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Edith Bertoletti
01.setembro.2011

Tania Menai, de Nova York.

Há dez anos, a advogada Edith Bertoletti estava em Wall Street, epicentro dos atentados de 11/9. Nos meses seguintes, ela superou a tristeza e o medo para ajudar, de graça, famílias de vítimas brasileiras a vencer a burocracia

Qualquer pessoa nascida até meados da década de 90, tem sua história de “onde estava na manhã do dia 11 de setembro de 2011.” Alguns estavam em férias na Grécia, outros dormindo na Califórnia, e os menos sortudos, respirando o pó deixado pela desabamento das torres gêmeas, naquela fatídica manhã de terça-feira: 2.749 pessoas morreram. Quatro eram brasileiras. Para a advogada carioca Edith Bertoletti aquela era mais uma manhã de trabalho. Mal sabia ela, que a partir daquele dia, uma grande missão lhe esperava: ajudar duas famílias do Brasil que perderam parentes nos atentados. Edith, que mudou-se para Nova York em 1999 depois de cursar um ano de mestrado em direito na Universidade de Harvard, trabalhava na época no escritório de advocacia corporativa Sullivan & Cromwell, um dos mais estrelados de Wall Street, a quatro quadras do World Trade Center. Maratonista, e na época com 29 anos, ela corria todas as manhãs no Central Park antes de enfrentar o batente. Naquela manhã, Edith tinha uma reunião por telefone logo cedo.

Ao sair do metrô, a cena era de guerra. “As torres já estavam pegando fogo e nenhum prédio deixava mais as pessoas subirem. Imagine o centro de São Paulo com todos os trabalhadores na rua!”, lembra Edith, que hoje vive em São Paulo, com o marido, duas filhas e a terceira a caminho. “Quando passaram aviões de incêndio, bem baixos pensei que a cidade inteira estava sendo bombardeada; ninguém sabia que aviões eram aqueles - eu só desejava voltar para casa e ver meu marido e minha irmã”, conta. A vista de Edith começou a escurecer, a sensação foi desmaio. Se desmaiasse, ela sabia que seria pisoteada. Aguentou firme e andou acompanhada com um colega por 10 quilômetros até a rua 56, onde morava. Nas duas semanas seguintes, a advogada trabalhou de casa, enfrentando uma mistura de tristeza e pânico. Ela não saía de casa sem o marido e chegou a procurar ajuda médica. “Minha única vontade era de ir para o Brasil ou para a Itália, de onde vem parte da minha família”, lembra ela.

No entanto, uma amiga lhe telefonou dizendo que duas famílias de vítimas brasileiras precisavam de ajuda. “Apesar de eu querer me esconder naqueles dias, tirei forças não sei de onde pois tinha alguém precisando de mim”, sorri. “Imediatamente, comecei a ajudar a essas famílias cuidando da parte burocrática e jurídica de todo o processo da perde dos parentes”, conta. “Para isso eu tive um apoio incondicional do escritório onde eu trabalhava: todas as horas dedicadas `as famílias foram pagas como seu estivesse trabalhando para qualquer cliente do escritório; consegui enquadrá-las como clientes probono, então pude usar todos os recursos de praxe para ajudá-las”, diz Edith, reforçando que esta atitude é incorporada `a cultura americana. Edith se surpreendeu com a forma como a cidade se organizou. Eles montaram uma espécie de centro de convenções chamada Family Center, que ficava na beira do Rio Hudson, na altura da rua 55. Lá centralizou-se as operações da Cruz Vermelha, o Departamento de Justiça, fundações, coleta de material para exames de DNA, apoio psicológico, tradutores – e até um serviço de ônibus criado para servir `as famílias. “As questões a serem resolvidas muitas vezes eram simples, mas as famílias estrangeiras não sabiam por onde começar”, conta Edith. O primeiro passo era tirar um atestado de óbito – algo não muito simples quando não há corpo encontrado. As empresas destruídas, cederam a lista dos funcionários que deram entrada naquela manhã – o que ajudou bastante o trabalho de Edith, já que ambos falecidos trabalhavam nas torres. O problema, em outros casos, era comprovar a morte de pessoas que estavam ali a passeio, em reunião e entregando café-da-manhã, para se ter idéia do caos. “Eu ia todos os dias no Family Center e resolvia de tudo: pagamento de cartão de crédito, cancelamento de contrato de aluguel, faturas diversas, negociação de seguro de vida – pense que os que morreram muitas vezes eram os que pagavam as contas, então tínhamos que ter acesso `as contas bancárias”, diz ela. O processo foi agilizado porque praticamente todos os escritórios nova-iorquinos disponibilizaram seus advogados para trabalharem em alguma área. Edith teve até a sorte de encontrar um colega seu trabalhando ali para o Departamento de Justiça. “Foi muito bom resolver um caso com uma pessoa conhecida do outro lado da mesa”, comemora.

