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- Gus Speth

Tatiana Alves
28.agosto.2009

A economista paulistana Tatiana Alves adora ecoturismo, mas sua preocupação com o meio-ambiente não acontece só nas férias: desde 2007, trabalha na Fundação Linden Trust e se envolve com projetos relacionados ao clima e conservação, acompanhando de perto negociações internacionais, principalmente ações que lidam com desmatamento

Tania Menai, de Nova York – Edição: Mônica Nunes
Planeta Sustentável - 28/08/2009

Tatiana Alves passou a lua-de-mel em Fernando de Noronha e está de malas prontas para uma viagem ao Machu Pichu, no Peru, mas sua preocupação com o meio-ambiente vai muito além. Há cinco anos vivendo em Nova York, ela trabalha, desde 2007, na Fundação Linden Trust, que foca em mecanismos financeiros e de mercados para resolver problemas ambientais em diversos países.

Tatiana se envolve com projetos relacionados ao clima e conservação, acompanha de perto negociações internacionais e está ligada, principalmente, nas ações que lidam com desmatamento, uma prática que, entre outros problemas, provoca a emissão de gases de efeito estufa. Ela acompanha passo-a-passo a possibilidade de as questões do desmatamento evitado serem incluídas na legislação americana para a redução destes gases.

É formada em economia pela USP, com mestrado de relações internacionais pela Columbia University, com enfoque em finanças de meio-ambiente e energia. Na semana passada, ela conversou com o Planeta Sustentável sobre as iniciativas americanas para a COP-15, em Copenhague, para onde ela provavelmente embarcará em dezembro.

Como os EUA estão se preparando para o COP-15, em dezembro?
Em 2008, os EUA iniciaram uma campanha para assumir metas domésticas para a redução de gases de efeito estufa (GEE), mas a iniciativa foi por água abaixo porque não havia apoio político americano para aprovar uma legislação que limitasse as emissões destes gases no território nacional.

Este ano as coisas mudaram. O presidente Obama quer liderar o esforço global e está apoiando bastante a câmara dos deputados e o senado para que eles consigam aprovar uma legislação abrangente para a redução de gases de efeito estufa. Este projeto de lei, elaborado por dois deputados, foi aprovado em junho na Câmara dos Deputados e agora foi encaminhado para o Senado, onde está sendo revisado para aprovação em outubro.

E uma vez aprovada, esta lei...

Uma vez aprovada, esta lei faz com que os EUA falem para eles mesmos, os americanos, para diminuir o efeito estufa com a meta de reduzir em 17% os níveis de emissões de 2005 – e com o objetivo de chegar a 2050 tendo reduzido 83% dos níveis de 2005. Ou seja, eles estão assumindo metas menos ambiciosas do que a União Européia, mas a idéia é, num espaço menor de tempo, assumir metas mais grandiosas.

Se esta lei for aprovada no Senado, os EUA terão uma força política gigantesca para exigir, em Copenhague, que os outros 199 países também se comprometam com metas mais ambiciosas. Este movimento interno americano já é, em si, um esforço gigantesco se comparado aos últimos 12 anos, quando ocorreu a ratificação do Protocolo de Kyoto.

Os americanos estão fazendo isso visando Copenhague?

Não. Eles tem a consciência de que precisam assumir metas: eles emitem 1/5 dos gases de efeito estufa do mundo, ou 20%, só perdendo para a China. Então, os americanos sabem que tem de arrumar a casa, mas querem que este esforço sirva para liderar iniciativas a serem tomadas pelo restante do mundo.

Acredito que eles não querem se comprometer sozinhos, mas assumir metas e mostrar para o mundo que eles se preocupam com o problema. E mais: que essa atitude lidere o COP-15. No entanto, não sei dizer se este esforço todo tem um prazo especialmente marcado para o encontro de Copenhague. Na verdade, se eles não definirem este cenário, não poderão se comprometer na COP-15. Se eles não concordarem no Senado, pouco será conseguido em Copenhague.

Muitos dos países desenvolvidos que participarão desse encontro não querem definir suas metas finais para depois de 2012, quando acaba o Protocolo de Kyoto, sem antes verem o que os EUA vão fazer. O mesmo se aplica aos países em desenvolvimento. A China,por exemplo, não vai querer assumir nenhum tipo de compromisso mais sério se ela não vir os EUA fazendo alguma coisa.

Os EUA tem consciência desta responsabilidade?

Totalmente. Por isso, o governo tem um time só para cuidar do assunto, liderado pela Hillary Clinton, seguida por Todd Stern, que se encarrega das negociações internacionais nos assuntos de mudanças climáticas. Em terceiro, vem Johnatan Pershing, que viaja mundo afora, visitando o Brasil, a China e países emissores que, até então não tem nenhum comprometimento de reduzir suas emissões - ao contrário da União Européia - para negociar e envolver estes países no esforço e chegar a um consenso em Copenhague. Mas os EUA continuam dependendo do Senado e da Câmara para assumir um compromisso maior.

Qual foi a real influência do presidente Obama para estas mudanças de postura do pais?
Sem ele, não teríamos estas iniciativas. Ele tem uma visão extremamente abrangente sobre os problemas que o mundo enfrenta. Ele sabe que os EUA são uma liderança em vários sentidos e que eles precisam moralmente – e por conta da preservação do planeta – fazer alguma coisa. Então, mesmo quando eles tentam aprovar este atual projeto de lei, há quem critique, alegando que eles poderiam fazer ainda mais. Concordo que sempre se pode fazer mais, mas o passo dado até agora foi gigantesco, pelo que escuto de conversas de corredor de ONGs americanas; e Obama teve papel crucial para conseguir apoio dos democratas que estão na Câmara dos Deputados para aprová-la.

