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Marcelo Gleiser
01.junho.2010
Tania Menai, de Nova York.
“Quem é que vai te pagar para contar estrelas?”. Esta foi a pergunta que o jovem carioca Marcelo Gleiser recebeu do pai, ao anunciar que gostaria prestar vestibular para Física. Hoje, trinta anos mais tarde, a resposta é simples: muita gente. Mais precisamente, editores de livros, jornais, programas de televisão, rádio e, sobretudo, os melhores acadêmicos do mundo, como os do Departamento de Física e Astronomia da universidade Darmouth, uma das oito de mais prestígio dos EUA, onde ele leciona filosofia natural e faz pesquisas desde 1991. “Estou muito feliz aqui, os alunos são ótimos”, conta Gleiser, 51 anos, que fez o bacharelado na PUC do Rio, mestrado na UFRJ, doutorado – com bolsa - no King’s College, na Inglaterra e pós-doutorado nos EUA. “Os recursos de Darmouth são incríveis; ontem mesmo recebi um vencedor do prêmio Nobel. Além de dar uma palestra para os alunos, ficamos conversando por duas horas. Este tipo de acesso é muito importante”, diz ele que vive com a família nos arredores da universidade, numa casa sem vizinhos, cercada por verde no verão e tons de laranja e amarelo no outono, em frente ao rio Connecticut que divide os estados de New Hampshire e Vermont, a quatro horas de meia de carro ao norte de Nova York. “É uma vida bárbara, sem muito estresse, com vaquinhas pastando aqui por perto”, revela.
Conhecido no Brasil por assinar uma coluna dominical na Folha de S. Paulo desde 1997 e participar de uma série no Fantástico sobre ciência há cerca de dois anos. “Este trabalho foi muito bacana: , falamos sobre a origem do universo, entrevistamos o Paulo Coelho, viajamos o mundo inteiro, de vulcões ao Havaí”, empolga-se. Gleiser é ainda autor de livros, o mais recente, Criação Imperfeita, recém lançado no Brasil. Nos EUA, ele mantém um blog no site da National Public Radio, de longe a rádio mais respeitada do país, e fez pequenas entradas para o Discovery Channel Latin America, sobre os mistérios do universo, veiculado também no Brasil. “É importante haver humildade para assumir que não se sabe”, acredita Gleiser. “No meu último livro, tento criar uma nova postura para as ciências e para os cientistas. Claro, já fizemos grandes descobertas, mas devemos aceitar que muitas das nossas perguntas ainda não tem respostas; e algumas delas talvez nem tenham”, diz ele. “E é aí que entram as religiões – o que a ciência não explica, Deus explica. Mas eu prefiro não entrar neste tipo de argumento. O fato de não sabermos é uma mola para querermos aprender mais”, completa ele, que foi criado na religião judaica. Ele lembra que no sul dos EUA há uma região chamada de Cinturão da Bíblia – que inclui o Kansas, Tennessee, Alabama e Oklahoma – onde o fundamentalismo cristão da direita americana é muito latente. “Eles chegaram a reeleger o presidente Bush e tentam se infiltrar nas escolas para mudar o currículo escolar: dizem que o criacionismo deveria ser ensinado em pé de igualdade com a teoria da evolução, por exemplo. Isso é um absurdo completo”, acredita Gleiser. “Tento combater esta falácia com o meu trabalho de divulgação científica. Misturar religião com ciência confunde as pessoas ainda mais.”
Gleiser tem o dom de transformar a imagem do físico `a frente de um quadro negro cheio de fórmulas indecifráveis em papos – interessantes - para leigos. “Sempre gostei de dar aula, de explicar. E por ter estudado tanto para aprender tudo isso, compreendo que as pessoas achem este mundo complicado. Então fico imaginando: como vou explicar o que é o Buraco Negro para a minha avó, aquela senhora, imigrante da Ucrânia que mal falava português?”, diz ele. “Tento criar historinhas e analogias com as quais as pessoas gostem de se relacionar. Todo mundo gosta de uma história, então tudo fica mais fácil de entender”, conta Gleiser. “Isso é um aspecto muito judaico, meio talmúdico, do contador de histórias, do amor pelos livros, pelo refletir e comentar. Tive a sorte de ter crescido numa família que sempre prezou muito a literatura, a música, as artes, e a discussão”, lembra ele. “Nossos almoços dominicais na casa do meu avô, reuniam17 pessoas naquela mesa imensa, trocando posições antagônicas, só pelo prazer de articular os pensamentos – este é um exercício retórico fabuloso”. Ele vive há 28 anos fora do Brasil. É casado pela segunda. Sua esposa Kary, com quem vive há 14 anos, é uma “americana de alma brasileira, que fala português e é louca para morar no Rio de Janeiro”. Com ela, tem seu filho caçula, Lucian, de quatro anos, “um verdadeiro carioca”. Do primeiro casamento, com uma também americana, ele é pai de três: dois meninos e uma menina; o mais velho tem 21 anos – e nenhum, até agora se interessou por física. “Um deles é mais tecnológico, mas isso significa interesse por videogames”, conta o cientista.
A rotina de Gleiser é eclética. “Digo que tenho três profissões”. A primeira é de professor. Ele leciona apenas três horas semanais, durante trinta semanas por ano. “Mas, de qualquer forma, envolvo-me com as questões dos alunos, em correção de provas, e tudo que envolve lecionar”. A segunda empreitada é a de pesquisador – e isso envolve leitura de artigos, cálculos, e trabalhos com alunos de doutorado. A terceira profissão, para qual ele se dedica `as terças e quintas-feiras de casa, é escrever para as diversas mídias que lhe dão espaço. “Meu plano de horário certinho nunca dá totalmente certo. Trabalho cerca de 10 horas por dia, trabalho demais. `As vezes acordo `as cinco da manhã para trabalhar até as oito, antes de o pessoal de casa acordar”, confessa. Além da dedicação que uma carreira internacional exige, Gleiser acredita do papel de mentores. “Eles são fundamentais em nossas vidas. Inclusive, tento ser um mentor para meus alunos, e também para meus filhos - se bem que isso é mais difícil. Muito do seu caminho é você mesmo que traça, mas a ajuda de pessoas mais maduras e experientes é fundamental”, alerta. Sobre a ciência no Brasil, ele tem um ponto relevante. “Tem-se uma visão distorcida da ciência no Brasil. No entanto, temos físicos brasileiros de excelente qualidade que foram treinados no exterior. Eles estão fazendo um trabalho muito bom por lá,” aponta. “Claro que a ciência no país poderia receber mais recursos. Alguns cientistas nacionais são heróis: é incrível como eles conseguem fazer pesquisa de qualidade com os recursos locais”, surpreende-se. Sobre o que seu pai disse sobre o sucesso de sua profissão? “Ele faleceu em 1990, quando ganhei uma bolsa para o doutorado britânico. Mas não abriu mãe de sua posição inicial. Quando foi me visitar no pós-doutorado nos EUA disse: “viu como deu certo a pressão que coloquei em você?”, ri Gleiser. # #
[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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