. Por que?
Eles não estão funcionando porque os governos não estão dispostos a negociar medidas inflexíveis. O Protocolo de Montreal incluía vários atos que forçavam provisions. Mas os outros tratados não têm. Então, nos resta perguntar por que os governos não chegam a acordos para fazer mais? E a resposta nos faz voltar novamente para a política: interesses econômicos por trás de interesses políticos. Estes interesses previnem tomadas de decisões em assuntos cruciais.
No seu livro, o senhor cita que o dióxido de carbono acumulado na atmosfera está hoje no pico de sua concentração nos últimos 420 mil anos. E vai continuar aumentando nos próximos 20. O que isso significa?
Este é o principal gás que muda o clima. Ele deriva tanto do uso de combustíveis fósseis, quanto da devastação florestal. O acúmulo de dióxido de carbono na atmosfera estimula o aquecimento global em níveis que vão além do que já vimos historicamente. A concentração de dióxido de carbono na era pré-industrial era algo como 280 partículas por milhão. Hoje, estamos em 370 partículas por milhão. E a previsão é de chegarmos a 600 partículas por milhão. Isso é o equivalente a colocar cobertores e mais cobertores sobre a Terra. E abafar o calor.
Outro número citado no seu livro também assusta: anualmente, algo em torno de cinco e seis bilhões de libras de pesticidas são despejados no mundo. O que isso pode nos causar?
Para muita gente, isso tem efeito imediato. Frequentemente, trabalhadores rurais têm a saúde prejudicada devido à exposição a pesticidas. Sem falar no envenenamento de vários insetos e animais. Mas a grande preocupação global é de que estes elementos químicos estejam acumulando no sistema natural do Planeta. Tanto eu quanto você temos de 20 a 40 químicos altamente tóxicos em nossos sistemas. Os efeitos na saúde ainda não estão claros. Sabemos que este químicos causam defeitos de nascença, problemas de desenvolvimento, além de afetar no desenvolvimento de gênero. Ainda assim, não sabemos se os níveis desses químicos no nosso corpo são elevados o suficiente para estarem causando estas anomalias. É muito difícil para a ciência medir tudo isso.
Fale sobre a superpopulação mundial: na África e na América Latina a crescente demanda por alimentos necessitará de mais áreas agrícolas - com isso, mais florestas serão destruídas. Qual a importância de medidas de redução populacional global a serem tomadas por governos e, até, pela igreja?
Já estamos vendo a agricultura abocanhar boa parte da Amazônia – seja com gado ou soja. O problema se repete mundo afora. A superpopulação certamente agrava a situação; e a população continua a crescer. O Brasil, por exemplo, tem milhões de pessoas carentes ávidas por terras e por empregos – assim como em vários outros países. Mas a boa notícia é que o nível de crescimento populacional está diminuindo. Hoje, as mulheres têm mais controle sobre seu corpo, e os governos estão ajudando com programas como educação para meninas, saúde na área de maternidade e infantil, além de serviços de planejamento familiar. Estes serviços estão tendo efeito real.
Apesar da boa nova, um quinto da população ainda não tem acesso a água doce. Nas próximas duas décadas, a média de suprimento de água por pessoa terá uma queda de um terço. Como resolver este problema?
A questão da água é simplesmente uma questão administrativa. Hoje, esta administração é falha. Perdemos muita água. A agricultura, e não pessoas, é o maior consumidor de água. No entanto, a maior parte dos sistemas de irrigação do mundo, incluindo os dos EUA, ainda são precários. Perdem água em abundância. Os israelenses, provavelmente, detém alguns melhores sistemas de irrigação. Mas sabemos que muitos rios não atingem mais o oceano na época de seca, como o Gandhi, o Nilo, o Colorado. A água é tão drenada e usada nos rios, que ela não alcança mais o oceano. Mas o rio Amazonas ainda chega no oceano, certo? E ainda temos bastante água doce em geleiras.
O seu livro dedica várias páginas à Amazônia. O que o futuro reserva para esta imensa floresta?
Seu futuro é bastante incerto. O lado bom é que hoje temos ativos nunca antes visto para criarmos áreas preservadas na Amazônia, como parques e reservas. Por outro lado, os índices de deflorestamento e de destruição em geral também nunca foram tão altos. Os índices referentes aos últimos dois anos são perturbadores.
Então se o senhor tivesse a oportunidade de conversar com o presidente Lula sobre isso, o que o senhor lhe dira?
Diria a Lula buscar um novo caminho que foque em maneiras de vida baseada em administração sustentável dos recursos da Amazônia. E que dê oportunidade para pessoas viverem em outras partes do país, fora da Amazônia - assim não haverá tanta pressão para se viver nesta região. Inclusive, recebemos em Yale, Maria Helena, que cuidava dos assuntos relacionados à Amazônia durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
Como o Brasil poderá balancear seu crescimento econômico e tecnológico com a preservação de suas fontes naturais?