Mas os democratas, ao contrário dos republicanos, não abraçariam a idéia sem piscar?
Nem sempre. Há muitos políticos democratas, tanto no Senado quanto na Câmara, que representam estados americanos que dependem totalmente de combustíveis fósseis, como o Texas, Virgínia, Wyoming... Todos eles dependem de carvão. Então, quando o presidente fala de uma legislação que irá reduzir o efeito estufa, isso significa impacto no preço do carvão, da eletricidade e de toda a cadeira produtiva. Por isso, as pessoas iriam pensar duas vezes antes de usar carvão, o que afetaria a economia destes estados. Dito isto, é preciso ter o apoio destes democratas, que tem obrigação com os estados de onde eles vem. Por esta razão, aprovar esta legislação de lei no Senado é desafiante. Não é fácil juntar democratas que não vêem com bons olhos o conjunto de leis para mudanças climáticas. Sem falar no setor agrícola americano que também tem uma certa restrição, alegando que o custo da matéria-prima para eles vai aumentar imensamente.

Como assim?
Fertilizantes, por exemplo, pertencem as cadeias de combustível fóssil. Então, o custo de produção para estes agricultores aumentaria muito. Há representantes democratas que resistem à nova iniciativa por causa disso. Por essas e outras, diz-se que o desafio será maior no Senado do que na Câmara dos Deputados. O pessoal está trabalhando pesado em Washington para criar uma consciência ambiental e o Obama, nos bastidores, tem papel fundamental para conseguir o consenso destes democratas.

O que o presidente tem feito na prática?

A questão da energia, do preço de petróleo e da segurança energética ficou bastante proeminente no último ano. Quando o Obama assumiu o governo em janeiro passado, ele listou uma série de prioridades, entre elas o seguro saúde, a segurança energética, as mudanças climáticas, a crise financeira, os empregos... E ele ainda atrelou a crise econômica à mudança climática, dizendo que, uma das formas para que ele consiga resolver a crise econômica é criando “empregos verdes”.

Espertamente, ele está juntando as coisas com o pensamento ‘temos capacidade de sair deste buraco, e ainda por cima, sair mais verdes’. Ele criou um cargo tão importante como o de Secretário de Estado ou de Agricultura, só para cuidar de assuntos climáticos. E designou uma mulher para isso , a chamada “Czar das Mudanças Climáticas”.

Depois criou um time abaixo dela, para trabalhar em diversos ministérios que interagem com o tema. Ninguém tinha feito isso antes. Ou seja, ele esta gastando seu próprio capital político para isso. Para se ter idéia da dimensão de seu trabalho, enquanto acontecia a negociação deste projeto de lei na Câmara, em meio ao ‘aprova-desaprova’, ele ligava pessoalmente para os deputados, um por um, para incentivá-los a votar a favor da questão ambiental. Ele tem uma visão política de longo prazo e estamos num momento político ideal para conduzir esta estratégia, ou seja, o mundo está mais aberto para isso.

Você acredita que os EUA, por sua atitude agora, cobrarão dos demais países o mesmo?
Acho que os EUA serão lembrados positivamente por suas iniciativas, mas não sei se os países se sentirão obrigados a fazerem o mesmo. Bom, a Europa mostrou, até agora, muita liderança neste sentido, mas o futuro está aí para provar se a forma como os EUA estão se organizando fará ou não fará diferença nas negociações. A questão chave é saber se eles vão aprovar esta lei até outubro. O grande debate é: o que sairá de Copenhague? Será que o encontro servirá para estabelecer compromissos a serem fechados até o meio do ano que vem, ou será que ela servirá para estabelecer compromissos agora, para serem apresentados no próprio evento? Quando digo compromissos, incluo também penalidades caso eles não sejam cumpridos. Estas são as duas visões do momento.

Você lida com muitos americanos da área ambiental. Como eles vêem as questões do Brasil e da Amazônia?

Os americanos estão superotimistas em relação ao Brasil. No ano passado o país divulgou compromissos de redução de desmatamento, investimentos em eficiência energética e estabeleceu metas. No entanto, desconheço se há penalidades caso essas metas não sejam cumpridas. Que eu saiba, o Brasil não vai se punir caso não reduza o desmatamento, nem punirá os setores de cimento ou termeletrica caso eles não cumpram com suas questões. Na verdade, o país assumiu metas morais para o restante do mundo e isto mostrou uma liderança brasileira: a mensagem que ficou foi a de um país em desenvolvimento preocupado com a questão, abraçando metas para si. Inclusive, a Noruega está apoiando, financeiramente, o Brasil, para reduzir o desmatamento, através do Fundo Amazônia. Esta postura brasileira, menos reativa e mais proativa, está sendo bem apreciada pelos americanos.

Mas estas metas internas são o suficiente para estes especialistas americanos?
Não. Eles buscam, além disso, que se estabeleçam também metas perante o planeta, e não apenas metas internas, como acontece entre os países desenvolvidos. Os países em desenvolvimento não se envolveram, até agora, alegando que não foram eles quem começaram o problema ambiental. Mas, os EUA e os outros países desenvolvidos estão dizendo que, a partir de agora, os países em desenvolvimento tem de assumir metas mais concretas, nem que sejam de ações.

A China já ultrapassou os EUA em emissão. O Brasil é o quarto pais do mundo nesse ranking, por causa do desmatamento. Se ele chegar a desmatar tudo, começará a emitir gases por meio de seu parque industrial. Então, o que os países desenvolvidos estão fazendo hoje será compensado negativamente por aquilo que os países em desenvolvimento não estão fazendo. Por isso, se o Brasil quiser transformar este esforço em realidade, também terá de aprovar leis em seu próprio território. Estamos vivendo tempos bastantes interessantes.


[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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