Um dos procedimentos mais complicados, no entanto, foi estabelecer as indenizações que as duas famílias receberiam por seus parentes. Como colocar uma etiqueta de preço sobre uma vida? Segundo Edith, existem uma série de critérios que incluem a escolaridade – quanto mais elevada, mais o indivíduo colabora na renda familiar, e também a idade: quanto mais jovem, maior a perda futura; projeta-se de alguma forma o quanto aquela pessoa produziria futuramente. O governo americano mereceu mais um parabéns ao assumir o processo administrativo da indenização. Ou seja: em vez de quase três mil famílias entrarem num processo contra as companhias aéreas e o World Trade Center por falta de segurança, o governo fez isso, usando os mesmos critérios usados por um juiz. Nesta questão, Edith trabalhou lado a lado com um outro advogado, especializado em direito contencioso. “Fui a diversas e longas reuniões, onde tivemos de lidar com líderes de governo – aos poucos, eles foram delineando novas decisões de regras e se organizando. ” Edith acredita que este processo funcionou bem para muitas famílias. “Nunca saberemos se cada família conseguiu o máximo de indenização; mas este foi um processo célere, onde as famílias não precisaram se envolver em audiências intermináveis. “Tiro o chapéu para o governo dos Estados Unidos – que indenizou até famílias de pessoas ilegais no país. E ainda me pergunto o que teria sido se os atentados tivessem ocorrido no Brasil”, indaga ela, uma apaixonada pela terra natal. “Além de poupar as famílias de mais tempo e sofrimento, conseguimos terminar o processo em cerca de seis meses – normalmente, leva-se de quatro a cinco anos para dar fim a este tipo de burocracia”.

Edith fala com imenso carinho de ambas famílias. “Nós, brasileiros, acabamos nos envolvendo – os americanos mantém mais distância dos clientes”, diz ela, que hoje trabalha em um fundo de investimentos. “Aquelas duas famílias poderiam ter sido as minhas – seus parentes tinham a minha idade que eu, e estavam em Nova York fazendo o mesmo que eu”, conta ela, sem ter nunca revelado o nome de nenhum deles. “Costumo dizer que as minhas duas filhas, Carolina e Raphaela, tem três avós, e mais uma tia extra. Esta intimidade não veio logo apos ao 11 de setembro, foi acontecendo aos poucos, especialmente depois que voltei para o Brasil, em 2005”. Edith lembra com orgulho a coragem de ter assumido a empreitada em um momento em que ela mesmo estava fragilizada. “Sempre penso neste episódio para enfrentar outras situações”, confessa. Ao voltar para o Brasil, ela sempre buscou trabalhar probono, mas encontra resistência de escritórios brasileiros que ainda não adotaram a filosofia. “Após as enchentes que ocorreram na região serrana do Rio, no verão passado, muita gente não sabia como ajudar. Até os produtos doados estragaram. É bom saber que a vontade de socorro existe, mas é preciso que a sociedade e empresas se organizem para isso - e que se mantenha uma continuidade”, recomenda a carioca.

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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]

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