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Marcelo Gomes
28.dezembro.2011
O príncipe de Nova York
Tania Menai, de Nova York
É dezembro. Estamos em uma gélida tarde de sábado em Nova York. O público – adultos e crianças - lota a casa de espetáculos Brooklyn Academy of Music (BAM), para assistir uma montagem inédita e divertida do tradicional “Quebra Nozes”. No palco, os bailarinos do American Ballet Theater (ABT), a companhia de balé clássico de maior prestígio dos Estados Unidos, fundada há 71 anos. E no papel principal, um príncipe vestido de branco, que encanta por sua leveza, precisão e carisma. Seu nome é Marcelo Gomes, um brasileiro nascido em Manaus há 32 anos. Radicado em Manhattan desde 1997, Marcelo é hoje um dos um dos oito bailarinos principais da companhia, que conta com 90 dançarinos do mundo todo. Com agenda lotada até o final de 2012, ele visita cerca de 15 países anualmente, subindo em palcos da Europa, do Brasil, da Rússia e até da Grécia. “É incrível como me identifico com o filme Billy Elliot”, diz ele, relembrando a obra que conta a história das dificuldades enfrentadas por um menino britânico que queria dançar. “A única diferença é que – ao contrário do filme – meus pais, irmão e irmã sempre me incentivaram”, completa ele, sentado em uma das salas da sede do ABT, em Manhattan.
“Nunca escondi minha paixão pela dança – eu dançava em todas as peças da escola. Mas claro que até pais de amiguinhos meus tinham preconceito. Tive de lidar com tudo isso, mas eu tinha um foco: ser um bailarino profissional”, confessa. A vida era agitada: seu porteiro lhe buscava de carro todos os dias na saída da escola pública e a babá – a quem ele considera uma segunda mãe – dava o almoço no carro, enquanto ele se colocava a malha de balé no banco de trás. “Aquela era a minha responsabilidade – eu não via outra opção”. Sim, ele até participava da aula de futebol da escola. “Mas nunca se ouvia algo como “Gol do Marcelo!”, relembra ele, `as gargalhadas.
Esta devoção começou aos 5 anos, quando a família mudou-se para o Rio de Janeiro. Ao buscar sua irmã em uma academia de dança, Marcelo foi bisbilhotar uma aula para crianças pequenas no andar acima. “Abri a porta e me infiltrei na aula. A professora –Maria Lúcia Priolli – adorou falou para eu voltar no dia seguinte”, ri Marcelo. “Meus pais me matricularam na aula e três anos depois acabei me interessando por balé clássico”. Isso não aconteceu por acaso. Marcelo foi pescado pela bailarina Eliane Lobato, que o viu dançar – foi ela quem moldou o corpo do pequeno Marcelo de acordo com a estrutura clássica. Anos mais tarde, ele ingressava na conceituada academia carioca Dalal Achcar – ele era o único menino. Nesta época, uma bailarina da turma, enviou um vídeo para o The Harid Conservatory, um internato de dança em Boca Ratón, na Flórida, que aceita jovens de 13 a 16 anos. A bailarina-mirim foi aprovada. Mas os americanos queriam saber também “quem era aquele menino dançando ao lado dela no vídeo."
Sem mesmo tentar, Marcelo foi aprovado pela escola, mas na época tinha apenas 12 anos. “Esperei um ano, porque aos 13 eu poderia entrar na escola pública nos EUA”, conta. E lá foi ele, com seus 13 anos, mala em uma mão, sapatilha na outra –sem falar inglês e sem os pais. “Trata-se de um internato privado, onde aceita-se apenas 30 crianças - todos moram juntos e dançam paralelamente `a vida escolar. Os estúdios de dança são maravilhosos – mas a condição para participar do espetáculo de final de ano, era apresentar o boletim com todas as notas A”, lembra. “Meu inglês era zero. No primeiro dia, eu tremia indo para escola, naquele ônibus amarelo de filme americano.” No entanto, o carisma de Marcelo – que hoje fala inglês sem qualquer sotaque – o ajudou a fazer amigos rapidamente e aprender o idioma primeiramente para se comunicar. “Sou libra, sempre quis ter muitos amigos”, diz ele adicionando que, apesar de ser o caçula foi o primeiro a sair de casa.
Três anos mais tarde, o Harid Conservatory encaminhou Marcelo para uma competição em Lausanne, na Suíça, que lhe rendeu nada menos que uma bolsa de um ano no Opera de Paris. “Só que antes de ir para Paris, fui tirar férias no Rio de Janeiro, onde o ABT estava fazendo turnê”, conta ele. “Quis ver todos os espetáculos, mas não queria pagar pelos ingressos”. Solução: o rapaz, então com 16 anos, se ofereceu como figurante. Passou dias no palco com o almejado corpo de baile do ABT. E mais: pediu para fazer uma aula com os bailarinos. Levou um não. Mas insistiu. Só foi aceito quando mencionou que não buscava emprego, estava a caminho da Opera de Paris. Bastou uma aula para que Marcelo recebesse o convite para ingressar na companhia.
No entanto, seus pais – uma jornalista e um advogado - não deixaram. Eles queriam que Marcelo honrasse a bolsa de Paris antes de qualquer compromisso profissional. “Eles estavam certíssimos. Além de aprender francês, fui exposto a uma outra técnica e trabalho de perna e de braço. A escola francesa é muito precisa nos movimentos. Isso foi muito bom, porque sempre gostei de uma ginga a mais, como todo brasileiro”. Com mais esta experiência no bolso, no ano seguinte Marcelo, então com 18 anos recém completos, telefonou para o ABT e logo foi contratado. “Fiquei três anos como corpo de baile, dois anos como solista, e em 2002 fui promovido para um primeiro bailarino”, sorri.
Disciplina é a alma do negócio. Ele acorda `as 7.30 da manhã, passeia com a Lua, sua cachorrinha salsicha, faz seu próprio café da manhã e corre para a academia, onde alterna entre pilates, natação e ginástica. `As 10.15 da manhã ele já está na sede do ABT, quando começa a aula de balé. Ao meio-dia, começam os ensaios que só terminam `as sete da noite. “Primeiros bailarinos normalmente não precisam ficar até o fim, exceto quando estamos em temporada”. Marcelo se alimenta bem; diz que ao comer saudavelmente, o músculo responde melhor. Mas confessa que “ninguém resiste a uma friturinha”. “Adoro uma farofa, uma carnezinha, uma banana frita, um vatapá, uma moqueca...amo comida brasileira”. O bailarino cozinha para amigos em seu apartamento, em Hell’s Kitchen, especialmente o cardápio de brunch: panquecas, omeletes e french toast. Ainda freqüenta as melhores salas de cinema independente da cidade, e sai em busca dos novos restaurantes autênticos. “É impressionante como uma portinhola pode ter o melhor taco do mundo”, diz ele, que adora levar a família em suas descobertas quando eles chegam de visita do Brasil.
“O Brasil abriu muito mais espaço para a dança do que na época em que crescia. Hoje temos incentivo do governo e exemplos como o Grupo Corpo ou a São Paulo Cia. de Dança, com quem já fiz temporadas”, diz ele que sempre visita projetos de dança em comunidades carentes. “Recentemente, estive em uma escola de Manaus, onde 438 se apresentaram no chão de cimento de um ginásio – elas não tem dinheiro nem para comprar uma sapatilha, mas estavam ali, sorrindo. Foi muito importante eu falar para elas que também sou da cidade - e que se eu consegui chegar até aqui, elas também conseguem”.
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[ copyright © 2004 by Tania Menai ]
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