O Brasil é repleto de bons líderes ambientalistas. Vocês têm gente muito talentosa, gente que sabe o que é certo. Nomes de peso como os ambientalistas e consultores José Goldenberg e Fábio Feldman além de nomes históricos como a ambientalista Maria Tereza de Pádua. Ainda tem muita gente boa trabalhando na Amazônia e em Manaus. Tivemos até um executivo brasileiro em nosso programa aqui em Yale. Eu diria ao Lula: escute a estas pessoas!
E qual o papel das empresas neste sentido?
Elas tem de agir urgentemente. Digo às empresa brasileiras, e às americanas, para buscarem liderança no Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD). Esse grupo teve início no Brasil, durante do Fórum Mundial de 1992. Acho que o Brasil poderia levar uma mensagem ao mundo de que os acordos fechados naquele fórum acabaram não se concretizando.
As ONGs dedicadas ao meio ambiente estão no caminho certo?
Sim. Em geral, a comunidade mundial de ONGs é bastante importante, e na maior parte das vezes, tem razão. Temos que ouvi-las mais. No Brasil, vocês têm muitas ONGs trabalhando em diversas áreas, com a Mata Atlântica e o Pantanal. Algumas são ativistas, outras funcionam como centro de pesquisas.
O que deveria se mudado imediatamente para começarmos a melhorar a situação global?
O tópico número um da minha lista é adotarmos sistemas de transporte extremamente eficientes. Também deveríamos investir em energia renovável. Sei que o Brasil está focado em energia de biomassa (nuclear), mas não sei com a energia eólica. Este tipo de energia está ganhando muita atenção internacional e muito investimento na Europa. Precisamos de decisões muito claras que alcancem e auxiliem a todos. Uma vez que estas decisões forem tomadas, as tecnologias para estes fins surgirão rapidamente.
Muita gente já sabe separar lixo a ser reciclado ou ignorar carrões que poluem ainda mais o ar. O que mais o leitor pode fazer no dia-a-dia para melhorar o meio ambiente?
O último capítulo do meu livro, intitulado Recursos para Cidadãos, é dedicado a este assunto. Listo dicas sobre o que se fazer em casa, na hora de consumir, na hora de votar, na hora de investir em empresas. O que exigir de empresas e como agir sendo membro de uma organização. Por exemplo, a Internet nos permite achar, em segundos, qual o computador ou geladeira que consome menos energia - e qual carro consome menos combustível.
Ainda há sites que avaliam quais os políticos mais “verdes” para votarmos, além de explicar aos indivíduos como se engasgarem politicamente no assunto. Outros sites indicam quais os melhores fundos para investir, considerando empresas e iniciativas que lidam positivamente com o meio ambiente. Já os consumidores, recebem instruções que vão de ler os ingredientes e suas embalagens à escolher um pacote turístico, cujas atividades respeitem o meio ambiente.
No campo empresarial, as pequenas empresas são as que tem mais chances de mudar – são menos burocráticas e mais flexíveis. Por outro lado, as grandes tem imenso poder e devem ser cobradas. (A lista de dicas está disponível em inglês no site do livro. Veja o link no final da entrevista). Contudo, as fontes de informação do meu livro são voltadas ao público norte-americano.
Esta lista é adaptável para o Brasil?
Adoraria ver um brasileiro escrever um capítulo como “Recursos para Cidadãos”, usando fontes de informações brasileiras. E em português. Acredito que haja muita informação no Brasil. Precisamos - e eu digo todos os países - fazer parte de um novo movimento que coloque estes assuntos num nível bastante alto.
Nossa entrevista durou 45 minutos. O que a Terra perdeu neste pequeno espaço de tempo?
Esta questão é fundamental, pois lida com a urgência. Nestes 45 minutos, devemos ter perdido 1.214 hectares de floresta tropical. Certamente, mais desertos se espalharam, perdemos toneladas de peixes, gases que prejudicam o clima foram emitidos na atmosfera, assim como poluentes tóxicos. Este é o problema: ao mesmo tempo que estamos melhorando em aspectos isolados, estamos estagnados no aspecto global. Por exemplo, nos países ricos, vimos melhoria no trato com poluição. Mas no que se trata de clima e oceanos, o mundo continua uma catástrofe. É muito importante para países como Brasil liderarem não apenas nacionalmente, mas internacionalmente – até para que haja pressão sobre os EUA. O Brasil precisa juntar-se à Europa para que se insista em mais ação.
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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